sábado, setembro 22, 2012

Sempre foi assim toda a vida

A capela tem um telheiro em frente, forrado a madeira de carvalho bonita. O Telheiro tem duas entradas laterais com dois degraus que, de tão suaves, quase não se sentem. Na delimitação do telheiro está um pequeno muro, com mais de meio metro de altura, que serve o descanso das pessoas que ali se sentam. O espaço é agradável. Muito agradável. Ontem foi festa e, como festa popular que é, lá se deu uma voltinha com o andor de Nossa Senhora pelo recinto. A procissão é curta, como eu gosto. Foi muito digna com oração e silêncios. Gostei. Porém, quando estávamos a entrar para debaixo do telheiro, por uma das laterais, alguém se lembrou de puxar o andor, juntamente com as senhoras que o carregavam, de forma que o mesmo entrasse pelo lado oposto à entrada da capela, isto é, por uma zona onde não há escadas e as pessoas podem magoar-se ou cair no muro que perfaz, como já disse, mais de meio metro, e onde o telheiro obriga a grandes manobras para que a imagem não seja degolada. As senhoras que carregavam o andor iam mesmo caindo, e eu, que estava logo atrás, disse que era melhor ter entrado por uma das laterais, ao que o senhor que puxara o andor me respondeu, com cara de poucos amigos e sem olhar para mim sequer, Sempre foi assim toda a vida. Uma das senhoras que carregava o andor olhou-me a sorrir e repetiu a frase do homem, como que a dizer O que temos de aturar, padre! Desta vez não me zanguei nem um pouco. Antes me diverti. Soltei uma gargalhada sem som. Sempre foi assim toda a vida, como se a vida de sempre fosse apenas um pedaço de tempo, uns anos. Assim como também sempre andámos de burro e agora andamos de carro. Mas sempre foi assim toda a vida, repetem. Vou-vos contar. Hoje nem me pareceu tratar-se de uma situação de falta de fé orientada. Antes me pareceu uma falta de orientação lógica, já para não dizer em palavras mais portuguesas e numa só, uma estupidez. Há tanta gente que… sempre foi assim toda a vida.

21 comentários:

Anónimo disse...

Exagerou, lembre-se que no que diz respeito à "Fé", e a muitas questões de "igreja" a "estupidez" da maioria das pessoas era imposta pelos seus antecessores, e não só... era conveniente para suas "eminências" era prático e cómodo... as pessoas tinham que fazer o que eles queriam que fosse feito por muito estupido que parecesse, e acredite havia-os muito estupidos.
Ainda hoje em dia hexistem muitos colegas seus que além de se julgarem superiores acham que são a autoridade lá da terra, e não será a idade uma desculpa.
Recentemente assisti a um funeral numa aldeia, daquelas que parecem perdidas no tempo, e o padre, que pareciam não ter mais do que uns trinta anos teve várias "saídas" deveras lamentáveis, diria até, uma ofensa para quem pensa por sua própria cabeça.
Por isso não julgue tão duramente a "estupidez" dessa gente, antes ajude-os a operar a mudança de mentalidade na vida deles.
Para a próxima vez, poderia dizer-lhes por exemplo que a tradição dos homens muitas vezes invalida as coisas de Deus, que Ele quer que os seus filhos sejam prudentes e não se coloquem em situações de perigo, que só porque era feito no passado isso não quer dizer que agrade a Deus, e que continue a ser feito, que está na hora e nas própras mãos mudar, e que Deus apoia a mudança...
Desculpe, não tenho o direito de o julgar, mas você, também não tem o direito de "julgar" a mentalidade das gentes que supostamente deveria orientar em direcção a Deus.
Pense um pouco na hstória da "igreja" e seja benevolente com as pessoas.

Desculpe mais uma vez.

Porthos disse...

O bicho homem sempre é um animal de hábitos, meu caro.

Paciência é fé.

Aquele abraço.

Anónimo disse...

Pois é, padre, em muitos locais e/ou situações, as pessoas reagem automaticamente "porque sempre foi assim" e acho que isso acontece ou por "comodismo" ou falta de abertura de espírito ou, talvez, porque é essa a tradição; são situações muito difíceis de alterar. Mas, penso que se tivesse uma conversa com a comissão de festas, haveria a esperança, ainda que remota, de uma alteração dos pormenores da procissão.
Um abraço

Anónimo disse...

Pois é, Padre, nalgumas camadas sociais, é mesmo difícil mudar as "tradições" ainda que absurdas.
Não será por mal, mas sim por falta de oportunidade de abertura de espírito e receio de alguma criatividade.Mas talvez, que com suavidade e alguma persuasão ao longo do ano, seja possível uma procissão com mais racionalidade.
Será? ou talvez não...mas uma tentativa, para os trazer a um mundo mais real e actualizado, será sempre um princípio para uma caminhada quiçá longa para obter
resultados; mas "tudo vale a pena, se a alma não é pequena..."
Um abraço
Ruth

Rosa disse...

