sábado, julho 22, 2017

Um senhor Joaquim

O senhor Joaquim, de idade acima da média, veio à sacristia falar-me da pessoa que íamos sepultar. Dizia que era um “pobre diabo”. Que se metia nos copos. Que na sua casa as condições estavam muito abaixo das normais. Por isso a Câmara se dera ao esforço de compor a casa. E a sua dignidade. Depois levantava ou encolhia os ombros e repetia Enfim. No fundo o que ele queria dizer era que apesar de tudo, era um homem bom. Como sempre quando se morre, acrescentei em pensamentos. Somos sempre bons quando morremos. E continuou. Agora imagine a família. Tem vários irmãos, por sinal. Nunca se incomodaram com ele e com a vida que levava. Mas agora já estão a falar em ficar com a casa que a Câmara lhe arranjara. Nunca trataram dele e agora querem tratar do que era dele. Olhe, senhor padre, faça-me um favor. Fale destas coisas na homilia. E insistiu. Que eu falasse, como se as palavras fossem iguais aos gostos. Senhor padre, fale disto ou daquilo porque é o que eu quero ouvir. Como se a homilia não tivesse de ser Deus a falar na Palavra. E como se os gestos não falassem muito mais que as palavras. E como se dizer o que está mal fosse igual a fazer algo para tentar modificar o que está mal. Percebem a que me refiro, de certeza. As palavras costumam ficar a alguns metros dos gestos. É que o senhor Joaquim, pelos vistos, tampouco tinha feito muito pelo senhor que levávamos a sepultar! Ou se calhar até tinha. Mas do modo como falava, dava a sensação de que não tinha.

2 comentários:

Anónimo disse...

Este senhor, sabe bem a força que as palavras tem. E seus valores, por isso o pedido dele ao padre. Ainda há tempo para certas mudanças são drásticas atitudes do ser humano. Todo dia deparamos com essas e outras. Na bíblia em salmos diz (71/73)

13 E dizem então?: Porventura Deus o sabe? Tem o altíssimo conhecimento disso? Assim são os pecadores que aumentam suas riquezas. Então foi em vão que conservei um coração puro e na inocência lavei minhas mãos?
Pensando bem, tem todo assuntos que ocorrem nestas ocasiões.
Vidalinda

gui disse...

Quantos "pobres coitados" são abandonados à sua sorte. Às vezes, tem de aparecer alguém que seja a sua voz e chame às consciências a realidade. Poderá até ter de ser o padre.
Assusta-me o alheamento da sociedade ao sofrimento dos outros. Por estes dias, foi necessário arregaçar as mangas e trabalhar para quem tinha perdido mais ainda ou que não tinham as forças para se levantarem. Eram necessários muitos braços para trabalhar e mais alguns para dar abraços. Alguém que tinha perdido quase tudo menos a esperança de que podia fazer a diferença, pediu ajuda para ajudar e teve respostas desde o não estou para isso ou tenho de ir limpar a minha casa. Tevve ajudas, muitas delas inesperadas e vi corações de ouro a brilhar mas também eu, se naquele momento pudesse teria pedido que na homilia falasse. Aquela miúda não merecia aquelas respostas a um apelo que não era para ela.
Não pedi, mas ouve homilias em que de uma forma ou de outra falou mas como se disse no evangelho "quem tiver ouvidos que oiça" e hà quem não tenha ouvidos disponíveis a ouvir .