quinta-feira, abril 17, 2008

Nem Pai-Nosso nem Ave-maria

Lembro como os meus pais rezavam comigo quando ainda gostava mais da bola que de outra coisa. Lembro como a minha mãe me aconchegava os cobertores e me ajudava a dizer a Jesus que gostava muito Dele. Lembro que ia à missa com ela e, embora não percebesse bem o que por lá se passava, desejava ardentemente que chegasse o Domingo para irmos todos lá de casa à missa. Era uma festa. Lembro que o primeiro dia de catequese foi um grande feito. Já estava na catequese! Lembro que rezávamos o terço em família e até me gabava de o rezar ou de joelhos ou de braços em cruz. Apesar de poder parecer um excesso, eu sentia na altura que era um grande amigo de Jesus porque era capaz de me sacrificar com Ele na oração. Outros tempos. Outra forma de ser família. Outra forma de estar no berço da sociedade e da Igreja que é a família.
A João é catequista do primeiro ano. Tem dez miúdos na catequese. São muito queridos, dizia. Mas, senhor padre, não sabem nem uma oração. Nem Pai-nosso nem Ave-maria nem nada. Fico triste. Tenho passado muito tempo a ensinar-lhes a Ave-maria. Não aprendem. Insisti para pedirem aos pais que rezem com eles. Um miúdo respondeu-me que o pai não tinha tempo. Que quando ia para a cama, estava muito cansado e tinha que levantar-se cedo. Na missa procuro-os e não os encontro. Que hei-de fazer, senhor padre?
Não soube responder. Competia aos pais responderem. Encolhi os ombros. Consegui apenas dizer que não desistisse e que mostrasse como Jesus gostava deles e gostaria que eles conversassem ou brincassem com Ele como falam ou brincam com os amigos.

37 comentários:

Anónimo disse...

À João:
Não é linear o percurso dos profetas. É duro e muitas vezes cheios de desilusão.Também sou catequista e o ano passado tive um grupo de 9 crianças fantásticas. Apreendiam tudo, mesmo tudo!Este ano, também 9, o ritmo é bem diferente,e por vezes pergunto-me para quem falo. Mas falo...Sei que os frutos, tanto dos do ano passado como dos deste ano, não sou eu que os vou colher. Importa lançar a semente e sabe, de-lhes também um pouco dessa semente para eles lançarem no terreno dos pais.É difícil, eu sei, mas funciona!Faça deles os educadores, procure inverter os papéis!
Muita força e coragem, que estou certa não lhe faltarão!

Beijinho sereno :)

Unknown disse...

Esse é um problema generalizado..aqui na paroquia e igual. Poucas sao as crianças que tem ambiente em casa para falar de Jesus e aprender oraçoes....chegam à catequese vazias..muitas nem sabem o que vem fazer nem nada..... Ir a missa???? Algumas ainda....poderia ser pior, mas as mais pequenas ou vem com os pais ou com os catequistas, quando a catequese é ao domingo. Eu tenho 8 alunos no 7º, é raro estarem todos na catequese, ir à missa às vezes tento prometer-lhes coisas -sei que não e certo, mas e um desespero.....

Fá menor disse...

Sou catequista e mãe. Estou nos dois lados e penso que sei como são as crianças de hoje e os pais de hoje. Mas já não sou mãe de criancinhas nem catequista de criancinhas. E posso assegurar que é muito mais difícil. Com as criancinhas é mais fácil lidar, tanto no papel de mãe como no de catequista, pois é uma idade em que se podem ainda moldar. E o ensino maior deve começar em casa, precisamente nessa altura. Tenho saudades de quando rezávamos o terço em família cabendo um mistério a cada um de nós - pai, mãe e os três meninos...
Pena que, como com o passar do tempo tudo se modifica!

Anónimo disse...

O que se passa com o grupo do João,acontece em muitos lados, na minha paróquia é igual desde o 1ano ao 10ano...não sabemos o que fazer, não temos uma solução que possa ser utilizada em todos grupos...
Tentamos fazer o melhor com a ajuda de Deus.
O importante é não desanimar.

um abraço amigo
Cristina

Anónimo disse...

A todos os catequistas;

Lembro o meu percursso na catequese....

Em casa, ensinaram-me o Pai Nosso e a Avé-Maria, e, a benzer... a rezar... nem por isso!

Levavam-me á missa, e, com alegria assistiam ás celebrações dos Sacramentos que eu ia recebendo... não me recordo de uma Avé-Maria rezada em familia...

Recordo o 1º terço que me ofereceram... que alegria...mas... como se rezava? - (perguntava-me eu).

Muito sucintamente... alguém satisfez a minha questão: "olha; aqui é as Avé-Marias e nestas é o Pai-Nosso."

(Não me falaram nos mistérios; não me falaram no Glória; nas jaculatórias ou na Salvé Rainha).

Fui rezando... como sabia... como podia...

Na idade adulta, um dia deixei de rezar... depois de ir á missa... andei longe por vários anos!

Quando voltei (já assim no colo do Senhor - Pegadas na areia);

1º Senti falta da comunhão!
2º Senti necessidade do Perdão!

Quando me confessei; senti-me tal e qual "o Filho Pródigo", e, que o Bom Samaritano me havia acolhido e começara a tratar as minhas feridas....

Sabem porque me lembrei dessas passagens todas?

PORQUE OS CATEQUISTAS MO HAVIAM TRANSMITIDO!

Não desanimem, não cruzem os braços... O VOSSO TRABALHO, QUANDO FEITO COM E POR AMOR A DEUS, É PODEROSO!

O importante é preparar a terra, lançar a semente... depois alguém cuidará do resto...

Nem sempre quando os pais rezam com os filhas, eles serão pessoas de maior FÉ!

Quantos casais, investiram na formação católica dos seus filhos, e, estes voltaram as costas a "tudo"?

Quantos filhos de pais "pouco" praticantes, vieram a escolher a vida religiosa?

O Senhor não escolhe os capacitados, capacita os escolhidos!

Um abraço em Cristo;

Kalos

noctivaga disse...

Também eu sou Catequista e, nalguns momentos, também penso que estou a falar em vão mas, não é verdade. Os miudos têm muita capacidade de interiorizar aquilo que ouvem.
Criei regras e matadologias que têm sortido efeito. Decidi que os primeiros dez minutos serão para falar, brincar e se houver vontade pular. Depois é o momento de conversár-mos sobre aquilo que nos leva áquela casa todos os Sábados: A mensagem de Deus. Concluimos a nossa Catequese sempre com um cartaz alusivo ao "tema" onde todos participamos ( o que faz com que exista uma enorme motivação)e que é afixado na parede da sala ( o que acaba por ter uma dupla função: Sempre que necessitam de recordar um determinado assunto basta reverem o cartaz e tem também a função de dar vida ( ou beleza) ás paredes brancas e nuas da sala.Por fim terminamos sempre o Sábado de Catequese com uma oração conjunta.
Tem resultado muito bem mesmo.
De referir que dou Catequese com uma senhora, uma grande amiga, que já conta com 22 como Catequista. Geralmente os mais experientes são um pouco avessos á mudança de metodologia mas, felizmente( para todo o grupo) não foi o caso.
Na Catequese não são as crianças que se têm de moldar a nós, somos nós que nos temos de moldar a eles. O importante mesmo é que a mensagem chegue até eles.
Paz e Bem para todos vós.

Anónimo disse...

Lembro-me como foi conhecer Jesus na minha infância...em casa, rezando toda a noite com minha mãe, indo às missas aos domingos com meus pais.
A lembrança que ficou marcada foi aos 6 anos de idade quando eu rezava todas as noites com minha mãe pedindo um irmãozinho, ela me dizia que bastava pedir para Papai do Céu que ele enviaria meu irmão tão esperado.
De fato ganhei uma irmã e um irmão.

O que me entristece é que hoje, depois de adulta, eu vou às missas sozinha, estou fazendo a Crisma (sacramento que ainda não recebi) por livre e espontânea vontade e não porque meus pais me ensinaram que assim deveria fazer.

Engraçado como conheci Jesus através dos meus pais e hoje não consigo nem mesmo levá-los à Igreja aos domingos...
Espero não ser assim com meus filhos.
Grande abraço,
Mariana

Anónimo disse...

Sua bênção, Padre!

Foi-me muito útil este texto, porque daqui há dois meses estarei com meu bebê nos braços e me preocupo com o que lhe ensinarei, como rezaremos juntos...

Obrigada por este texto.

Paulo disse...

Realmente nos dias que correm, não são muitos os familiares que rezam com as crianças em casa, que ensinam a rezar o terço e, os que ainda restam (graças a Deus) por vezes são conotados com algumas seitas que, rezam em casa, como era suposto nós Cristãos rezarmos.
Mas não desanime porque o que seria o oceano se não fosse uma soma de varias gotas de água?

Alma peregrina disse...

Esses pais estão dando um grande tiro no pé e nem se apercebem...

O que é o Pai Nosso? O que é a Avé Maria?

São orações de gratidão, de obediência e de amor ao Abba (Pai) e à Suprema Mãe.

Esses pais não têm tempo de ensinar os seus filhos essas orações? Então, estão a perder uma oportunidade única de cultivar um ambiente familiar estável e afectuoso.

Se essas crianças começarem a achar que dizer "Amo-te Papá!" ao nosso Pai do Céu é desnecessário... como vão elas recuperar esse sentimento em relação ao seu pai terrestre?

Se essas crianças forem ensinadas pelos pais que rezar e ir à Missa são apenas regras e convenções que podem ser livremente quebradas... como vão elas, posteriormente, encarar as regras dos seus pais, como não chegar tarde da discoteca?

Se essas crianças são ensinadas que todos estes valores e virtudes cristãos são antiquados... como vão elas reagir nas suas adolescências, quando imergirem num ambiente profundamente anticristão e idolatra de tudo o que é errado?

O Pai do Céu morreu por eles. A Mãe do Céu todos os dias roga por eles. Se as crianças acharem que esses sacrifícios não são dignos do mínimo de gratidão e oração... como irão elas respeitar os sacrifícios que seus pais fizeram por elas?

A Família está definhando progressivamente. Com ela, a sociedade ocidental, o bastião da Liberdade, da Tolerância e da Democracia. Isto porque renegamos as nossas raízes, o que nos desautoriza a ser as "raízes" das nossas gerações futuras. No nosso nihilismo, transmitimos aos vindouros a noção de que as nossas conquistas actuais são apenas temporárias e, logo, condenadas ao esquecimento histórico.

E tudo isto em nome de carreiras e hedonismos efémeros. Deveríamos ter tempo de ensinar as crianças a rezar. Deveríamos ter tempo de as ensinar o valor da Família. Muitos pais não têm culpa, mas a verdade é que atingimos um ponto insustentável. Prova disso é o estado da nossa Educação.

E, como o Kalos refere, ensinar as crianças a rezar, não é somente ensinar-lhes as fórmulas... é, sobretudo, ensiná-las a ter aquela atitude de gratião, obediência e amor para com o Pai do Céu. E, através dessa atitude, transmitir a bondade a todos os homens, que são imagem e semelhança de Deus.

Abraços.

erute disse...

Kalos obrigada pela tua partilha...
Também eu sou catequista e tenho meninos dos 6 anos aos 12 anos e sei as dificuldades que é fazê-los compreender o verdadeiro sentido de sermos amigos de Jesus, mas a minha grande preocupação é marcá-los para que no futuro (e já com consciência e vontade própria) possam caminhar para o Pai.

João, na catequese tal como na escola, os meninos são lá descarregados e quem tem obrigação da educação são os pais e os catequistas. Que me desculpem, mas a grande realidade é que os pais acham que já fazem demais irem levá-los e buscá-los e comprarem o necessário. O resto diz respeito aos professores e aos catequistas...

E fazerem-se catequeses para os pais, na sala ao lado da dos filhos?? Tal assim, os pais compreendessem... mas também está a dificuldade no número de catequistas.

Vou rezando, para que o coração das pessoas vá sendo tocado pelo Amor do Pai.

Maria João disse...

POis... Estou a preparar a 1ª Comunhão dos meus meninos e é muito triste ver que a maioria dos pais não se preocupa. Não acompanham os filhos, acham tudo uma chatice e muito trabalho...

Como se Jesus fosse cansativo...

Os pais também precisavam de catequese...


beijos em Cristo e Maria

Possato Jr. disse...

Pois é, seu padre...

Estamos nos perguntando, hoje, por que essas crianças não rezam!

Mas o exemplo citado do pai que prefere descansar mostra que o problema não vem de hoje!

Falta sentido na oração? Palavras mais sinceras e autênticas e menos decoradas, talvez?

Já que não querem aprender orações-prontas, por que não desafiá-los a escrever suas próprias orações?

Creio que nosso mal, como catequistas, é querer empurrar doutrinas!

Será que ouvimos os pequeninos? Será que a teimosia na catequese não é reflexo de algum problema em casa? Conhecemos, de fato, esses miúdos com quem trabalhamos?

E amor não é comprometer-se? E comprometer-se não é conhecer? E conhecer não é escutar?

Sei não... Continuo insistindo que o problema talvez esteja em nós e, não, nos "tempos novos"!

Desculpa voltar assim, tão crítico! Eu queria só dizer simplesmente que voltei a visitar os amigos! Mas catequese é um assunto que mexe comigo!

Paz & Bem!!!

Zé Luiz.

Lisa's mau feitio disse...

Padre tão querido do meu fraco coração,

este post recordou-me os meus alunos... Fizeram a 1ª Comunhão há um ano. Estudam num colégio católico. Se eu lhe disser que apenas 3 levantam o dedinho qdo pergunto se foram à missa no domingo, não caia para o lado, por favor.