Pela teimosia,pelo "sempre foi assim " é que é muito difícil as coisas se fazerem,se aprofundarem no sentido de as melhorar ,temos que com o decorrer do tempo e com a juventude ir mudando as mentalidades.

maria disse...

pois...e eis a razão de fundo para o papel da "mulher" na Igreja: foi sempre assim. ámen!

Anónimo disse...

Haverá sempre pessoas que são assim porque sempre foram assim e nunca quiseream ser de outra maneira. Sacerdotes e altas patentes do clero incluídos/as...

Abraço

Confessionário disse...

Anónimo das 24 Setembro, 2012 16:00,
a comissão de festas estava a carregar o andor e teve de cumprir o "sempre assim foi"...
Claro que uma conversa com a comissão de festas pode ajudar... mas e o resto?!

Confessionário disse...

Olá, anónimo de 23 Setembro, 2012 18:47

Percebo o que queres dizer e aceito o raciocínio. Porém, as pessoas a quem atribuis a "estupidez" não são as pessoas que geralmente tomam estas atitudes. Tu falas dos simples que aceitam as coisas até sem as questionar. Esses não têm destas atitudes que retrato no texto.
A "estupidez" que retrato não tem a ver com a simplicidade de quem se habituou, mas a de quem não quer ver para além daquilo a que se habituou e que acha que tem de impor aos outros, porque sempre assim foi, sem pensar se é adequado ou não o que se faz.
A estupidez não está na simplicidade, mas na arrogância de quem, sem dar conta, comete isso mesmo, uma estupidez.

Por último gostava de deixar claro que não quis "julgar" a pessoa, mas a atitude, embora continue a achar que há muita gente assim, com uma fé do "Sempre assim foi"!

abraço

Anónimo disse...

Confessionario,
Compreendo a sua explicação e aceito-a.
"A estupidez não está na simplicidade, mas na arrogância de quem, sem dar conta, comete isso mesmo, uma estupidez."
É isso mesmo.
Desculpe se o "magoei" com o meu comentário, não era minha intenção fazê-lo.
No final eu é que não estava a fazer a distinção correta entre "estupidez" e "simplicidade", é caso para dizer a estupida fui eu :).
Gostei do seu esclarecimento, muito mesmo.

Confessionário disse...

No problem... ta tudo bem.

E já agora deixem-me tb dizer que não é fácil dizer a alguém que não quer ver que abra os olhos.
Eu fa fiz explicações às pessoas, chamadas de atenção... e algumas continuam com o "sempre asssim foi".

Joana ;) disse...

Padre, quando fazemos um juizo de valor sobre alguém, obviamente não julgamos a pessoa, mas sim a(s) sua(s)atitude(s).
O que não deixa de ser um julgamento, mesmo sem ser intencional.

Por exemplo, eu não acho que as pessoas que fumam sejam más, mas acho a atitude em si uma estupidez.
Uma vez que os próprios fumadores, reconhecem que faz mal, mas não deixam de o fazer e porquê?

Porque somos animais de hábitos e os hábitos do "sempre foi assim", são dificeis de alterar.
A própria Igreja tem dificuldade em alterar muitos hábitos (ultrapassados para a época em que vivemos), mas... "sempre foi assim toda a vida".

Isto faz-me repensar um assunto, os fumadores, são os primeiros a apontar o dedo aos toxicodependentes, no entanto, não conseguem reconhecer que eles próprios também o são.
A única diferença é que a sua dependência é legal e bem aceite pela sociedade.

É como muitos dirigentes das Igrejas, querem que as pessoas alterem os seus hábitos e comportamentos enraízados há anos, mas eles próprios não conseguem alterar hábitos de instituições enraízados há séculos.

Será que algum dia veremos mulheres sacerdotizas na igreja por exemplo? Até porque existem muitas freiras boas oradoras.
Não, não me parece.
Nós mulheres, estaremos sempre em segundo plano na igreja e porquê? Porque o hábito, (machismo) "sempre foi assim toda a vida"...

Padre, este comentário, não é dirigido a si em particular, pelo contrário é dirigido àqueles que "mandam", desculpe dirigem, a Igreja em geral.

Não é um julgamento da Instituição em si, porque na minha opinião, ela não é má, mas é um julgamento de algumas das suas atitudes menos correctas, por parte de alguns membros dirigentes.

Mas eu como católica nim, nem sequer tenho voto na matéria, é só uma observação pessoal.

Bjs :)

Anónimo disse...

