segunda-feira, novembro 20, 2006

Mandei-lhe rezar pela outra

Desabafou do alto do seu lenço preto e carcumido. Veja bem que ela partiu um dos vasos da minha escada. E batia-me no braço, para ter a certeza que me chamava bem a atenção. Repetidamente. Mais do que eu queria. Ainda me estragou umas floritas que tinha por lá, deixando os restos destas na porta. É ruim ou não é? Eu não lhe posso perdoar nunca. Diga-me que devo fazer, senhor padre. Embora ela já tivesse a resposta porque sabia que não ia perdoar, que não queria, que esta era a forma de agir perante a ocasião, eu tentei, óh se tentei, que ela manifestasse um gesto, uma qualquer unhazita de perdão. Nunca. E não recorda como Deus faz? Como Jesus fez? perguntei e respondeu. Lembro, senhor padre. Mas ele era santo. E torna-me a bater no braço, com os dentes, embora poucos, a bater também num sorriso matreiro. Para não divagar muito da sua questão, não lembrei que todos devíamos caminhar para a santidade. Ele não quer que a gente seja burro, e costumo dizer que se uma pessoa não merece a nossa confiança, não devemos conceder-lha. Mas isso é muito diferente de não perdoar nem abrir um espaço ao amor. Que não, que nunca. Queria que eu lhe sossegasse a consciência, e queria colocar na minha boca as suas palavras. Queremos sempre que os outros nos digam o que queremos ouvir e não o que precisamos. Já sem saber que fazer, mandei-lhe rezar pela outra, a pessoa que a prejudica. Ai senhor padre, o senhor tem cada uma! Está bem. Vou rezar. De novo no braço. Olhe, insisti, reze pelo menos uma vez por dia até fazer um mês. Está bem. Quase me piscou o olho. O que a senhora não sabia é que ao lembrar-se tanto dela e ao rezar tantas vezes por ela o seu coração começaria a abrir-se a Deus e ao perdão. Ela julga que a oração vai modificar a outra. Porém mais facilmente modifica quem reza. Pelo menos espero, que eu não sou propriamente vidente. Da oração, usufrui mais a pessoa que a faz que a pessoa por quem se faz.

26 comentários:

mi disse...

olá padre,
tomei nota do conselho, a partir de agora vou tentar rezar pelas últimas criaturas por quem me apetece rezar!
assim, Deus ajuda-me a perdoar, a PAZ cresce e ficamos todos a melhor!
obrigada pelos ensinamentos.

1gota disse...

Gostei... :)
Porque nunca tinha pensado nesta prespectiva do "rezar pelos outros".

Ver para crer disse...

Boa tarde.
Bem escrito, como é costume.
E retrata tantos de nós que dizemos amar a Deus. Mas amar a quem nos faz mal é mais difícil!...

Anónimo disse...

Ó senhor padre...
esse braço é que deve ter ficado com uma valente nódoa negra :P

joaquim disse...

Não é "vidente" e ainda bem, mas posso confirmar o que afirma no seu texto.
Recentemente, de há três quatro anos até o ano passado, sofri provações que não desejo ao meu pior "inimigo", que me afectaram a mim e à minha familia.
Foram vários os "causadores" dessas provações, mas havia um, especialmente que se pode dizer "encabeçava" todos os outros.
A minha dificuldade em perdoar era, compreensivelmente, muito grande e então começei a rezar diáriamente por essa pessoa.
Ao principio quase me "violentava" para o fazer, mas com o tempo, a paz foi-se instalando no meu coração, por graça de Deus, claro, e hoje em dia não sinto qualquer ressentimento e acredito que se essa pessoa precisar de mim a ajudarei sem grandes problemas.
Mais, essa pessoa não é um cristão "praticante" e eu tomei a "meu cargo", rezar todos os dias por ela, para que o Senhor faça o que for de Sua vontade, sem me "interessar saber" o que irá acontecer, está nas mãos de Deus.
Por isso confirmo, se mo permite, dizendo que é muito bom rezar por aqueles que nos fazem mal, quanto mais não seja para nós.
Abraço em Cristo

Elsa Sequeira disse...