Que pais que nada. Não querem saber... A 1ª comunhão foi dia de festa no restaurante chique da zona. Mais nada.

Qto aos meninos aprenderem essas orações capitais, digamos assim, no 1º ano é ainda difícil... Mas eles lá irão. O meu filho com 5 anos já sabe a Avé-Maria todinha. Mas não sabe nem numa linha o que aquelas palavras querem dizer... Mas é pequenino!:)

Há uns cartazes que se compram nas gráficas religiosas que explicam com imagens desenhadas os diferentes momentos da Avé- Maria e do Pai Nosso. Penso que isso poderá ajudar esta catequista de que fala, Padre. Eu tenho esses cartazes e disponibilizo-me para enviar cópias de tamanho real, se o Padre der o meu mail a essa catequista. envio com todo o gosto. Penso q tb poderei arranjar mais algumas coisas que facilitam a compreensão e a memorização dessas orações tão cheias de mensagem. Padre, se for preciso, disponha, por favor.

Deixo-o com a oração preferida do meu menino, que reza comigo todas as noites desde os 3 aninhos:

"Menino Jesus, dá-me a tua mão. Eu sou pequenino e posso cair ao chão!"

Também rezamos o clássico "Anjinho da Guarda"!

Aos bocadinhos, eles lá vão, cara catequista. Não desanime.
Qto aos pais, perdoem-me aqui a frieza... Mas... Esqueçam.

Mil beijinhos, Padre... Ando apagadita... Coisas!

Beijinhos especiais!

Lisa

Anónimo disse...

Nós estamos como apostolos de Jesus, e se for percorrer os caminhos que eles andavam, também não eram faceis. A nossa missão é lançar a semente á Terra, se alguma germina e dá fruto, não nos compete a nós saber, também alguma fica por germinar e morre.A Fé é um caminho que se vai contruindo não impondo, e a melhor maneira e sermos testemunhos, e deixar sair de nós o Amor Apaixonado por Jesus, o resto vem por acrescimo.Também a Catequese Domestica está um pouco adormecida, e neste momento precisam mais de catequese os Pais que o pobres filhos, porque a vontade dos meninos é estar em tudo, mas os pais têm outros programas para os fins de semana e os filhos têm que obedecer."Deus não é preciso na sociedade de hoje, porque está em moda o Ter e não o Ser", e se seguimos Deus, existem regras e ás vezes para se avançar na vida isso não interessa.Não desanimamos, porque cada vez existem mais Almas apaixonadas por Deus, e com Fé bem agarrada, por isso o Pastor nunca abandona as suas ovelhas, "NÂO TENHAIS MEDO", ide em frente e sempre com o Lema da Esperança.
Jesus a abençoe.Amen

Anónimo disse...

A todos, em especial aos catequistas;

É com grande alegria que "vejo" toda esta preocupação!

1º Só decorei o Pai Nosso e Avé-Maria!

Durante algum tempo; senti grande tristeza... sentia-me abaixo de...

Um dia escutei um Pe. dizer; "Que alegria quando me dizem... - mas Pe. eu não sei rezar..."

Jamais esquecerei esse momento. Eu não estava abaixo, nem acima fosse do que fosse...

A forma como rezo, é dando liberdade ao meu coração: Trato o PAI, por meu querido PAIZINHO e trato a MÃE por minha querida MÃENZINHA... e "falo" com ELES, agradeço, louvo e peço .... é maravilhoso!!!!!!!

É bom dizer ás crianças, que JESUS é nosso amigo. Está em todo lado, não para vêr só o que é mal feito (como um carrasco), mas... icentivá-los a "falar" com ELE. Que ELE todos os dias espera que lhe digamos: "Bom dia JESUS!" - Acho que em casos extremos de dificuldade, pode começar-se por aí!

É necessário cultivar a "intimidade".

Não sou catequista, mas há algum tempo uma criança questionou-me:

" Se JESUS é só um, como é que ele pode estar em todo o lado ao mesmo tempo?"

As crianças têm este poder... sacodem-nos!

"Tu respiras não é verdade? E respiras o ar. Consegues vê-lo? Sabes... enquanto tu respiras desse ar, eu e todas as pessoas do mundo respiramos do mesmo ar. Com JESUS, é a mesma coisa. Não o vimos... mas ELE está em todo o lado..."

A criança olhou-me e nada mais disse... reparei que ficou pensativa.......

Talvez assim... não sei... uma pequena partilha!


É importante criar laços e pontes... a familia um dia poderá sentir-se interpelada...


Kalos

O Império disse...

Bom dia.

Sou ateu. E li o que esccreveu. E sou franco: não fico triste com o que descreveu.

Eu acho que não se deve ensinar às crianças de tenra idade os dogmas da igreja e da religião.

Elas devem ser livres de escolherem racionalmente se seguem a religão católica, outra religião cristã, o islamismo ou (o que eu considero ser a melhor opção) não terem religião nenhuma.

Não interprete mal estas palavras, não se trata de desrepeito pela religião. Apenas tenho o mesmo respeito com a religião do que tenho pelas posições politicas ou outras posições.

E, com o respeito que referi, acho errado encaminharem as crianças para a catequese onde lhes ensinam histórias biblicas (especialmente as do antigo testamento) completamente fora de sintonia com a nossa moral, que todos temos, mesmo os ateus.

Os meus filhos terão a liberdade de escolherem se querem ter qualquer religião, ou serem ateus. Terão a liberdade de questionarem o que lhes dizem e não aceitar a resposta tipica: "Foi deus."

Um bom dia

Anónimo disse...

Olá!
Eu posso me dar ao luxo de dizer que o meu pequenito que vai fazer a primeira conhunhão sabe o pai-nosso e a avé-maria muito bem. sabe um punhado de orações, e de vez enquando já vai pesquisar na biblia(das crianças) algumas partes do envangelho.
Mas o meu problema é mesmo ser o pequenito, e não os pequenitos. Na minha paroquia passa-se do 2 ano para o 6 ano e depois para o pòs crisma. Não há aqueles anos internmédios, não há pequenitos...
E a isso nada posso fazer...

Um abraço!
Alexandra

Anónimo disse...

Boa tarde.
Também sou catequista e gostei muito de estar aqui no seu blog, partilhando experiências e me sentindo normal no meio de pessoas que passam pelas mesmas coisas que eu passo e sentem a mesma necessidade de levar a Palavra de Deus ao mundo.
Voltarei mais vezes.
Tenho um blog de Mensagens (http://mensagensdiarias.blogspot.com) e um de Catequese (http://boanova.myblog.com.br)
Obs: o Senhor é padre mesmo?
Um abraço e fique com Deus.

Confessionário disse...

Sheila, sou padre mesmo. Mas quem me visita, pode dizer-te se pensa que sou padre ou não!!!

E porque não havia de ser?!

Alma peregrina disse...

Caro O Império:

Se me permite gostaria de me dirigir a si a propósito daquilo que escreveu. Peço que também não me leve a mal, afinal estamos num fórum de discussão e podemos debater assuntos, desde que se mantenha o respeito mútuo.

Pois bem, o seu erro é estar a ver as coisas pela perspectiva ateia.

Por essa perspectiva, todas as religiões são iguais e assumir uma religião é o mesmo que assumir uma qualquer outra posição. Está muito bem... do seu ponto de vista.

Mas, do ponto de vista de um religioso, a sua religião é verdadeira. As outras religiões não. O ateísmo também não.

Como tal, para um religioso é errado dizer à criança: "olha, isto é a verdade, mas tu podes escolher livremente entre seguir a verdade ou uma mentira qualquer, que eu não interfiro!" Ora, isto não é uma atitude de um educador.

Pelo que eu percebi, o(a) senhor(a) tem filhos. E referiu um "sentido de moral". Com certeza sabe que "a moral é relativa". Como é que você vai dizer aos seus filhos que é errado matar, roubar, ser corrupto, prejudicar os outros?

Você não dirá: "Olha filho, eu acho que é errado matar, mas se tu quiseres, é a tua escolha!" Porque isso é uma demissão do seu papel de educador.

Essas noções morais variam com as culturas e podem ser facilmente manipuladas de acordo com interesses de ideologias/religiões fanáticas que, através da sua demagogia e atractividade revolucionária, podem seduzir muitos jovens. Veja-se o caso dos movimentos de extrema-direita e como moveram massas na Europa do séc. XX, mesmo antes de alcançarem o poder. Paradoxalmente, a sua atitude pode deixar os seus filhos mais vulneráveis a esses grupos, não lhes fornecendo as ferramentas intelectuais suficientes para resistirem de uma forma racional. Ao deixar as suas crianças "escolherem o seu caminho" de uma forma perfeitamente neutra, estará a deixá-las desestruturadas ante um mundo que constantemente assimila pessoas nos seus movimentos, muitos dos quais são pouco recomendáveis.

Deste modo, a forma de combater essas ideologias de extrema-direita (que eu referi a título de exemplo) é ensinar o "absoluto" dos Direitos Humanos e estruturar os seus filhos a raciocinarem e a escolherem sempre com base nesse pressuposto "absoluto". Esse é o papel do educador.

Ora, você é livre de educar os seus filhos como quiser, mas eu também. Pretendo educá-los de uma forma católica e com uma sólida moral católica. Porque esse é o meu papel como educador.

Segundo aspecto: as "histórias bíblicas de moral duvidosa" NÃO existem. O que existe são histórias bíblicas com um conteúdo moral muito rico que, se retiradas do seu contexto, podem parecer conflituantes com a moral vigente (que, por acaso, tem um forte componente judaico-cristão). É por isso que não basta ler a Bíblia... é preciso alguém que a ensine a ler (que é o papel da catequese).

E isso traz-me ao terceiro ponto da análise ao seu comment. A religião não é um acto simplista que responde a todas as questões com ("foi Deus"). Prova disso são os grandes e complexos tratados teológicos que foram sendo redigidos ao longo dos séculos sobre a matéria. A religião é, isso sim, um acto intelectual que coloca "Deus" como uma variável da equação (a qual os ateus rejeitam).

Essa atitude simplista face à religião reflecte-se na sua noção das "histórias bíblicas fora de sintonia com a moral". Você está vendo as coisas de fora, na sua perspectiva, ignorando totalmente o contexto em que elas foram colocadas e estudadas (nomeadamente, está fora da Igreja, que é o contexto da religião cristã).

Você é livre de ter essa atitude, mas gostaria de ver mais respeito por parte dos ateus no que se refere à minha integridade intelectual quando eu refiro que sou um religioso praticante e ortodoxo. Eu não fujo às questões. Simplesmente encontrei uma resposta diversa da sua.

Espero que não leve a mal a minha intervenção, pois penso que clarificar as nossas posições auxilia na construção de um clima de maior tolerância, que em nada conflitua com a ortodoxia religiosa.

Cumprimentos

O Império disse...

Caro Kephas:
Agradeço-lhe o tempo que despendeu para responder ao meu comentário. E concordo consigo quando diz que estamos num fórum de discussão e podemos debater assuntos, desde que se mantenha o respeito mútuo. Por isso, do mesmo modo, não me leve a mal.

Quando escreve que gostaria de ver mais respeito por parte dos ateus no que se refere à sua integridade intelectual, eu interpreto como sendo o mesmo tipo de respeito que se deve ter pela posição politica, pela posição desportiva, etc. Não acho que a religião deva merecer um respeito superior a qualquer outro aspecto da nossa humanidade. E, nesse sentido, julgo não ter havido nenhuma falta de respeito por parte de qualquer ateu que eu conheça.

Gostaria de referir que a minha opinião não existe sem suporte, isto é, eu fui membro de algumas igrejas ao longo da minha vida (Católica, Adventista, Testemunhas de Jeová, etc.). Quero com isto dizer que, embora não conheça a religião Cristã como provavelmente o senhor conhece, conheço o suficiente para decidir sobre a minha convicção com bases sólidas. Não se trata de uma ”atitude simplista face à religião”.

Relativamente à perspectiva ateia, poderíamos chamar-lhe perspectiva científica, há que ter em conta a conotação negativa que a palavra ateu teve e tem, associando-se por vezes com “satânicos”, o que é completamente errado. Os ateus são pessoas muito pacíficas e estou convencido que neste aspecto estamos de acordo.

Os movimentos de extrema-direita e como moveram massas na Europa do séc. XX, a título de exemplo, não estiveram relacionados com o ateísmo. É sabido que pelo menos Hitler era cristão (o que não implica que ele tenha feito o que fez em nome da igreja), Estaline era ateu mas as suas acções não estão necessariamente relacionadas com esse facto. Se o pretender, posso lhe fornecer documentos e referências que apoiam o que acabei de dizer.

Eu não escrevi que as crianças devem "escolher o seu caminho" de uma forma perfeitamente neutra, eu escrevi que devem escolher o seu caminho de uma forma racional (estamos de acordo). As crianças devem estudar todos esses aspectos da religião, seja ela Cristã, Judaica, Islâmica, Hindu, etc. Mas devem manter o espírito crítico que lhes permita questionar com base na nossa moral implícita e razão: “Estará isto correcto?”. É justamente a falta deste espírito critico (que existe na religião) que deu origem a muitos movimentos de extrema-direita.

No entanto a racionalidade não tem muito espaço na religião, é uma evidência. É claro que há religiões mais ou menos fundamentalistas, mas todas na sua essência assentam em princípios irracionais: acredita-se em algo sem ter provas para isso, tem-se fé.

Se surgisse uma prova credível da existência de deus, eu seria o primeiro a converter-me. É esta liberdade intelectual que as pessoas religiosas não têm.