"...deixem-me tb dizer que não é fácil dizer a alguém que não quer ver que abra os olhos. "
Bem sei que é assim.
De certa forma também eu teimo em os manter fechados.
Ao ler o seu comentário não consegui ser objectiva, acho mesmo que a minha intenção real não era comentar a mensagem do post, mas não perder esta oportunidade de "atacar" a "igreja", ou melhor atacar uma pessoa, que fez parte do meu passado, padre da igreja católica, a quem eu "jurava" que tinha perdoado mas que bem lá no fundo não perdoei.
Prometo que não repetirei a "proeza".
Desculpe, nem este espaço nem o confessionario mereciam esta minha intervenção.

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

"Ontem foi festa e, como festa popular que é, lá se deu uma voltinha com o andor de Nossa Senhora pelo recinto."

Senhor Padre

Esta sua frase da "voltinha" é de uma enorme infelicidade. Nem parece escrita por um Sacerdote.

Quanto à "estupidez" já aqui foi dito o suficiente pelo que me abstenho de atirar mais "achas para a fogueira"

Que Deus o tenha sempre em Sua Santa Guarda

Confessionário disse...

Caro José,

Não foi escrita por um sacerdote; foi escrita por este sacerdote. E é bom que saiba que grande parte das procissões são para muitos dos que vão nela apenas uma "voltinha".

E porque não há-de deitar mais achas para a fogueira?!

abraço

JS disse...

Ó Confessionário, a mim parece-me que aquilo que tomas por estupidez não o será tanto assim.
Lembra-te que uma das características da religião é a ritualidade, a fixação, estabilidade e permanência das acções rituais: fazer sempre a mesma coisa, sempre da mesma maneira. E se chegam sempre os momentos de questionamento, de avaliação, de destrinça entre o que é fundamental e o que é secundário, tal acontece num outro plano e de forma posterior à ritualização, cuja função é conservar e guardar, sem fazer juízos sobre o valor das coisas, porque tudo pode fazer falta, e o que hoje parece insignificante poderá revelar-se, noutro lugar ou noutro momento, importante.
Uma comentadora, de nome Maria, deixou, há uns posts atrás, uma história extremamente curiosa sobre a “religião do gato”. Ela mostra o absurdo a que pode conduzir a ritualização e a forma como se pode afastar do sentido do facto que lhe deu origem. Mas essa é só metade da história. Porque só a ritualização permite conservar memória viva de algo que aconteceu num passado longínquo, não deixando que seja tragado pelo esquecimento. Ao longo dos séculos, houve milhões de gatos, a mostrarem-se importunos biliões de vezes; mas um há (na tal historinha), cuja existência e acções se mantêm vivas, graças à ritualidade.
Também tu, Confessionário, se recuares na história do “andor a passar o muro”, talvez consigas descobrir o facto que lhe deu origem. Algo que já acontecia antes de haver telheiro, e que, se calhar, ate foi discutido na hora de construir o telheiro. E que talvez nada tenha de especial, mas que ficou fixado através de uma ritualidade de que o tal senhor do “Sempre foi assim toda a vida” se sente guardião. Ele sente que a sua função é preservar a tradição, e é o que ele faz; outras funções não lhe dizem respeito. Será uma estupidez?...

Confessionário disse...

Ó JS, entendo o teu raciocínio e até certo ponto ajudaste-me um pouco.

Mas se calhar a minha resposta à pergunta que colocas, acaba por ser um "Sim", na medida em que à custa desse gesto, sem me questionar ou deixar que seja questionado, eu me imponho aos outros. O problema, a meu ver, não reside apenas na tradição que se quer guardar, mas na forma como isso se impõe aos outros, sem argumentos, sem questionamentos, sem fé muitas vezes, só porque "Sempre foi assim".

Já agora deixa-me dizer que tb se pode pensar o mesmo daqueles sacerdotes que impõem coisas sem as explicar, porque sempre assim foi. Acredito que nem sempre seja fácil explicar as coisas (a mim tb me custa) e que algumas sejam quase inexplicáveis, porque passam o foro da razão para um foro da fé. Mas se for apresentado com o argumento do "Sempre foi assim" tb me custa aceitar. Peço desculpa se esta minha opinião incomoda ou magoa alguém, mas é o que penso!

maria disse...

JS,

este problema não é novidade nenhuma. "Não foi o homem feito para o sábado, mas o sábado para o homem". O rito é um meio. Não pode ser um fim.
Porque não se trata apenas do que aconteceu num passado longínquo, mas o que está a acontecer hoje. E, para nós, é no hoje que acontece a Revelação.

maria disse...

JS,

este problema não é novidade nenhuma. "Não foi o homem feito para o sábado, mas o sábado para o homem". O rito é um meio. Não pode ser um fim.
Porque não se trata apenas do que aconteceu num passado longínquo, mas o que está a acontecer hoje. E, para nós, é no hoje que acontece a Revelação.

Anónimo disse...

A história era muito bonita, que pena ter borrado a pintura mesmo ao fim.

Anónimo disse...

o normal em alguns lugares