Amigo!!!
Pois eu já conhecia o truque...mas, é sempre bom recorda-lo!!Eu rezo sempre pelas pessoas que se "portam mal comigo", sem razão!!! E garanto-te que tem resultado, para mim e para elas!!!
Mas...a senhora do post, também era meio "atravessada"...então era só um vasito de flores!! Quem me dera que me tivessem partido os vasos todos...e não se tivessem " portado mal" comigo!!!

Beijinhos!!!

:))

Anónimo disse...

Já me aconteceu... talvez sem tanto azedume... talvez com um pouco mais de boa vontade... mas sem dúvida com a mesma dificuldade de perdoar. E a receita foi a mesma...trazer a pessoa ao pensamento na oração! E sabe que resultou, resultou mesmo! Hoje não sinto vestígios de mágoa e isso é tão bom para quem perdoa. É uma sensação de alívio tão libertador! Pena é que nem sempre encontremos quem incentive. O Padre é cada vez
mais necessário se for atento, compreensivo e firme.
Um abraço

Confessionário disse...

Fá, acho que se devia dar uma oportunidade à avó, e depois fazeer género exame à neta. Mas acredita que às vezes paga o justo pelo pecador. Têm de haver algumas normas para que não haja abuso. Cada casoo pode ser um caso. Mas não deixa de ter de entrar em algumas normas. Eu, para te ser sincero, já tive casos idênticos e entreguei as crianças a uma catequista para lhe dar formação extra. Mas não se podem retirar da catequese ou do catecumenado. É essencial conhecer para amar!

Lai disse...

Gostei bastante deste post!
E concordo 100%. À mediada que oramos pelos outros o Amor de Deus derrama-se em nosso coração...

Tb é um conselho da propria Palavra de Deus:
Luc 6:28 - Bendizei os que vos maldizem, e orai pelos que vos caluniam.

Desejo-lhe uma boa semana cheia de oportunidades de Deus
Lai

Maria João disse...

Essa perpectiva da oração é muito boa.

Obrigado! Como sempre, as tuas palavras ajudam-nos na nossa caminhada.

Um abraço em Cristo

Andante disse...

Rezar pelos que nos tratam mal é difícil!
Também já tomei o remédio, mas a amargura custa mesmo a passar...
Parece tão fácil dizê-lo, mas é tão difícil fazê-lo!
Dá a impressão que, antes de amolecer, a causa do mal-estar ainda aumenta mais, até que lentamente vai cedendo para chegar ao perdão, primeiro, e à reconciliação, depois.

Obrigada por mais uma partilha cheia de sabedoria.

Beijos peregrinos

Anónimo disse...

Nem tudo é perdoável.(Aos doentes mentais sim)
Para mim simplesmente perdoar é apenas benéfico para o próprio.

Julgo que o ideal é as pessoas exporem os seus pontos de vista de forma aberta e sincera.
Partindo destas premissas, julgo que há maior possibilidade de uma das partes, ou mesmo as duas, aprenderem com as suas falhas e alterarem as suas atitudes.
Deste modo, será possível recuperar a amizade e confiança no outro.

Eu só consigo perdoar e olhar o outro bem nos olhos, depois de lhe dizer exactamente o penso. Não tenho dificuldade nenhuma em pedir desculpa. E só assim!

teodora

Anónimo disse...

A música de entrada é bem fixe!!!
Gostei!... :)

Unknown disse...

Rezar nunca fez mal a ninguém... pelo contrário :)
Abraço,
JP

Paulo disse...

E são nesses trocadilhos que algumas pessoas aprendem a amar aquelas que "odeiam"

Anónimo disse...