Vejamos alguns exemplos dos Direitos Humanos “absolutos” que a bíblia ensina:
«Onde estão os homens que entraram na tua casa esta noite? Trá-los para fora a fim de os conhecermos» (Génesis 19:5) “Conhecermos”? Estamos na cidade de Sodoma… E no seguimento:
«Suplico-vos, meus irmãos, não cometais semelhante maldade. Eu tenho duas filhas ainda virgens. Eu vo-las trarei. Fazei delas o que vos aprouver, mas não façais mal a esses homens(…) » (Génesis 19:7-8) Coitadas das filhas de Lot…
Mais à frente, numa situação semelhante:
«Não, meus irmãos! Eu vo-lo peço, por favor; não pratiqueis semelhante mal! Agora que este homem entrou em minha casa, não pratiqueis tal desonra! Eis a minha filha, que está virgem, e a concubina dele; vou fazê-las sair; abusai delas; fazei-lhes o que vos agradar! A este homem, porém, não lhe façais uma infâmia desta natureza» (Juízes 19:23-4) Por uma questão de contenção não vou citar mais a bíblia.

Que moralidade podemos extrair do comportamento de Lot (que era justo segundo deus)? Qual é o contexto que torna estas passagens aceitáveis moralmente? Que critério usamos para interpretar a bíblia? Será certamente um critério humano, não divino…

Por fim, confesso-lhe que eu gostaria de ser reconvertido e voltar a acreditar em deus, pois isso traz um grande conforto emotivo em muitas situações difíceis da vida. No entanto, preciso seguir o que eu acho verdadeiro, baseado em evidências e factos mesmo que isso seja mais difícil.

PS: Aconselho o livro de Richard Dawkins “A desilusão de deus” e http://oimperius.blogspot.com/2008/02/deus.html

Um abraço sincero para si e para todos os bloguistas deste "forum.

Alma peregrina disse...

Caro O Império:

Se me permite, gostaria de prosseguir a conversa.

Eu não exigi um tipo de respeito superior para a religião em relação às outras posições (políticas, etc...). Eu disse que pretendia respeito pela minha "integridade intelectual". Quero com isto dizer que os ateus, (embora como você referiu, sejam pessoas pacíficas) têm o mau hábito de se colocar numa posição intelectualmente superior em relação aos religiosos.

Posso ter interpretado mal, mas essa atitude ressoou um pouco na frase que você escreveu no seu comment de 21/4/2008 14:24: "(Os meus filhos) terão a liberdade de questionarem o que lhes dizem e não aceitar a resposta tipica: "Foi deus.""

Foi daí que eu derivei a "atitude simplista face à religião". Não pretendo com isto dizer que você é totalmente ignorante sobre o assunto.

Talvez não tenha notado, mas essa atitude ressoou um pouco novamente quando chamou à perspectiva ateia "perspectiva científica". Essa denominação parte do pressuposto que as outras perspectivas não são científicas (e, logo, que são menos racionais).

E teve muito mais dessa atitude em partes do seu comment de 23/4 que irei referir adiante.

Pois bem, eu vou tentar elucidá-lo sobre o seu erro de raciocínio (que é o de Dawkins). Você parte do pressuposto que tudo o que existe é demonstrável científicamente. Ou seja, o que não é demonstrável científicamente não existe.

Ora esta posição enferma de um problema de raiz: a ciência não consegue demonstrar tudo aquilo que existe. Experimente fazer um trabalho científico acerca do amor, do sentido estético e até sobre a "qualidade de vida". Sobre este último critério existem escalas/consensos internacionalmente definidos, mas que não deixam de ser subjectivos e dependentes de quem os criou e da cultura onde são utilizados. Como tal, todos os trabalhos científicos produzidos neste âmbito estão, à partida, enviesados.

O mesmo se passa com Deus. A Ciência tem limites e o seu limite é o "mundo natural". Tal como você não pode aplicar a física newtoniana ao átomo, também não pode aplicar as leis "naturais" ao "mundo sobrenatural".

O que me traz ao seu erro. A religião sempre foi um debate filosófico/teológico. Esse é o domínio do tema "Deus". No entanto, nos últimos 3 séculos, os ateus têm surgido com a ideia de que é preciso aplicar ciência a este tema. Nunca, durante a História Mundial, alguma vez foi utilizado tal argumento num debate teológico. Porque esse argumento não faz sentido, a priori.

Você disse que, se alguém lhe provasse que Deus existe, você acreditaria. Pois bem, eu posso fornecer-lhe provas filosóficas e teológicas sobre este assunto... se as aceitar, muito bem. Mas não posso fornecer-lhe provas científicas. Porque não são aplicáveis neste domínio.

Quanto a "acreditar em algo sem provas", talvez você não perceba na posição em que se coloca. O ateísmo não tem provas científicas.

Nesse ponto, você provavelmente irá refutar-me dizendo "a religião também não tem provas científicas, portanto mais vale não acreditar, já que a religião é uma crença «positiva» e o ateísmo uma crença «negativa»"
Talvez, mas você esquece-se que a religião nunca pretendeu dar provas científicas sobre nada... apenas provas filosóficas e teológicas. O ateísmo, por seu lado, pretende provas científicas. Era de esperar que o ateísmo fosse capaz de sustentar as condições que ele próprio impõe às outras religiões.

Para se ter uma perspectiva científica sobre o tema é preciso conhecer os limites da Ciência. Se você conhece Popper, saberá que uma hipótese só é científica se for refutável mediante o método científico. O ateísmo não é refutável mediante o método científico. Logo, o ateísmo não é científico. Como o ateísmo é uma hipótese que visa responder à questão "Deus", é deduzível que o ateísmo é uma religião.

Lembre-se: pode-lhe parecer pouco racional a resposta "Foi deus". Todavia, veja que os próprios cientistas não têm bem a noção de como o universo se formou. Conhecem o Big Bang, mas nada anterior a isso que tenha sido a causa do Big Bang. Por outro lado, os cientistas não conseguem explicar uma série de fenómenos denominados "milagres" sobre os quais a Igreja tem o cuidado de atestar rigorosamente antes se pronunciar.
Deste modo, é igualmente simplista a resposta: "Eu não sei como foi... mas não foi deus" Ambas denotam uma crença que não pode ser totalmente firmada racionalmente.

No entanto, se você quiser, posso ilustrar melhor o que pretendo afirmar. Com certeza que você conhece que Plutão ou um átomo são factos cientificamente comprováveis. Agora, imagine que nós somos dois homens das cavernas. Eu digo-lhe: "existe Plutão! Existe o átomo!" Ao que você responde: "prova-mo!"
E eu fico sem resposta...
A própria Ciência está limitada aos meios tecnológicos de que dispomos. Ora, com certeza que, para Deus, que é omnipotente por definição, nós somos ainda mais primitivos que homens das cavernas. Como podemos ter a ambição de aplicar o nosso método científico, tão dependente dos nossos meios e conhecimentos, a este tema. Não será um pouco presunçoso da nossa parte?
Não é possível, nem lógico.

2) E não, não tenho uma noção "satânica" de ateu. Ateu significa isso mesmo: A - "sem" Teu - "deus".

Nem pretendi atribuir ao ateísmo os massacres do séc. XX. Mas saúdo a sua honestidade intelectual em não colar Hitler à Igreja.

A única coisa que eu pretendi com a minha intervenção foi ilustrar o meu ponto de vista. Ao ensinar as minhas crianças de tenra idade sobre os "absolutos" da religião, pretendo fornecer-lhes os alicerces para que eles escolham, racional e criticamente, sempre a opção moralmente correcta.

Interessante o facto de ter mencionado Estaline. O estalinismo decorreu num ambiente de ateísmo. Tenha calma, não pretendo culpar o ateísmo pelo estalinismo. Mas devo fazer notar que você diz: "é esta falta de espírito crítico (QUE EXISTE NA RELIGIÃO) que deu origem aos movimentos de extrema-direita". Se você equaciona os movimentos de extrema-direita com os de extrema-esquerda (como eu deduzo que faça), então terá de concluir logicamente que o ateísmo não fornece uma "vacina" que torne uma pessoa imune à falta de espírito crítico. Ou seja, todas as religiões (incluindo o ateísmo) são potencialmente racionais (se usadas no interesse da Humanidade) e todas são potencialmente irracionais (se levadas ao extremo do fanatismo).

4) Relativamente às histórias bíblicas que apresentou, gostaria que visse como elas fazem mais sentido quando colocadas em contexto (nomeadamente, quando explicadas por um exegeta pertencente à Igreja).

http://haydock1859.tripod.com/id346.html

Neste link está toda a exegese do capítulo referido da história de Loth (claro que isso torna a análise incompleta, porque, apesar de tudo, o descontextualiza dos capítulos precedentes e subsequentes).
Atente na exegese dos versículos 7-9. Loth não só NÃO colocou as filhas em perigo, como se colocou a ele próprio em perigo.
Os habitantes de sodoma estavam interessados nos viajantes, não nas filhas.

Além disso, convém referir que, embora Loth seja referido na Bíblia como um "dos bons da fita", ele não é, de longe, a personagem moralmente mais favorecida.

http://haydock1859.tripod.com/id583.html

Aqui está a exegese do capítulo do livro dos Juízes referido. Note, na exegese do versículo 24, que não só as suas conclusões são refutadas como até as suas preocupações morais são atendidas.



Cumprimentos e espero que continuemos esta conversa (se o Confessionário não se chatear connosco claro).

P.S. Gostaria de lhe deixar com uma frase que uma vez ouvi de um padre: "Não ensines os teus filhos sobre religião... outros tratarão de os ensinar por ti" É disso que tenho medo. É isso que pretendo evitar.

Alma peregrina disse...

Lembrei-me agora, caro O Império.

O Papa João Paulo II escreveu uma encíclica sobre este tema. Denomina-se "Fides et Ratio". Isto, claro, se estiver interessado. Se você procurar no site www.vatican.va com certeza achá-la-á. Eu não posso pôr as mãos no fogo, porque ainda não a li. Mas tenho a noção que, geralmente, as encíclicas dos papas são bastante racionais e interessantes.

Cumprimentos.

O Império disse...

Caro Kephas:

Desde já saúdo a sua forma honesta de prosseguir a conversa. Conversa esta que tenho a certeza que duraria muito tempo se o Confessionário assim o permitisse.

Chegamos a um consenso relativamente à questão do respeito. Este respeito desmesurado relativamente à religião (que o senhor não pede) acaba com qualquer tentativa sã de discutir a questão. E posso concordar consigo relativamente ao mau hábito que os ateus têm de se colocar numa posição intelectualmente superior em relação aos religiosos. Embora não tenha sido essa a minha intenção e não tenha presenciado muitas situações destas.

A verdade, relativamente a este ponto é que (como diz Dawkins) é necessário acordar as pessoas deste estado adormecido em que se encontram. Porque, se me diz que existem pessoas religiosas que têm uma boa atitude critica (e eu conheço algumas), existe um número incomparavelmente maior das que não a têm.

O facto de um religioso não precisar de se justificar relativamente aos seus actos porque está a seguir as escrituras sagradas, seja a Bíblia, Tanakh, o Corão ou outra qualquer, resulta numa multiplicação de actos terríveis com aceitação de povos e nações.

Mães palestinianas que têm orgulho nos seus filhos adolescentes suicidas pois sabem que eles iram para o paraíso, milhares de terroristas suicidas que morrem porque acreditam que terão 72 virgens no paraíso (o que dizer das virgens?....), seitas religiosas cristãs que resultam no suicido em massa dos seguidores surgem por todo o lado, etc…

Poderá dizer-me que o Cristianismo não se compara em termos de fanatismo com o Islamismo, mas para tal basta recuar uns séculos e pensar nas Cruzadas, na Inquisição, na conversão forçada dos povos conquistados (os americanos por exemplo). Por sorte vivemos numa época e num espaço onde o Cristianismo se vestiu de alguma moderação, mas no futuro nada garante que continue assim.

E as coisas boas da religião? Não duvido que as haja, elas estão à vista. Tenho um enorme carinho e amizade pelas pessoas que conheci dentro da religião. Não faria sentido fazer uma comparação das coisas boas e coisas más feitas em nome da religião. Mas parece-me que as más prevalecem… Claro que não é esta a questão. A questão é: será que deus existe?

Porque não acreditar em Apolo? Porque não seguir o Judaísmo? Porque não acreditar em outro Deus qualquer? Porque há tanta diversidade de religiões?
Um religioso responder-me-ia: “…a minha é a verdadeira e os outros estão errados, porque é o que diz na Bíblia” ,” …é o que diz no Corão” ,” …é o que diz nas Escrituras Judaicas”. Pergunte a uma Testemunha de Jeová o mesmo e responde-lhe (tal como o fizeram a mim): “Os Católicos não estão a interpretar correctamente a Bíblia.” Conheci pessoas muito persuasivas em todas as igrejas onde estive.

Alguém bem documentado e esclarecido sobre a Bíblia poderá não estar sobre o Corão ou sobre os Tantras… como escolher? Suponho que você acredita no deus cristão, mas apenas devido ao acaso de ter nascido num pais cristão (se não é o seu caso é o caso de milhões de pessoas).

Relativamente à questão da perspectiva científica, fiquei na dúvida se estaria a referir que há religiões que usam a ciência? Se assim for, pelo menos as religiões Judaico-Cristãs e o Islamismo caem por terra. O argumento de Dawkins é acutilante: a teoria da evolução é claramente aceite com base num grande amontoado de provas. Esta teoria refuta completamente os pressupostos dessas religiões: Adão e Eva, a idade da Terra, etc.

