sexta-feira, abril 30, 2010

o chocolate

Depois de desfiar um sem número de conflitos interiores, de infelicidades, de situações e problemas, acabou por dizer que a sua vida não tinha sentido algum. Que era completamente infeliz. Já não acreditava nas minhas palavras da homilia do outro dia, quando eu afirmei que Deus nos queria felizes e que a salvação prometida não era outra coisa senão a felicidade. Então porque Deus não interfere nas nossas vidas a fim de nos fazer felizes, padre? Se Ele nos quer felizes, porque permite que não o sejamos? Enquanto falava, remexia os dedos uns nos outros, revirava os olhos para a porta, como se tivesse medo desta se abrir e trazer mais um problema. Apesar de zangada com deus, como ela afirmava, no fundo, esperava Dele, através de mim, uma resposta, um sinal, uma forma de descobrir o que é isso da felicidade.
Expliquei que devemos viver felizes com o que temos e não com o que não temos. Mas isso não chegou. Ela era demasiado jovem para aceitar aquilo que tem, quando ainda deseja tanto da vida. Por isso acrescentei. Não há gente feliz e gente infeliz. Não há felizes e infelizes. Há é quem consiga olhar as coisas, mesmo as adversas, com olhos de quem quer encontrar a felicidade. E há quem só veja infelicidade nas coisas. Há quem fique preso nas adversidades que acontecem, impedindo que o seu coração perceba a quantidade e a qualidade das coisas belas que acontecem nesse mesmo tempo. Assim nunca há espaço para ser feliz. Olha a vida como quem quer ser feliz e não como quem quer a felicidade dada. A felicidade existe em si, mas tem de procurar-se.
Tudo depende da forma como olhamos as coisas. Nunca ouviste dizer que o sabor do chocolate depende da pessoa que o saboreia? O chocolate só é chocolate porque alguém o saboreia. E pode haver mesmo quem não goste de chocolate. Ou pelo menos deste chocolate. Ou daquele. Ao que ela, trocista, como que delambendo os lábios, disse. Nunca tinha pensado nisso, padre. Tem por ai um chocolate para mim?
Meti as mãos ao bolso. Fiz o gesto de retirar algo. Levantei o braço com a mão fechada. Aproximei a mão dos olhos dela. Abri. O sorriso trocista passou a sorriso de expectativa. E o meu, de expectativa, passou a malandrice. A mão não trazia nada. Estava vazia. Olhou para mim e eu disse Consegues olhar para este chocolate e saber-lhe o sabor?

8 comentários:

D. R. disse...

:)

Que bonito... :)

Por acaso, também penso sempre que tudo tem um lado positivo...

Mas confesso nem sempre ser fácil. :(

Beijinho.

D. R. disse...

Ouvi dizer que lhe foi atribuído um prémio, no meu blogue. :) É melhor arranjar um tempinho para ir lá ver isso. :)

Beijinho e desejos de um bom fim-de-semana.

Canela disse...

Tem o sabor da "esperança"!

A Paz de Cristo

Briseis disse...

Tão simples e tão acertado...
Um chocolate!!!

Teodora disse...

E quando o que temos é cada vez menos? E há muito caco para apanhar e colar? E faltam cacos? E a cola não adere ao material? E já se experimentou todas as marcas de cola existentes no mercado? E por vezes tiram-nos os cacos da mão?

E quando o que nos une são mais os infortúnios da vida e não a alegria? E quando a vida é repleta de conversas de surdos? Em que, embora unidos fortemente, há sempre uma sensibilidade distinta e quase oposta. Leituras diferentes. Nas questões essenciais impera o silêncio. Eu gosto do silêncio. É no silêncio que se encontram respostas... ainda que não sejam as desejadas que sejam as verdadeiras. Contudo, momentos há em que se torna num ruído enorme. Fere. Arranha a alma. E é nas conversas puras e duras, nos momentos duros da vida que as partes partilham percepções iguais (há sempre algo que não se pode dizer - talvez não aguentem a verdade - ela doi! é preciso estarmos preparados para "crescermos". cada um tem o seu tempo, a sua sina. há que vivê-la. resta-nos esperear que isso aconteça), sofrem ambas, no entanto, têm uma capacidade regenerativa igualmente distinta e oposta. Pelo menos aparentemente. Desresponsabilizam-se nos processos, parece não haver vínculos. Têm um sentido muito prático da vida. Ou fingem ter para tentarem viver.
Claro... resta-nos procurar coisas bonitas! Ainda que o nosso jardim pareça mais um pântano.
Ora, e por falar coisas bonitas: o Sr. padre já dançou ao ritmo de Us and Them dos Pink Floyd? Vê padre, certamente algo muito bonito! Eu gosto tanto dos "velhinhos".

Anónimo disse...

Lindo...
Bateu bem fundo no meu coração, que se encontra também assim...
Esta do chocolate veio adoçar um pouco...
Mas a vida é tão dificil.
beijinhos

Anónimo disse...

Olá!

É preciso encontrar esperança, tentar procurar qualquer coisita de positivo em tudo que nos corre mal.
Nem sempre é facil.
Muitas vezes é o desanimo das outras pessoas que nos faz ser mais fortes.
Escutamos " ela anda em baixo, acho que tem uma depressão, não encontra soluções para a vida".
Eu costumo dizer que não tenho vagar para pensar em depressões, nem sequer tenho tempo para chorar.
Na semana passada, depois de um dia complicado de trabalho, quase sem forças para levantar a cabeça, antes de entrar em casa foi Visita-lo. Sentei-me no tapete em frente ao Sacrario. Precisei tanto, tanto do Seu Silencio, de estar ali apenas eu e Ele. Nesse dia esse foi o meu remedio, pois claro que os problemas não desapareceram, mas enfrentei-os um pouquinho mais calma, com outra sabedoria.
Tambem não dispenso o chocolate, ai está outro remedio. Branco, preto, com passas, pinhões,com recheio , sem recheio,com licor, sem licor, feito na china ou na Suiça, para mim um pedacinho de chocolate, é algo que aquece o coração.Só de pensar nele já estou a saboria-lo.

Um abraçito!

Alexandra

Teodora disse...

mas o chocolate faz mal ao colesterol! potencia-o! e o zorcor não é barato! e o meu gastro não me deixa usar genérico!