quarta-feira, abril 10, 2019

A Rosário, apertada pela vida

Só se lhe adivinhavam os olhos, porque brilhavam. De resto, estava tão agasalhada, tão coberta, que nada mais se via. Reparei que trazia um cachecol, um xaile, uma echarpe, umas coisas por cima das outras, a apertar, que o frio aperta. Vinha confessar-se, que o medo também aperta. Senhor prior, queria confessar-me. Não quero morrer em pecado. Quase todas as semanas, ou semana sim semana não, tenho de confessar a Rosário que tem medo de morrer em pecado. Desta vez, e antes de aceder ao seu pedido, quis saber porque fazia aquilo daquela maneira, aflita, apertada pelos andrajos e pela vida. Respondeu de chofre que tinha medo do castigo de Deus. A Rosário deve ser daquelas pessoas que passa o tempo da homilia a rezar e não ouve as minhas pregações que falam do Amor de Deus que não castiga. Ou então é daquelas que o tempo marcou por uma enformação exagerada do pecado, e por mais que ouça falar do Amor de Deus, apenas o sente quando se confessa e se livra de castigos. 
E mesmo antes de o fazer já estava a dizer. Não quero morrer em pecado, senhor prior. E era assim que vinha confessar-se porque a saúde já não é a mesma. Porque não sabe o dia e a hora e tem de estar confessada. Mesmo que o pecado sejam apenas umas pequenas falhas de atenção ou lucidez. A Rosário tem sempre de se confessar. Vive apertada pelos andrajos e pela vida. Vive apertada pelo medo de que Deus não se lembre dela quando, afinal, Deus tem o amor todo para dar a cada um de nós, como se nós fossemos tudo para ele.

3 comentários:

Anónimo disse...

Tão saboroso este momento.
Hoje passei aqui só para deixar um beijinho.
Beijinhos e Boa Páscoa.

Anónimo disse...

Adorei.
Gostava tanto de assistir às suas homilias, acredito que seria fantástico!
Continue!

Ailime disse...

Boa tarde Sr. Padre,
Acredito que essa senhora não ouça as suas pregações que falam do amor misericordioso de Deus.
Ficou agarrada ao passado em que nos era ensinado, falo por mim (anos sessenta) que Deus castigava e continua a ter medo, não sabendo ou não querendo ouvir a Boa Nova com a sua verdadeira essência.
Talvez a idade avançada já não ajude...
Santa Páscoa.
Ailime