“Você parte do pressuposto que tudo o que existe é demonstrável cientificamente”
Não me expliquei claramente, eu não parto desse pressuposto. O que eu digo é que a explicação científica é muito mais convincente do que atribuir as causas das coisas a uma inteligência divina. Provavelmente a ciência é insuficiente actualmente para explicar muitas coisas e pode nunca ser suficiente, mas a atribuição da causa dos fenómenos naturais a deus é muito menos convincente.
Ou seja, o que não é demonstrável cientificamente não existe ou ainda não foi demonstrado ou nunca será demonstrado. Afirmação que faz muito mais sentido do que atribuir responsabilidades a uma inteligência divina.

Desculpe-me, mas dizer-me que “A Ciência tem limites e o seu limite é o "mundo natural" não é um argumento válido. Que outro mundo existe? O "mundo sobrenatural"? Prove-me que esse mundo existe. Tal como Dawkins refere: não são os ateus que têm de provar que deus não existe, são os teístas que têm que provar que ele existe. Acreditar em algo com base apenas na fé é algo redutor. Se lhe disser que eu acredito que a erva é o meu deus você não tem como me provar o contrario. Repare que você também é ateu relativamente a Thor, Apolo, Anubis ou Zeus.
Se me disser: “ Acreditar em Apolo é errado porque ele não existe.” Um teísta dir-lhe-ia: “Prove-me que Apolo não existe” e pronto, acabaria assim a argumentação (substitua-se Apolo por Jeová).

O senhor diz-me: “O ateísmo não tem provas científicas.” Mais uma vez: não são os ateus que têm de provar que deus não existe, são os teístas que têm que provar que ele existe. Tal como eu teria que provar que as fadas existem se eu acreditasse nelas. Eu não acredito em deus porque a probabilidade de ele existir é muito baixa pois não há qualquer prova de que ele exista.

“A religião sempre foi um debate filosófico.” Pois bem, a filosofia também evolui, e muitas vezes ligada a evidências da ciência. Numa época como a nossa em que a ficção cientifica se transforma em realidade, imagine que este sentido religioso foi-nos incutido por uma raça de extraterrestres muito mais avançada que a nossa. Qualquer argumento filosófico/teológico cairia por terra no momento em que esses seres aparecessem. Pode parecer absurdo mas não deixa de ser possível.

Argumentar que o debate filosófico/teológico é o domínio do tema "Deus" e os argumentos científicos não são aplicáveis neste domínio é como dizer: “Vamos jogar ténis mas você joga sem raquete”.

Como sabe, filosofia e ciência andam muitas vezes de mão dada.

Peço-lhe então, por favor, que me forneça provas filosóficas e teológicas sobre a existência de deus, prove-me que existe uma inteligência divina, mas não me peça para não tentar refuta-las com argumentos científicos porque isso é intelectualmente injusto.

“Como o ateísmo é uma hipótese que visa responder à questão "Deus", é deduzivel que o ateísmo é uma religião.” Não haverá aí alguma confusão da sua parte? (ou fui eu que não percebi o raciocínio). O ateu não visa responder à questão “Deus”, apenas não acredita, o trabalho de demonstrar e convencer sobre a questão “Deus” cabe aos teístas. O ateísmo não é uma religião.

"Eu não sei como foi... mas não foi deus" Não foi isso que eu escrevi. Substitua a frase por: "Eu não sei como foi... vou procurar saber como foi até saber, mas há uma enorme probabilidade de não ter sido deus" Big Bang incluído… (já agora a teoria das cordas traz uma nova abordagem que remonta a fenómenos anteriores ao Big Bang).
“Ambas denotam uma crença que não pode ser totalmente firmada racionalmente.” Então concorda que a religião não é firmada racionalmente? Ou estou a interpretar mal o que escreveu?

“A própria Ciência está limitada aos meios tecnológicos de que dispomos.” Concordo plenamente consigo.
“Ora, com certeza que, para Deus, que é omnipotente por definição(…)” Omnipotente por definição?
Se me permite vou usar as suas palavras:
“Pois bem, eu vou tentar elucidá-lo sobre o seu erro de raciocínio. Você parte do pressuposto que(…)” Deus existe e é omnipotente por definição. “Ou seja, o que(…)” estiver fora deste pressuposto não tem lugar na discussão…
Eu não parto do pressuposto de que Deus não existe e não é omnipotente. O que eu digo é que a probabilidade de ele não existir é tão grande como a probabilidade das fadas ou do monstro das bolachas não existirem (Dawkins).
O diálogo hipotético dos homens das cavernas não foi bem utilizado pois para você afirmar que existe Plutão e o átomo teria que ter algo onde se basear. Mais uma vez você acha que os ateus é que têm que provar que deus não existe. O que eu digo é: ainda não foi provada a existência de deus, quando isso for provado (seja de que forma for) eu aceito.
-"existe Plutão! Existe o átomo!"
-"prova-mo!"
-“Um dia alguém irá provar”
- “Quando mo provares eu aceito. Até lá não vou acreditar em algo baseado na fé ou apenas da tua palavra”

“(…) o ateísmo não fornece uma "vacina" que torne uma pessoa imune à falta de espírito crítico.” Concordo consigo, mas acreditar em deus também não fornece a “vacina”. Há boas pessoas e há más pessoas que acreditam em deus tal como acontece com os ateus. Mas repare que não é essa a questão. A questão é: onde está a verdade?

O que eu critico é a atitude da religião quando diz: “A verdade é esta porque é o que dizem as escrituras sagradas. Toda a religião que não se baseie nas nossas escrituras sagradas está errada.”, “ Deus existe, é omnipotente e omnisciente” Quem, como e quando disse isto? Deus? Que o diga de forma clara a toda a humanidade para que deixem de existir estas dúvidas, pluralidade de religiões e conversas como esta (embora eu tenha gosto em partilhar opiniões).

Por fim, relativamente a Loth, se me diz que ele não é de longe a personagem moralmente mais bem favorecida porque terá deus salvo apenas ele e a sua família, aniquilando toda a cidade de Sodoma e Gomora incluindo gente inocente, jovens, crianças e animais? Tal como na história de Noé, inundou a terra matando inocentes, crianças (que tinham que ficar com os pais) e animais. Há dezenas de exemplos semelhantes, basta abrir a bíblia e ler.

(http://oimperius.blogspot.com/2008/02/bonitas-passagens-da-biblia.html)

Aceito que há muitas interpretações possíveis da bíblia, que temos de olhar para o sentido figurado dessas histórias bíblicas, mas então qual é o critério que usamos para interpretar a bíblia? Que partes assumimos como figurado e que partes como literal? Terá forçosamente de ser um ser humano a ter o papel de escolher “as partes boas” e “as partes más” das escrituras…

Imagine que alguém tinha provado que deus não existe, e como consequência os dez mandamentos não são de deus e cairiam. Nessa situação pergunto-lhe, seria você capaz de matar um homem? Não acredito que fosse capaz…Eu não sou capaz.
Não se sabe bem de onde vem a moralidade mas parece-me que não vem da religião.

É claro que cada pessoa tem a liberdade de viver a sua vida como quer. No entanto, na minha opinião, basear toda a nossa vida na religião é um grande desperdício em muitos casos. Como é óbvio o senhor educa como quiser os seus filhos e acredito que seja um bom pai, mas educar as crianças mostrando-lhes apenas um lado da questão é errado na minha opinião (não estou a dizer que é o que o senhor faz). As crianças devem aprender sobre a religião tal como devem aprender as posições contrárias à religião. Como pai, eu diria: “posso estar enganado, mas eu acredito nisto porque (…), mas há quem acredite em outra coisa porque (…)”

Um abraço. E obrigado ao Confessionário por permitir esta conversa.

PS: Com certeza que irei ler a encíclica de João Paulo II, um homem admirável, e com muito gosto.

Alma peregrina disse...

Caro O Império:

1) Você disse:
“A verdade, relativamente a este ponto é que (como diz Dawkins) é necessário acordar as pessoas deste estado adormecido em que se encontram. Porque, se me diz que existem pessoas religiosas que têm uma boa atitude critica (e eu conheço algumas), existe um número incomparavelmente maior das que não a têm.”

Isto estaria muito bem, mas a intenção de Dawkins não é fornecer às pessoas uma informação idónea e isenta sobre todas as religiões, de modo a ajudar a uma escolha racional e consciente. Segundo Dawkins, um indivíduo deve tomar uma atitude de ateísmo, até que as religiões provem as suas posições e convertam o indivíduo. Como eu considero que o ateísmo é apenas mais uma religião (como eu vou justificar a seguir), penso que isto estará a dar ao ateísmo uma vantagem injusta sobre todas as restantes religiões.

2) Concordo consigo. As religiões (incluindo a cristã católica) têm aspectos muito negativos quando elevadas ao fanatismo. Aceito a crítica à Inquisição e às conversões forçadas dos americanos. Não aceito a crítica às Cruzadas porque, embora os cruzados tenham perpetrado actos horríveis, penso que 450 anos de agressões muçulmanas contínuas ao Ocidente justificam um acto de auto-defesa.

Você disse:
«Porque não acreditar em Apolo? Porque não seguir o Judaísmo? Porque não acreditar em outro Deus qualquer? Porque há tanta diversidade de religiões?
Um religioso responder-me-ia: “…a minha é a verdadeira e os outros estão errados, porque é o que diz na Bíblia” ,” …é o que diz no Corão” ,” …é o que diz nas Escrituras Judaicas”. Pergunte a uma Testemunha de Jeová o mesmo e responde-lhe (tal como o fizeram a mim): “Os Católicos não estão a interpretar correctamente a Bíblia.” Conheci pessoas muito persuasivas em todas as igrejas onde estive.»

Bem, ainda bem que podemos usar a nossa Razão para decidir, certo?
;)
Desafio-o a encontrar outra religião que lide tanto com a temática “Fé e Razão” como o Cristianismo. Admito que haja, mas desconheço.

Todavia, não lhe vou fornecer os meus argumentos racionais para a escolha do Cristianismo em geral e do Catolicismo em particular, porque os meus argumentos não são aquilo que você pretende. Você quer argumentos puramente científicos. Retomarei este ponto mais adiante.

Um ponto que convém distinguir… você está num fórum católico e não protestante. Nós não justificamos os nossos actos com base no que está na Bíblia. A nossa fonte de referência é a Igreja. Foi a Igreja que produziu a Bíblia, não o contrário. Sei que isso não altera em nada o seu ponto de vista (acreditar na Igreja ou na Bíblia é o mesmo para um ateu), mas, para nós, é importante. Foi a descontextualização da Bíblia fora da Igreja que produziu os cismas na nossa religião. Tal serve para responder à sua questão: “mas então qual é o critério que usamos para interpretar a bíblia?”

É essa descontextualização que surge no seu post do seu blog “Bonitas passagens da Bíblia”. E é esta descontextualização que eu visei refutar no seu exemplo de Loth. Para mim, a descontextualização é um pecado mortal, em TODOS os domínios do Saber Humano. Porque a descontextualização permite a destruição de todo e qualquer argumento, por mais racional que seja.

3)Você disse:
“Relativamente à questão da perspectiva científica, fiquei na dúvida se estaria a referir que há religiões que usam a ciência? Se assim for, pelo menos as religiões Judaico-Cristãs e o Islamismo caem por terra. O argumento de Dawkins é acutilante: a teoria da evolução é claramente aceite com base num grande amontoado de provas. Esta teoria refuta completamente os pressupostos dessas religiões: Adão e Eva, a idade da Terra, etc.”

Eu não me estou a referir às religiões que usam ciência. O que eu pretendo demonstrar-lhe é que todas as religiões e o ateísmo são cientificamente equivalentes. A Ciência é neutra no que diz respeito a Deus, porque a Ciência não pode provar nem refutar Deus. Lembre-se de Popper. É deste filósofo que a Ciência vai beber o seu molde actual. Se a Ciência não pode provar nem refutar uma hipótese, esta deve ser considerada como “potencialmente verdadeira” i.e. “não pertencente ao foro científico”.

Se você alguma vez produziu um artigo científico sabe como isto funciona. O que se calcula não é a probabilidade de uma hipótese ser verdadeira/falsa. O que se calcula é a probabilidade de os achados experimentais serem devidos ao acaso SE a hipótese for falsa. Isto foi-me ensinado no meu primeiro ano de curso.

Quanto ao facto de a evolução deixar cair por terra a história do Génesis, não é verdade. Eu sou evolucionista E criacionista. Os binómios são:
Evolucionista vs. Fixista -> Hipóteses científicas.
Criacionista vs. Ateísta -> Hipóteses teológicas.

Portanto, é-me perfeitamente possível acreditar em Adão e Eva e na evolução simultaneamente. Porque eu, como você já reparou, faço questão de separar Ciência de Religião. E não sou o primeiro… o próprio S. Agostinho, no séc. IV, já referia que o Génesis não é um relato factual da criação. O estilo utilizado é o mitológico, ou seja, procura explicar realidades complexas mediante uma narração que seja facilmente apreendível. Tal não significa que a narração seja falsa, simplesmente significa que o seu conteúdo foi transformado para satisfazer as necessidades dos ouvintes.