Senhor Padre, ao ler o seu texto, suscitou-me uma dúvida interessante que passo a expor: "Da oração, usufrui mais a pessoa que a faz que a pessoa por quem se faz". Gostaria que me explicasse esta frase com o comportamento de Jesus Cristo quando rezava diariamente durante longas horas. Será que Ele precisava assim tanto, ou, permita-me a brincadeira obviamente sem maldade, gastaria muito aos 100???

Confessionário disse...

Anónimo, imagino que essa domparação dos 100 tenha a ver com ocombustível de cada um, certo?!
Pois repara que Ele não precisa propriamente de combustível...heheh
Mas, para responder à tua questão, lembro apenas que a oração não é um "pedir coisas". Nem sequer é apenas um "pedir forças" (mas tb é, claro). A oração é um diálogo com Deus. os diálogos estreitam as relações. Logo, a pessoa estreita a sua relação com Deus Pai. Logo, a oração de Jesus era espelho da Sua relação com o Pai... Nesse diálogo Ele buscava forças... e não só...

Goldmundo disse...

Tem graça, nunca duvidei de que Jesus Cristo precisasse de rezar, muito. "Sentirás, como um homem, a totalidade do sofrimento de um deus".

É por estas e por outras que não entendo bem a imagem do Jesusito-alegrito com que agora tantas pessoas se entretém.

Anónimo disse...

Goldmundo!
Não percebo como perdes o teu tempo por estas paragens... É que por aqui costumam parar os que se entretêm a falar de Jesus!
Acredita que não gosto de ser irónica mas achei o teu comentário de mau gosto. Magoou. Temos que respeitar as convicções de cada um; de outro modo é difícil conviver.
Um abraço

Confessionário disse...

Fá, não interpretes mal o Goldmundo. parece-me que a perspectiva dele não era irónica. Antes uma forma de ver... Acredita que o Goldmundo sempre foi (em tempos) um penitente assíduo deste espaço co perguntas e dúvidas de quem estava super-hiper-mega (como diz a outra) interessado, honesto e verdadeiro...
Posso estar errado, mas penso que não foi intenção dele faltar ao respeito.
Um grande abraço...

Goldmundo disse...

Obrigado, Confessionário. Não era irónica, pois não. Referia-me, concretamente, à interessante pergunta sobre a "necessidade de rezar" de Jesus. E ao mistério do sofrimento.

E sim, Fá, há coisas que magoam.

Anónimo disse...

Há dias, ofendi muito a minha maior amiga. O mais grave, é que a ofendi com plena consciência. Como somos fracos... deixei-me envenenar por outrém. Mas foi por pouco tempo, depressa caí em mim e logo me apressei a pedir perdão a quem tantas provas tem dado da sua amizade. Pedi perdão com grande arrependimento e não descansei enquanto não obtive resposta. Telefonou-me e disse que não só me perdoava como gostava muito de mim (qual Deus sempre disposto a perdoar-nos e nem por isso a deixar de nos amar). Não sei qual das duas ficou mais contente. Isto só para contrapôr um pouco ao que a todora pensa. Abraço a todos e uma boa semana.
Filó

Anónimo disse...

Voltei atrás para reler...
"Sentirás, como um homem, a totalidade do sofrimento de um deus".

Está tudo dito! E bem(dito)!

Ao Goldmundo peço desculpa.
Ao Padre agradeço por me ter chamado à atenção. Quantas vezes erramos, somos injustos sem sequer nos darmos conta.
Para todos um Santo Domingo

Confessionário disse...

Boa, Fá... Beijinhos. Todos erramos e o melhor que existe é odermos remediar e pedir desculpas. Espero que O Goldmundo te leia... se não, sugiro que lhe digas no blogue dele. heheh

Goldmundo disse...

:) Um abraço em Cristo, Fá.

Bom, e outro para ti, meu Padre :)

Anónimo disse...

Então como eu quero bem aos outros mais do que a mim mesma, vou pedir que rezem antes por mim do que eu rezar por eles, assim podem usufruir mais do que eu. Sou benemérita! :)