Atente neste excerto da encíclica Dei Verbum:
“Como, porém, Deus na Sagrada Escritura falou por meio dos homens e à maneira humana, o intérprete da Sagrada Escritura, para saber o que Ele quis comunicar-nos, deve investigar com atenção o que os hagiógrafos realmente quiseram significar e que aprouve a Deus manifestar por meio das suas palavras.
Para descobrir a intenção dos hagiógrafos, devem ser tidos também em conta, entre outras coisas, os «géneros literários». Com efeito, a verdade é proposta e expressa de modos diversos, segundo se trata de géneros histéricos, proféticos, poéticos ou outros. Importa, além disso, que o intérprete busque o sentido que o hagiógrafo em determinadas circunstâncias, segundo as condições do seu tempo e da sua cultura, pretendeu exprimir e de facto exprimiu servindo se os géneros literários então usados Com efeito, para entender rectamente o que autor sagrado quis afirmar, deve atender-se convenientemente, quer aos modos nativos de sentir, dizer ou narrar em uso nos tempos do hagiógrafo, quer àqueles que costumavam empregar-se frequentemente nas relações entre os homens de então.”

Com base nisto, vou tentar explicar-lhe melhor o meu raciocínio quando separo Ciência de Religião. Considere os seguintes diálogos:
Diálogo 1
Pessoa A – “Fiz-te um bolo!”
Pessoa B – “Como o fizeste?”
Pessoa A – “Peguei em ovos, farinha e água, misturei tudo e pus no forno”
Este diálogo visa explicar o domínio da Ciência: “Como as coisas são feitas” “Qual o seu mecanismo” (mundo natural)

Diálogo 2
Pessoa A – “Fiz-te um bolo?”
Pessoa B – “Por que o fizeste?”
Pessoa A – “Porque gosto de ti!”
Este diálogo expõe o domínio Filosofia/Teologia: “Por que as coisas são feitas” “Qual a sua finalidade” (mundos filosófico, moral e sobrenatural como potencialmente verdadeiros).

Repare… de facto a Filosofia e a Teologia podem enriquecer-se com a Ciência. Afinal, ambas tratam do tema “bolo”, mas os domínios utilizados são diferentes. Se eu fizesse uma acta sobre o tema “bolo”, deveria ter em atenção tanto ao “Como” como ao “Porquê”. No entanto, não faz sentido, responder ao “por que o fizeste?” com a receita do bolo. De igual modo, não faz sentido substituir a Filosofia pela Ciência. Elas andam “de mão dada” como você referiu, mas não se fundem numa só coisa.

4)Chego à questão das provas científicas. Quem tem de as fornecer?

Você diz que têm de ser os teístas quem tem de dar provas científicas da existência de Deus. Quando você próprio não consegue fornecer provas científicas da inexistência de Deus. A sério, desculpe, você pretende “ganhar o debate” por uma situação de default? (eu sei que nós não estamos numa competição, mas penso que você percebe aquilo que eu estou a tentar transmitir-lhe)

Isso demite-me de procurar justificar-me racionalmente, isso significa que a única coisa que tenho de fazer para “ganhar” o debate é virar a situação de default a meu favor. Ora cá vai:
VOCÊ está num fórum católico onde se debatem temas católicos utilizando uma mentalidade católica. VOCÊ chega CÁ e diz que o catolicismo é falso. Quando NÓS lhe perguntamos a SI para que prove as SUAS proposições, você diz “VOCÊS é que têm de me provar!”
Isto não é lógico, obviamente é você que tem alguma coisa a provar-nos. Você tem de fornecer as provas científicas inquestionáveis que refutem a existência de Deus.
Em que bela situação você se meteu, hã?
:)))))))

Não se preocupe, que eu não o vou obrigar a montar uma experiência de laboratório que prove, de uma vez por todas, que Deus não existe. Porque eu prefiro construir os meus sistemas de valores e conhecimentos com base em algo positivo, não na falta de argumentos dos outros.

A única coisa que eu disse foi: as religiões não pretendem dar provas científicas. O ateísmo sim. Como tal, o ateísmo não pode cair na mesma falta de argumentos que as religiões. Se o ateísmo visa aplicar o método científico ao tema “Deus” deve, ele próprio, poder submeter-se ao método. Caso contrário, você está, ao argumentar sobre a necessidade de cientificidade na temática das religiões, a enfraquecer a sua própria posição.

E sim, o ateísmo é uma “resposta” ao tema “Deus”. A resposta: “Deus não existe” é uma resposta ao tema “Deus”. Uma resposta que, como qualquer outra referente ao tema, deve submeter-se ao método científico de acordo com as regras que o próprio ateísmo criou. Até que o ateísmo me prove que é mais científico que as outras religiões (em vez de esconder a sua falta de argumentos científicos numa situação de default), eu não tenho motivação para deixar a minha religião.

No entanto, gostaria de lhe pôr à consideração esta frase:
“Provavelmente a ciência é insuficiente actualmente para explicar muitas coisas e pode nunca ser suficiente, mas a atribuição da causa dos fenómenos naturais a deus é muito menos convincente.
Ou seja, o que não é demonstrável cientificamente não existe ou ainda não foi demonstrado ou nunca será demonstrado.”
A existência de Deus cai na categoria do “nunca será demonstrado”.

Mas note o salto lógico que você dá na frase subsequente:
“Eu não acredito em deus porque a probabilidade de ele existir é muito baixa pois não há qualquer prova de que ele exista.”
Como calculou você esta probabilidade? Quais foram os parâmetros utilizados? Consegue quantificar essa probabilidade? Como você disse acima, a “não existência de provas” não equivale a “ser falso” (que foi o que eu demonstrei no debate entre os dois homens das cavernas e Plutão e o átomo).

“Numa época como a nossa em que a ficção cientifica se transforma em realidade, imagine que este sentido religioso foi-nos incutido por uma raça de extraterrestres muito mais avançada que a nossa. Qualquer argumento filosófico/teológico cairia por terra no momento em que esses seres aparecessem. Pode parecer absurdo mas não deixa de ser possível.”
Por que é absurdo? Se é possível, por que pode parecer absurdo? Qual a probabilidade de ser falso? Esta noção de absurdo não é científica, pois exclui a priori uma hipótese perfeitamente racional. O mesmo se aplica a Deus.

Mas vou-lhe dar uma prendinha, que é o mais próximo que eu consigo chegar de lhe oferecer uma prova científica da existência de Deus. Se você pesquisar um pouco, poderá ler sobre o trabalho do Professor Michael Heller. Ele ganhou o prémio da Fundação Templeton. Ele também é padre. Os seus cálculos na área da Matemática e da Estatística demonstram que a probabilidade da existência de Deus é superior à probabilidade da existência do mundo material. É o inverso da sua crença.
Eu desconheço os trabalhos dele, porque a minha área é a Biologia e não a Matemática. E sei que Dawkins critica este prémio no seu livro. No entanto, eu não teria uma atitude científica se rejeitasse as noções deste matemático, simplesmente devido à sua heterodoxia. Muitas coisas que actualmente são consideradas científicas foram recebidas com bizarria nas épocas respectivas.

5)Gostei do seu diálogo:
-"existe Plutão! Existe o átomo!"
-"prova-mo!"
-“Um dia alguém irá provar”
- “Quando mo provares eu aceito. Até lá não vou acreditar em algo baseado na fé ou apenas da tua palavra”

Bem, a sua atitude é prudente e racional, mas devo chamar-lhe a atenção, meu caro… até que alguém invente o telescópio ou o microscópio electrónico, você estará privado de uma realidade que é verdadeira.

6)Para terminar a questão da Fé e da Razão, e utilizando a sua analogia da raquete, eu digo-lhe: “Jogue com a sua raquete, mas jogue com a sua raquete em TODOS os jogos”

Porque se um cristão vier ter consigo e disser: “Deus existe”, você diz: “Prove isso científicamente!”

Se uma testemunha de Jeové vier ter consigo e disser “Jeová existe” você diz: “Prove isso cientificamente!”

Se um pagão vier ter consigo e disser “Apolo existe” você diz: “prove isso cientificamente!”

Se um ateu vier ter consigo e disser “Nenhum deus existe”, você tem de manter uma atitude coerente. Você aceitou de Dawkins argumentos filosóficos que partem da Ciência. Mas filosóficos ainda assim. Onde estão as provas científicas?

7)No meu debate hipotético com um teísta de Apolo, quando ele me dissesse: “Prove-me que Apolo não existe” eu fá-lo-ia com todo o gosto, mas usando argumentos filosóficos e teológicos. Não argumentos científicos. E o teísta de Apolo aceita-los-ia ou contra-argumentaria. Só os ateus é que viram as regras do jogo. Eu não temo o diálogo teológico contra um teísta de Apolo, porque, se está bem recordado, esse debate já foi vencido num sítio chamado Roma Antiga.

8) Você disse: “Então concorda que a religião não é firmada racionalmente? Ou estou a interpretar mal o que escreveu?”
Não foi o que eu disse. Releia.
Eu disse “Ambas denotam uma crença que não pode ser TOTALMENTE firmada racionalmente.”

8)Quanto a Loth, ele foi salvo porque era justo. Penso que você consegue apreender a noção de que há muitas pessoas boas, mas santos há poucos. Quando se separa de Abrão (Gn 13:10-13), Loth escolhe o seu caminho apenas com base nas riquezas aparentes, negligenciando os putativos vícios dos habitantes da terra escolhida. Foi desses vícios que ele foi posteriormente vítima. Posteriormente, em Gn 19:17-21, quando Loth recebe a informação dos anjos de que Sodoma será destruída e ele poupado, ele duvida (mesmo assim) da misericórdia de Deus e arranja um subterfúgio. Como vê, ter provas concretas da Revelação Divina não equaciona ausência de dúvidas. Ainda mais tarde em Gn 19:31-36, Loth comete incesto. Pode-se argumentar que ele estava embriagado… mas por que foi ele embriagar-se DUAS vezes? Conhece o ditado “Fool me once, shame on you! Fool me twice, shame on me!”

Note que também o rei David, embora apresentado como uma personagem globalmente positiva, também erra… cometendo adultério e usando de malícia para destruir um homem para se apropriar da sua mulher indevidamente (a história de Urias). Deus não ficou muito satisfeito…

Cumprimentos mais uma vez.

P.S. Aproxima-se o fim de semana e geralmente o Confessionário tira uns dias de “férias” do seu blog, por motivos óbvios relativos à sua prática. Isto serve apenas para avisar o meu amigo de que o nosso debate pode ser interrompido amanhã temporariamente.

O Império disse...

Continuando a nossa conversa:

1) Concordo com Dawkins e não me parece que seja essa a intenção dele, a intenção dele é que as pessoas decidam com base na razão. Não se trata de vantagem, trata-se de escolher um caminho entre vários. Porque seguir determinado caminho? Todos os caminhos devem estar bem fundamentados. É simples e sem vantagem nenhuma para o ateísmo. Repare que todo o ser humano nasce ateu, ou melhor, sem religião. (Provavelmente irá discordar comigo, mas pelo menos não nasce a acreditar em Cristo ou em Jeová). Mas o ponto 4 completa o que aqui escrevi.

2) “Não aceito a crítica às Cruzadas porque, embora os cruzados tenham perpetrado actos horríveis, penso que 450 anos de agressões muçulmanas contínuas ao Ocidente justificam um acto de auto-defesa.”
Justificam? Desculpe perguntar-lhe, se Cristo estivesse vivo no momento de decisão das Cruzadas e tivesse poder de decisão sobre o assunto, não teria ele “dado a outra face”? Não é essa a essência da moralidade de Cristo? As Cruzadas parecem-me um erro, um erro que têm na sua essência a ideia “olho por olho, dente por dente”.

“...darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.” – Êxodo, 21:23-25
“...não resistais ao mal, mas se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra.” – Mateus, 5:39
Detecto aqui alguma inconsistência?

“Fé e Razão”…
Vou-lhe fazer uma pergunta honesta: qual é a definição de fé?
Parece-me que não é possível justificar uma com a outra… por definição.

Mas por favor, forneça-me os seus argumentos racionais para a escolha do Cristianismo em geral e do Catolicismo em particular. Pode ser que eu aprenda consigo, e se isso acontecer agradeço-lhe.

Pelas suas palavras: “Nós não justificamos os nossos actos com base no que está na Bíblia. A nossa fonte de referência é a Igreja.”
Outras perguntas, se me permite: a Igreja Católica não é ela constituída, gerida, influenciada, construída, reconstruída por seres humanos? Quem pediu desculpa pela Inquisição? Foi um ser humano da igreja que pediu desculpa por um erro humano da igreja.
Corrija-me se estes raciocínios estiverem errados (não se trata de nenhuma atitude provocatória da minha parte):

1- A bíblia é a palavra de deus.
2- Deus é perfeito
3- A bíblia é perfeita?

1- A bíblia é a palavra de deus.
2- Vocês não justificam os vossos actos com base no que está na Bíblia.
3- Vocês não justificam os vossos actos com base na palavra de deus?

Ou será que a premissa “A bíblia é a palavra de deus” não é verdadeira?

É possível encontrar contextualização que torne qualquer afirmação, mesmo que aparentemente pareça horrível, numa alusão a uma moral melhor:

“Se uma mulher conceber e tiver um varão, será imunda sete dias... Mas se tiver uma fêmea, será imunda duas semanas.” – Levítico, 12:2-5

“Quando te aproximares para combater uma cidade, oferecer-lhe-ás primeiramente a paz.
Se ela concordar e te abrir suas portas, toda a população te pagará tributo e te servirá.
Se te recusar a paz e começar a guerra contra ti, tu a cercarás,
e quando o Senhor, teu Deus, ta houver entregue nas mãos, passarás a fio de espada todos os varões que nela houver.
Só tomarás para ti as mulheres, as crianças, os rebanhos e tudo o que se encontrar na cidade, e viverás dos despojos dos teus inimigos que o Senhor, teu Deus, e tiver dado.” - Deuteronômio, 20:10-14

Mas de onde vem esta contextualização? É o mesmo que dizer que devemos ler a bíblia com espírito crítico. E no caso da Católica, ler a bíblia com o espírito crítico dos homens da Igreja. Está a ver onde eu quero chegar?

3) «A Ciência é neutra no que diz respeito a Deus, porque a Ciência não pode provar nem refutar Deus.» Concordo plenamente consigo.
«Se a Ciência não pode provar nem refutar uma hipótese, esta deve ser considerada como “potencialmente verdadeira” i.e. “não pertencente ao foro científico”.» Bem, pode ser um bom raciocínio, não tenho capacidade para avaliar, admito….

Mas substitua-se Deus por fadas:
«A Ciência é neutra no que diz respeito a fadas, porque a Ciência não pode provar nem refutar a existência das fadas.» Concordo plenamente.
«Se a Ciência não pode provar nem refutar uma hipótese (a existência das fadas), esta deve ser considerada como “potencialmente verdadeira” i.e. “não pertencente ao foro científico”.» Bem, pode ser um bom raciocínio, não tenho capacidade para avaliar, admito… Mas fadas? Um momento. Fadas?

“Você não acredita nos deuses. Qual é o seu argumento? Qual é a sua prova?” (Aristophanes)

“O que pode ser afirmado sem provas pode também ser refutado sem provas” Christopher Hitchens

Se alguém lhe disser: “Eu sou a reencarnação de Cristo e estou a tentar corrigir o caminho que a igreja tem tomado nestes 2000 anos.” Você acredita? Precisa de provas? Que provas filosóficas/teológicas ou científicas precisaria neste caso?

Não consigo perceber o seu raciocínio para acreditar que a Terra tem uns poucos milhares de anos e que todos nós descendemos de Adão e Eva. Pelo que eu percebi, você desliga-se completamente da ciência quando quer avaliar a Religião? É capaz de aceitar que a terra tem 4.54 biliões de anos com base em factos e aceitar também que a terra tem uns milhares de anos com base em escritos antigos? É capaz de aceitar a teoria da evolução, aceitar que o ser humano evoluiu durante muitos milhares de anos para ter a forma que tem hoje, e aceitar também que tudo começou de um homem e uma mulher fisicamente iguais a nós? A minha actividade não é a Biologia… não tenho lido muitos artigos sobre o assunto, confesso.

Então a bíblia não é factual segundo o que me diz e segundo o que disse S. Agostinho. Não poderia concordar mais consigo.

Diálogo 1 - Domínio da Ciência
Diálogo 2 - Domínio da Psicologia, Fisiologia, Sociologia, Antropologia.

Continuo com grande dificuldade a entender que mundo sobrenatural é esse que você fala.

4) A questão das provas científicas ou provas em geral. Quem tem de as fornecer?

Peço-lhe para reler o que eu escrevi: “Peço-lhe então, por favor, que me forneça provas filosóficas e teológicas sobre a existência de deus, prove-me que existe uma inteligência divina, mas não me peça para não tentar refuta-las com argumentos científicos porque isso é intelectualmente injusto.”

Se quiser olhe para mim como alguém que quer ser convertido à religião católica, eu quero acreditar em deus, eu preciso por razões emotivas de acreditar em deus. Mas… não vou acreditar sem pensar muito no assunto. Não se trata de uma situação de default como lhe chama. De uma forma muito simples: para eu acreditar em deus tenho que ser convencido que deus existe. Repare: eu gostaria de acreditar em deus, sentimentalmente eu gostaria… Mas ninguém me convence. Pode-me dizer: “Cada um é que tem de procurar as suas razões para acreditar.” Pois bem, eu procurei e não encontrei uma única, adoptando a mentalidade católica ou outra qualquer. Não me encare como um intruso no meio católico (não sei se o está a fazer), encare-me como um amigo que entrou neste fórum católico para conversar. Porque eu admito: posso estar enganado, tal como posso estar enganado relativamente à existência de duendes, de fadas, etc. Mas e se são vocês que estão enganados? Não ficaria o verdadeiro deus zangado convosco por terem adorado um deus falso tal como ficou no caso do bezerro dourado?
“Suppose we’ve chosen the wrong god. Every time we go to church we’re just making him madder” (Homer Simpson) :)

Mas no fundo, fé é isso mesmo, acreditar sem ter provas.
Se um dia deus me questionasse: “porque não acreditaste em mim?” eu responderia:”Bem, eu tentei, mas nunca foste muito evidente e haviam tantos a querer o teu lugar que a opção mais racional foi não acreditar de todo em ti.”
Eu estou num fórum católico e encontrei alguém que pelos vistos já pensou muito no assunto e se você está convencido da existência de deus, imaginei que me pudesse convencer a mim, como um amigo. Mas digo-lhe que, de momento, não tenho muitas dúvidas relativamente à base da questão.

Há uns anos ouvi um discurso muito bonito sobre deus, fiquei feliz ao ouvir. A essência do discurso era a seguinte: “Imaginem um pai que perde um filho que ama muito no meio de uma multidão, imaginem o enorme empenho que esse pai tem em encontrar o filho e colocá-lo em segurança, esse pai irá fazer tudo que está ao seu alcance para encontrar o seu filho e traze-lo para junto de si. Pois o mesmo se passa com deus, ele está com um enorme empenho em trazer a si os seus filhos em segurança.” Fiquei aconchegado, nesse momento senti-me nos braços do meu próprio pai…
Mas repare que o discurso que citei não faz muito sentido… Se deus está à nossa “procura”, quer trazer-nos para junto dele com tanto empenho, porquê, sendo ele um ser omnisciente e omnipotente ainda não me encontrou a mim e a milhões de ateus e milhões de crentes em outros deuses? Será Satanás a chatear? Será a questão do livre arbítrio?

Se a questão é Satanás, porquê deus nosso pai, não intervém e não nos livra desse anjo negro? E sendo ele omnipotente porque não alterar a natureza de “anjo negro” para “anjo de luz”? Era o que estaria à espera de qualquer pai humano quando esse pai visse um criminoso a molestar o seu filho no meio da multidão.

Se a questão é o livre arbítrio posso usar as suas palavras, mas neste caso dirigidas a deus:
«Você não dirá: "Olha filho, eu acho que é errado matar, mas se tu quiseres, é a tua escolha!" Porque isso é uma demissão do seu papel de educador.»
O papel de educador… sim, concordo consigo.

Também estamos de acordo noutro aspecto: eu também prefiro construir os meus sistemas de valores e conhecimentos com base em algo positivo. ;)

«Se o ateísmo visa aplicar o método científico ao tema “Deus” deve, ele próprio, poder submeter-se ao método.» Correcto. Eu também não acredito no monstro das bolachas, vamos aplicar o método científico para provar que ele não existe? Que desperdício de tempo não acha?

«E sim, o ateísmo é uma “resposta” ao tema “Deus”» Chame-se o que se quiser, trata-se da ausência de crença em deus, deuses, fadas, monstros das bolachas, monstro Adamastor, Pai Natal, etc, etc.

Não acha estranho se eu lhe dissesse que acredito no Pai Natal?

A resposta é: “Deus é tão provável como qualquer figura mitológica que possa imaginar.”
Não calculei probabilidade nenhuma. Não é possível. Mas o que é possível é dizer que ela é muito baixa. A probabilidade do Pai Natal existir é alta ou é baixa?

Eu sei que sobre Deus muitas coisas se escreveram, muito mais do que sobre outra personagem mitológica. Mas o facto da multidão correr numa determinada direcção não significa que ela seja a correcta.

A existência de Deus cai na categoria do “nunca será demonstrado”. Concordo consigo. Mas isso torna-o verdadeiro? Também não o torna falso, tudo bem…mas é improvável.

A “não existência de provas” não equivale a “ser falso”. Concordo consigo.

Relativamente ao meu exemplo dos extraterrestres eu imaginei que muitas pessoas considerem absurda a ideia, daí a minha expressão. Eu não considero a ideia absurda.

Fica a promessa que irei tentar ler o trabalho do Professor Michael Heller. Obrigado pela referência. ;)

5) Sim, até que alguém invente o telescópio ou o microscópio electrónico, estaria privado de uma realidade que é verdadeira. Mas se me tivessem dito: “Existe o Pai Natal! Existe o Monstro Adamastor!” Não lhe choca tanto que eu estivesse privado da existência destes dois pois não?

6) “Jogue com a sua raquete, mas jogue com a sua raquete em TODOS os jogos”
Tudo bem, era isso que eu pretendia.

Mas claro que aceito o que me disse, não há provas científicas: seria uma grande satisfação para mim que alguém me provasse se deus existe ou não.

Venha o ateu. Que me provem que deus não existe cientificamente. É um pedido.

Mas porque acreditar em deus enquanto não há provas que ele exista? O senhor acredita, tem alguma?

7) Use, por favor, os argumentos filosóficos e teológicos para provar que Apolo não existe.
Como sabe foi o Imperador Constantino que legalizou e apoiou fortemente a cristandade, mas também não tornou o paganismo ilegal ou fez do cristianismo a religião estatal única. A meu ver o que se passou nesse tempo teve muito a ver com pressões politicas e não resultou de uma conclusão sobre o assunto da religião.

8) Interpretei mal o que escreveu. A minha posição, que pode ser totalmente firmada racionalmente é a seguinte: «Não tenho a certeza, mas acho muito improvável deus existir»

9) Loth foi salvo porque era justo. As crianças, inocentes e animais não foram salvos porque? Ou não haviam crianças e animais em Sodoma? Não parece injusto matar a mulher dele apenas porque olhou para traz? (Confesso-lhe que esta passagem foi das que mais me impressionou quando eu era pequeno, fiquei horrorizado e com muito medo que a minha própria mãe tivesse o azar de olhar para onde não devia e transformar-se numa estátua de sal)

Amigo Kephas ou amigo Simão(?)… ;)

Deixo-lhe por ultimo, uma citação de Bertrand Russel e de Dawkins:

“Muitos indivíduos ortodoxos dão a entender que é papel dos cépticos refutar os dogmas apresentados – em vez dos dogmáticos terem de prová-los. Essa ideia, obviamente, é um erro. De minha parte, poderia sugerir que entre a Terra e Marte há um pote de chá chinês girando em torno do Sol em uma órbita elíptica, e ninguém seria capaz de refutar minha asserção, tendo em vista que teria o cuidado de acrescentar que o pote de chá é pequeno demais para ser observado mesmo pelos nossos telescópios mais poderosos. Mas se afirmasse que, devido à minha asserção não poder ser refutada, seria uma presunção intolerável da razão humana duvidar dela, com razão pensariam que estou falando uma tolice. Entretanto, se a existência de tal pote de chá fosse afirmada em livros antigos, ensinada como a verdade sagrada todo domingo e instilada nas mentes das crianças na escola, a hesitação de crer em sua existência seria sinal de excentricidade e levaria o céptico às atenções de um psiquiatra, numa época esclarecida, ou às atenções de um inquisidor, numa época passada.”

“A razão da religião reagir contra esta ideia, ao contrário da crença no Bule de Chá de Russell, é porque a religião é poderosa, influente, se auto-exime e sistematicamente é passada para crianças que são jovens demais para se defenderem sozinhas. Crianças não são compelidas a passar seus anos de alfabetização lendo livros insanos sobre bules de chá. Escolas públicas não excluem crianças cujos pais preferem formatos diferentes de bule. Os crentes no bule de chá não ameaçam com a morte quem não crê no bule, quem duvida do bule ou quem blasfema contra o bule. Mães não aconselham seus filhos a se casarem com mulheres que crêem no bule de chá celestial, tal como todos os seus parentes se casaram. Pessoas que misturam leite no chá não tem suas pernas quebradas por quem prefere o chá puro.”


Um grande abraço e bom 25 de Abril ;)

Alma peregrina disse...

Caro O império:

Antes de mais, não é Simão, é Pedro. Jo 1:42
;)

Os comments começam a alongar-se e a estender-se para domínios exteriores à nossa conversa. Existem muitas coisas que eu quereria referir, mas vou tentar manter-me no tema "Fé e Razão". Se quiser, poderemos passar à sua discussão noutros posts, noutras ocasiões.

1) No entanto, acho que, no tocante à Igreja, tal obriga-me ao seguinte esclarecimento.

Você disse:
“A Igreja Católica não é ela constituída, gerida, influenciada, construída, reconstruída por seres humanos?”

Exactamente, por isso a Igreja Católica comete erros, como o da Inquisição, etc…

Todavia, não é a Igreja Católica que se atribui a si própria o poder. Nós acreditamos que Jesus é (para tentar simplificar as coisas) uma encarnação de Deus e esse Deus ofereceu a Sua legitimidade à Igreja.

“Mas Jesus, aproximando-se, lhes disse: Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações; baptizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi.”
Mt 28:18-19

Deus também prometeu a essa Igreja que a conduziria sempre:
“Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo.” Mt 28:20

“Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” Mt 16:18

Isto não significa que a Igreja esteja livre de erro per se. A Igreja é formada por seres humanos. Mas a Igreja tem autoridade para ensinar, e o que é ensinado não está errado. A Igreja é infalível, mas apenas no domínio do ensino. Mas penso que isto, mais uma vez, está fora do nosso objectivo de discussão.

O que eu pretendo, é demonstrar as coisas de um ponto de vista racional. Antes do século IV, não existia Bíblia. Existia a Igreja. Como começavam a surgir muitas teorias que não se adequavam ao espírito da Igreja e que citavam uma série de fontes duvidosas (os chamados gnósticos), a Igreja procedeu a uma compilação de livros escritos pelos apóstolos e da Torah (que providenciaria o devido contexto ao Novo Testamento). Esta compilação visava ser uma fonte de referência objectiva para os debates teológicos presentes e futuros.

A Bíblia é aceite como a Palavra de Deus porque foi escrita pela Igreja e para a Igreja. Ler a Bíblia sem ter em conta a interpretação da Igreja é retirar-lhe toda e qualquer aplicabilidade e idoneidade.

Mas passando aos seus silogismos, cá vai:

1- A bíblia é a palavra de deus.
2- Deus é perfeito
3- A bíblia é INERRANTE (não contem erro, mas é, em si, insuficiente).

Agora, introduzo um novo silogismo:
A Bíblia precisa de uma interpretação.
Deus providenciou à Igreja a capacidade de interpretar infalivelmente a Bíblia.
A Bíblia precisa da interpretação da Igreja (a isto chama-se Tradição, o que não corresponde à tradição no sentido comum da palavra).

Retomando o seu silogismo, fica:
1 - A Bíblia é a palavra de deus.
2- Vocês não justificam os vossos actos com base no que está na Bíblia, se não for interpretada correctamente pela Tradição (que também contém autoridade divina).
3- Vocês não justificam os vossos actos com base na palavra de deus, se não for acompanhada de uma interpretação infalível.

E não, a Igreja não está a coarctar o espírito crítico. A Igreja raramente se pronuncia infalivelmente sobre um assunto (seja ele a Bíblia ou outro qualquer). O que a Igreja está a fazer é a tentar manter o espírito crítico dos seus fiéis, não os deixando deturpar totalmente a palavra.

Eu posso fazer a minha interpretação da Bíblia e você a sua, mas, quando as nossas opiniões são conflituantes, tem de existir um critério. A Igreja estuda a Bíblia há 1600 anos. Alem disso, a Teologia não é como a Filosofia. Requer um trabalho hermenêutico muito aprofundado e rigoroso. Eu devo dizer que fico pasmado com a riqueza intelectual que a Igreja Católica tem vindo a acumular ao longo dos milénios (riqueza essa que é consultada em todas as decisões doutrinais).

Eu vejo, na nossa sociedade actual, toda a gente fala da Ota e toda a gente tem a sua opinião sobre a Ota. Mas desses comentadores de bancada, quase nenhum é engenheiro, quase nenhum leu os estudos de impacto ambiental, quase nenhum sabe sequer como se constrói um aeroporto.

Se você vir duas pontes e souber que uma foi construída com a supervisão de um engenheiro e outra com a supervisão de um reformado com o 4º ano de escolaridade, qual é a que você atravessa? Muitas pontes projectadas por engenheiros já caíram! Mas ter autoridade, conhecimento e experiência num assunto ajuda a reforçar a idoneidade não é?

Como tal, para não alongar o post, e porque você disse esta frase: “É possível encontrar contextualização que torne qualquer afirmação, mesmo que aparentemente pareça horrível, numa alusão a uma moral melhor” --- eu não vou justificar mais passagens da Bíblia. Porque tudo o que eu lhe disser, lhe parecerá como se eu estivesse a tentar justificar-me, no lugar de lhe explicar o devido sentido e contexto das coisas. Antes de partir para esse ponto, tenho de lhe provar que a Igreja é idónea para interpretar a Bíblia.

2) Como me parece que estamos a entrar num jogo circular de “diga você primeiro… não diga você!” vou quebrar o ciclo. Vou-lhe fornecer argumentos filosóficos, teológicos e científicos (de acordo com o que me é possível fazer com base nos meus conhecimentos) sobre a existência de Deus. Começarei pelos científicos.

Relembre o que eu lhe disse. Actualmente, a Ciência consiste no seguinte: “O que se calcula é a probabilidade de os achados experimentais serem devidos ao acaso SE a hipótese for falsa.”

Pois bem, formulo a hipótese: “Deus existe”

Para já, é preciso calcular a probabilidade da geração espontânea de um universo por mero acaso.

Depois a probabilidade de esse universo conter leis naturais que sejam congruentes consigo mesmas, para que esse universo não se auto-destrua (uma espécie de selecção natural do universo).

Em seguida, a probabilidade de se gerar uma estrela e um planeta nas condições ideais para sustentar vida.

Probabilidade de se gerar vida.

Probabilidade de, essa vida, por selecção natural, originar um ser vivo racional.

Probabilidade de esse ser vivo racional compreender o conceito de Deus.

Agora, puxando a brasa para a minha sardinha (o catolicismo)…

Probabilidade de, num contexto de religião humana, todos os povos da terra adoptarem uma forma politeísta (que é relatado no Génesis, desde Noé até Abrão).

Probabilidade de, no meio desse contexto politeísta, surgir uma religião monoteísta (Que é o Judaísmo).

Probabilidade de o Judaísmo subsistir apesar de sucessivas conquistas (e recordo que o Judaísmo é das religiões mais antigas, com 1400 anos).

Probabilidade de surgir um indivíduo (Jesus) que, ao mesmo tempo, congregue toda a realização das profecias do Antigo Testamento e se afirme como Deus.

Probabilidade de esse indivíduo formar uma Igreja que subsiste, apesar de diversas perseguições e atribulações, durante 2000 anos.

Portanto, se a minha hipótese “Deus existe” pode justificar todos estes acontecimentos, qual é a probabilidade de se encontrar esta convergência apenas devido ao acaso?

Eu vou ser sincero, não tenho a capacidade de calcular rigorosamente todas estas probabilidades. Todavia, parece-me a mim que são muitas coincidências para serem devidas ao acaso.

Talvez, agora, eu consiga explicar-lhe melhor o que entendo por mundo sobrenatural. É irrefutável que todas estas coisas que eu referi aconteceram de facto. Você diz que, como não existe uma finalidade última que justifique tudo isto, esta conjugação de factores se deve ao puro acaso. Você atribui ao acaso este fio condutor da história. Eu concordo consigo, só que substituo a palavra “acaso” por “Deus”.

Devo dizer-lhe que eu não sei se é isto que Heller postula nos seus trabalhos. Limitei-me a ponderar este tema e a tentar dar-lhe uma resposta.


2)Agora, os argumentos filosóficos.

Agora vou eu jogar com a minha raquete ehehehehe. Portanto procure compreender a dinâmica lógica do que eu lhe vou dizer e não pedir provas científicas.

Imagine que somos dois caminhantes. Estamos completamente apetrechados para todas as intempéries e obstáculos que se nos possam aparecer. As nossas mochilas são a Ciência.

Eis que chegamos a um precipício. É impossível atravessá-lo, porque é muito grande. Você diz, bem… já que não podemos avançar mais, eu fico por aqui. O sítio onde estamos tem bons frutos e é aprazível.

Mas eu não me satisfaço. Eu digo:
“- Os nossos antepassados desceram das árvores em direcção à savana e foi aí que se tornaram humanos. Tiveram que enfrentar leões e outras feras, mas fizeram-no. Porque o espírito humano é precisamente isto. A sede de descoberta e verdade.

Depois, quando apenas tinham o mar pela frente, os nossos antepassados construíram caravelas e, deste modo, foram conquistando o mundo ao desconhecido. E, depois, com o mesmo espírito, construíram foguetões e foram à Lua.

Ora eu, chegado a este precipício, não me contento com o que já adquiri. Eu encetei esta caminhada para saber o que se estende no meu caminho. Não para ficar num lugar aprazível. Porque eu sou humano e para mim ser humano não é um estado de racionalidade, é um acto de descoberta (que pressupõe sempre algum grau de irracionalidade).”

Você: “Mas não vês que não sabes se do outro lado do precipício há mais alguma coisa? Para quê arriscar?”

Eu: “Pode não haver! Pode haver! Mais importante do que isto é seguir o meu instinto humano e cumprir a minha vocação nesta terra!”

Você: “Mas tu não podes usar nenhum destes apetrechos muito sofisticados para atravessar o precipício. Eles foram feitos para caminhadas e não para escaladas!”

Eu: “Então, no que toca a atravessar o precipício, não utilizarei os meus apetrechos. Vou tentar construir a minha ponte em direcção ao outro lado.”

Você: “Como vais tu construir essa ponte?”

Eu: “Vou usar o que aprendi de uns antigos que se especializaram a construir pontes!”

Você: “E como sabes que o conhecimento desses antigos é válido?”

Eu: “Porque estudei e pareceu-me lógico. Além disso, se eu quiser prosseguir na minha demanda pela verdade, alguma coisa tenho de construir.”

Pois bem, enquanto você permanece no lado de cá do precipício, usufruindo do melhor que a terra tem para lhe oferecer, eu começo a construir, muito morosamente, a minha ponte. Fracasso muitas vezes. Ponho em risco a minha integridade intelectual. Gasto a minha existência em algo que pode não ter qualquer resultado prático. Mas vale a pena! Porque tenho um sentido para a minha vida! Descobrir a verdade, por mais oculta que esteja, por mais que se iluda à comum ciência! Não posso permanece estático ante um desafio intelectual tão estimulante! Estou a cumprir a minha vocação! Estou a ser totalmente humano (por mais imperfeito e irracional que isso seja)!

E, quando eu tiver filhos, vou falar-lhes de como me sinto atraído pelo que estará do outro lado do precipício. E vou contar-lhes aquilo que eu já aprendi sobre pontes. Não lhes vou ensinar outras pontes, por que me compete ensinar-lhes aquilo que EU sei que realmente funciona! Os meus erros e os meus sucessos! Se eles quiserem, terão liberdade para construir as suas pontes alternativas ou até para permanecerem do lado de cá. Mas eu só sentirei o meu dever totalmente cumprido se for o seu educador. E, se você me disser “Por que empurras os teus filhos para essa busca sem Razão?” eu responder-lhe-ei “Porque, quando os nossos antepassados deixaram as árvores e enfrentaram a savana, cheia de leões e feras, eles levaram os seus filhos. Só assim eles permitiram que os seus filhos também comungasse da sua humanidade”


3) Finalmente, os argumentos teológicos.

Eu não disse que acredito na idade da Terra tal como é prevista na Bíblia. O que eu disse é que acredito em Adão e Eva. Aliás, as novas descobertas no genoma humano, particularmente no ADN mitocondrial (que é transmitido APENAS por via materna) aponta para a existência potencial de uma mulher da qual descende toda a raça humana. Vou então explicar-lhe a minha interpretação do Génesis.

Deus cria o Homem à Sua imagem e semelhança. Tal não significa que o Homem é igual corporalmente a Deus. O que isso significa é que o Homem possui uma capacidade inegável para imaginar, abstrair, raciocinar, modificar o universo em que se encontra… e amar. Deus (e todas as virtudes que Ele representa) é o cumprimento total da Humanidade.

Se Deus insuflou a alma (que é esse princípio que anima a Humanidade) em barro ou num macaco, é indiferente. O que interessa é que essa matéria previamente espiritualmente morta se converte num homem.

Depois, Deus cria a mulher a partir do homem. Talvez esse macaco tenha insuflado uma alma na sua companheira, ao excitar nela esses mesmos componentes de Humanidade. Aqui estão Adão e Eva.

No princípio, Adão e Eva conheciam a base da moralidade. Afinal de contas, todos nós temos a noção de que devemos ser “bons”. Essa “bondade” derivava da lei natural que Deus havia inscrito no coração desses hominídeos. Veja Rm 10:14-15

Todavia, em breve (e derivado do livre arbítrio que Deus concedeu à Humanidade, porque o Homem é feito à imagem e semelhança de Deus e Deus é totalmente livre), este casal viu-se tentado a rejeitar essa bondade natural e a “criar” a sua própria moralidade, racionalizando os seus vícios como potencialmente benévolos. A partir de então, esta atitude permaneceu inscrita na nossa Humanidade, até aos nossos dias. Ou seja, a nossa tendência para o mal, embora queiramos o bem. Isto é o pecado original.

É lógico que, a partir do momento que o homem rejeita essa moralidade natural que parece intrínseca (como “não matarás”) para tentar justificar o mal que ambiciona, a primeira consequência seja a rejeição de verdades morais mais fortes… talvez tenha sido aí que ocorreu o primeiro homicídio. É lógico que assim seja. História de Abel e Caim.

Compreende agora a minha necessidade de educar as minhas crianças na religião? A auto-suficiência moral pode ser perigosa. Os próprios gregos pagãos sabiam-no. Chamavam-lhe hybris.

Também é verdade que, a partir do momento em que se rejeita Deus, passamos a venerar as coisas deste mundo. Os pagãos adoravam as árvores, os rios, o Sol. Nós, actualmente, adoramos o dinheiro, as nossas carreiras, o poder, a fama. Tudo isto é idolatria. E a raça de Adão e Eva caiu na idolatria.
Nós devíamos adorar a Perfeição… e Deus é, como eu já disse, o ideal da perfeição humana. Com isto tento refutar o paganismo (Apolo). É natural que Deus tenha vindo em socorro da Humanidade quando as coisas se tornaram insustentáveis. Reafirmou a Sua Aliança (Abrão) e deu-lhes leis escritas para orientarem as pessoas (Moisés).

Mas o pecado original é demasiado forte e a Humanidade começou a subverter a Lei para seu benefício próprio e para obter a justificação do seu mal (os fariseus) o que fora o crime de Adão e Eva.

Então, Deus decide actuar pessoalmente e encarna em Jesus. É inegável que as pregações de Jesus fazem muito sentido até para um ateu. Porque Jesus é o cumprimento da Humanidade.

A prova de que Jesus é Deus é que, quando Ele se tornou materialmente presente, foi odiado e destruído (que foi a forma de os homens cometerem o pecado original mediante a materialização de Deus – foi a forma de O rejeitarem para seguirem as suas próprias concupiscências). É inquietante notar que até Platão, um pagão que viveu 200 anos antes de Jesus, diz na “República” que, se alguma vez, o homem perfeito surgisse na terra, ele seria insultado, cuspido, chicoteado e, finalmente crucificado.

Pois bem, este Jesus deu a Sua autoridade à Igreja para ensinar e guiar a Humanidade no caminho recto.

Enquanto no Judaísmo, a História está aberta (eles esperam pelo Messias e posso fornecer-lhe uma série de passagens bíblicas nas quais surge esta ânsia pelo Messias que há-de vir), no Cristianismo a História está fechada.

“Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema.” Gal 1:8

“Eu declaro a todos aqueles que ouvirem as palavras da profecia deste livro: se alguém lhes ajuntar alguma coisa, Deus ajuntará sobre ele as pragas descritas neste livro” Apocalipse (o último livro da Bíblia) 22:18

Como tal, não posso crer em mais nenhuma religião posterior.

Claro que eu simplifiquei demasiado as coisas. É impossível transmitir-lhe toda a riqueza que eu aprendi e descobri na religião (mesmo para a minha própria vida) Mas tentei transmitir-lhe o fundamental da minha escolha. Espero que aprecie o meu esforço.

Cumprimentos

P.S. O monstro das bolachas existe! Nunca viu a Rua Sésamo?
:)))))))

P.S.2: Ensinar judeus de há 1000 anos sobre a existência de dinossauros não era capaz de ser muito boa ideia, pois não? Nem sequer seria muito útil!
;)

O Império disse...

Caro Kephas ou Pedro (obrigado pela correcção) ;)

Realmente os comments começam a alongar-se e tenho a certeza que muito ficou por dizer de ambas as partes. De qualquer forma o que foi dito foi estimulante, (pelo menos para mim) quer para definir claramente as minhas posições, quer para perceber algumas das suas. E, embora eu continue a não acreditar em Deus, agradeço-lhe a conversa.

Vou apenas deixar uns comentários breves ao que disse.

1) “Mas a Igreja tem autoridade para ensinar, e o que é ensinado não está errado. A Igreja é infalível, mas apenas no domínio do ensino.” Não percebi exactamente o significado destas frases. Porque se for para interpretar literalmente, não concordo com ela. Muita coisa foi mal ensinada ou ensinada de formas diversas consoante o período da historia que se analise, devido a esta interpretação subjectiva da bíblia por parte da Igreja.

Também não concordo quando afirma que: “Deus providenciou à Igreja a capacidade de interpretar infalivelmente a Bíblia.” Pelas mesmas razões que referi. E se isto é verdade, eu passarei a ter a bíblia ainda em menor consideração do que tenho agora.

Passei a perceber a forma como encara a bíblia e a Igreja através das correcções dos silogismos que fez. Tendo ficado no entanto dúvidas relativas a conceitos básicos que introduziu tais como: “Tradição” e “interpretação infalível”… Porque a Igreja não é infalível.

Actualmente, a Igreja Católica reveste-se de maior racionalismo e moderação (segundo o que me diz), mas nem sempre foi assim e pode deixar de o ser no futuro.

2) - Argumentos científicos.

“Você diz que, como não existe uma finalidade última que justifique tudo isto, esta conjugação de factores se deve ao puro acaso. Você atribui ao acaso este fio condutor da história.” Não concordo e não foi o que escrevi. Não se trata de acaso em nenhuma situação que descreveu.

Pelo que percebi você é biólogo, e como biólogo deve saber que a teoria da evolução não tem nada a ver com o acaso.

A probabilidade de aparecer vida num planeta como o nosso pode ser muito mais elevada do que nós pensamos. Pois planetas como o nosso podem ser muito mais frequentes do que nós pensamos (tal como parecem indicar descobertas cientificas relativamente recentes).

Repare que as frases que escreveu sobre probabilidades podem ser empregues a muitas situações e a muitas personagens. Desde o Islamismo ao Budismo, desde Maomé a Buda (embora este caso seja diferente). E em todos os casos se pode começar com a hipótese: “ Deus existe” ou “ Deus não existe e foi uma invenção do Homem, mesmo que seja uma invenção instintiva.” Ambas podem justificar todos estes acontecimentos.

Dou-lhe no entanto o crédito pela coragem intelectual de tentar utilizar estes argumentos.

Relativamente aos argumentos filosóficos: concordo com tudo o que disse. Tudo.
E eu iria consigo tentar atravessar o precipício mas com motivações diferentes da sua, sem acreditar em deus.

Essa ânsia humana de descobrir, tudo o que nos maravilha, tudo o que nos parece ultrapassar, poderá eventualmente nascer em nós próprios e não nos ser oferecido por uma inteligência divina. Temos que dar mais crédito e valor ao que é realmente do Ser Humano e não de um Deus que não se manifesta ou pelo menos que não se manifesta de forma inequívoca.

3) Argumentos teológicos.

Percebi a sua sensibilidade em relação à religião católica.

Relativamente à sua frase “A auto-suficiência moral pode ser perigosa.” Concordo consigo e não acho que as crianças devam aprender sozinhas. Digo-lhe apenas que a moralidade das pessoas evolui ao longo dos tempos. Há apenas 50 anos, 50% da população inglesa era racista pelos padrões morais de hoje (Dawkins). Além disso, antes disso, as mulheres eram seres humanos de 2ª categoria em muitas questões da nossa sociedade.
Embora eu admita que a nossa moral actual tem uma forte componente judaico-cristã, esta evolução da moral realiza-se independentemente da religião.
E por fim, repare que Jesus não foi o primeiro a transmitir os valores morais que transmitiu, veja o exemplo de Buda. Veja o exemplo do Budismo (embora há quem não o considere uma religião mas sim um sistema de valores).

Por fim, agradeço-lhe mais uma vez o seu esforço em me explicar o seu ponto de vista. E tenho a perfeita noção que não é possível tanto da sua parte como da minha expor os nossos pontos de vista de uma forma completa apenas com algumas palavras, trata-se de assunto muito denso.

Não deixe de se interessar e de cultivar a curiosidade sobre outros pontos de vista, tal como eu também o farei.

Irei ler todas as referências que me forneceu sobre “Fé e razão” e aconselho-o (sem pretensiosismo nenhum) a fazer o mesmo relativamente às referências de autores e pensadores ateus (especialmente Richard Dawkins).

Um abraço.

P.S.: Sim tem razão, estive a pesquisar recentemente e o monstro das bolachas existe e foi criado por Jim Henson, um ser humano. Está provado… Retiro o que disse sobre o monstro das bolachas… :) :) :)

P.S.2: Discordo consigo. Seria tão útil para eles na altura como o é para nós hoje em dia: um catalizador de consciência. :)

Alma peregrina disse...

Caro O Império:
Tem razão, a conversa foi extremamente estimulante e apreciei esta troca de ideias.

O meu objectivo não era convertê-lo, mas fazê-lo compreender que Fé e Razão não se excluem, são apenas duas faces complementares da mesma Humanidade. Deste modo, não é obrigatório que um indivíduo religioso esteja a ser manipulado pela Igreja ou por outra qualquer instituição. Na verdade, a Igreja agradece que os seus crentes adquiram uma ginástica mental que lhes permita, em qualquer ponto da sua vida, tomar as decisões correctas com base em certos pressupostos morais.

Penso que fui bem sucedido no meu objectivo, porque devo concluir que é impossível manter um diálogo tão prolixo e extenso se um dos interlocutores fôr (totalmente) irracional.

Segundo depreendi, você utiliza conceitos científicos derivados do Círculo de Viena... pelo que a sua perspectiva sobre este tema é iminentemente técnica e puramente científica.

Eu uso os conceitos de Popper que, apesar de tudo, estão mais actualizados, embora tal me leve a resvalar numa perspectiva mais holística sobre o tema "Deus".

Gostaria apenas de o elucidar sobre a perspectiva da Igreja no que diz respeito ao seu modo de funcionamento.

Tradição corresponde ao depósito intelectual que compreende todas as interpretações da Bíblia desde os Apóstolos até aos dias de hoje, em todo o Mundo. Nesse sentido, torna-se mais fácil contextualizar, tornando mais difícil toda e qualquer deturpação.

O processo é o seguinte.
1) Formulação de uma hipótese (teológica)
2) Procura de argumentos (favoráveis e desfavoráveis) na Bíblia
3) Consulta de todas as interpretações passadas e presentes dos excertos da Bíblia seleccionados.

Convém salientar que nem todas as "interpretações" (ponto 3) têm igual peso. Algumas são consideradas "infalíveis" ou seja, guiadas por Deus. Como tal, todo e qualquer trabalho teológico não pode contradizer essas "interpretações infalíveis". Todavia, essas "interpretações infalíveis" são bastante raras (bastante mais do que as pessoas pensam).

Constituem "interpretações infalíveis" as seguintes:

1) Declarações do Papa ex-cathedra (das quais apenas conheço o Dogma da Imaculada Conceição e o Dogma da Assunção de Maria).

2) Documentos produzidos em Concílio Ecuménico (p.e. o "Credo" foi proclamado no Concílio de Niceia I).

3) Uma doutrina que tenha, em algum momento, sido unanimemente ensinada por todos os bispos (extremamente difícil de provar, excepto nalguns casos)

Se a nossa hipótese não contradisser nenhuma destas "interpretações infalíveis", pode encontrar argumentos favoráveis/desfavoráveis noutros pontos da Tradição: salientam-se as encíclicas papais e os escritos dos Doutores da Igreja e dos santos. Estes argumentos têm um grande peso e devem ser levados em conta. Todavia, não são infalíveis e, como tal, podem ser contraditos.

Como vê, o processo é extremamento moroso e complexo, pelo que é fundamental que este trabalho seja realizado por "peritos" no assunto.

Todavia, dado que podem advir muitas hipóteses teológicas verosímeis sobre o mesmo tema, este processo não é totalmente científico. Deste modo, a Teologia encontra-se, em termos de exactidão, a meio caminho entre a Ciência e a Filosofia. Por isto mesmo eu não confio na Filosofia para responder à questão "Deus". Quando a Ciência não é capaz de responder, prefiro a Teologia à Filosofia.

Deste modo, a Igreja permite o debate entre hipóteses diferentes e até antagónicas e têm, ao longo dos séculos, surgido muitas discussões interessantes. Contudo, se tais debates ameaçarem a integridade da Igreja, abrindo caminho a um Cisma, esta é obrigada a pronunciar-se "infalivelmente".

É por isso que as interpretações infalíveis são tão raras... a Igreja respeita o espírito crítico dos seus crentes até ao limite.

É também de notar que esta infalibilidade apenas se aplica em questões doutrinais. Ou seja, de fé e moral. Você está a pensar provavelmente na Inquisição e numa série de crimes que a Igreja cometeu ao longo dos séculos, mas a verdade é que a Igreja não é infalível em termos de acções. Ela comete erros. Muitos erros. É humana e tal nunca foi negado, nem nos primórdios.

A moral e a fé que a Igreja têm apregoado desde o tempo dos Apóstolos tem-se mantido surpreendentemente constante. A forma como a Igreja tem aplicado a sua própria doutrina (infelizmente) não. Mas, para o convencer disso, precisaria de me introduzir num tema particular e, por hora, penso que é melhor terminar (também para não aborrecer demasiado o Confessionário).

Também é de notar que este processo permite uma notável capacidade de actualização da doutrina e de evolução. A Tradição raramente "encerra" totalmente a discussão sobre um dado tema. O que acontece é que as hipóteses teológicas não evoluem "contra" mas "a partir de".

Quando você ler Fides et Ratio, provavelmente irá encontrar esta estrutura. Numa primeira fase será formulada uma hipótese (provavelmente: "Fé e Razão excluem-se?"). Depois encontrará uma série de excertos bíblicos sobre o tema, acompanhados das interpretações dos mais iminentes sábios da História da Igreja. Finalmente, virá a própria opinião do papa João Paulo II, com base em todos os achados descritos. De notar que, sendo Fides et Ratio uma encíclica papal, não é, em si mesma "infalível".

Se quiser, poderemos, um dia destes, reatar um novo debate sobre um outro tema. Mas penso que por agora chega, até porque vou ter a minha Queima das Fitas para a semana, seguida de uma outra semana de exames. Tenho de repousar a minha mente de todos estes altos vôos intelectuais.

Quanto a Dawkins, talvez o leia, mas tenho de o avisar que estou no meu último ano de curso e não posso ler tanto como quereria (até porque tenho, na lista de espera, mais 6 livros, um dos quais os "Irmãos Karamazarov" :P)

Cumprimentos.

Alma peregrina disse...

P.S. A teoria da evolução não tem nada a ver com o acaso, mas as mutações genéticas que induzem as características que serão seleccionada sim.

Lisa's mau feitio disse...

Padre...
Pode trazer mais pipocas para mim? Isto vai tão longo que eu já comi aquele balde enorme que trouxe quando eu me vim aqui sentar...

:)

Lisa

Anónimo disse...

Acreditam em Adão e Eva?


Anda tudo doido.

Confessionário disse...

Não percebi essa do Adão e Eva!!!

Penso que qualquer cristão consciente sabe que é uma história!!

Acredita-se no acto criador de Deus, que do nada faz...

O Império disse...

Caro Kephas:

Li o que escreveu e como sugeriu: voltaremos um dia a conversar.

Boa sorte para os exames! É a unica parte da faculdade de que não tenho saudades... ;)

Um abraço

AlexandraVSantos disse...

Debatemo-nos com as mesmas questões....
www.riovide.blogspot.com

Anónimo disse...

Quando vier o Natal, vou pedir ao Menino Jesus um computador muitu gande e bem embrulhado!