quarta-feira, novembro 15, 2006

A Joaninha

A cidade estava aberta. O café estava aberto. A mesa também. Avistei-os no meio do fumo. Conheça aqui este casal, insistiram os dois, em sintonia de ideias. Eram dois jovens lá da paróquia. Estudantes. Cumprimentos aparte, assuntos triviais. Um café para amargar ou para incentivar a vida. Gosto muito dos três. O café, o amargo e a vida. O casal era um casal de professores. Os meus paroquianos admiravam as suas aulas. Mais que as missas, suponho, pois que não os via por lá amiúde. Eu também não consigo perceber muito bem quem está ou não está na missa. E o que é estar ou não estar na missa!? Mas eles não iam. Eu sabia. Das aulas justificaram que eram muito abertas. O assunto era política, ou o país, que as coisas vão-se confundindo. Meio revolucionários, que essa palavra é inexplícita ao falar de jovens, queriam ouvir opiniões dos professores. Eu não falava. Mas agradava-me que se discutisse algo importante. É que geralmente o governo dispara assuntos para desviar a atenção do essencial, e estes jovens não surfavam nessa onda. Estava neste pensamento quando surge um assunto dos tais, dos paralelos. Lá se vão por água abaixo os meus pensamentos. IVG. Interrupção voluntária da gravidez. Que acha stôr? IVG. Que nome tão interessante, pensei. Dizer interromper quando é terminar. Dizer voluntária quando se defende que é condicionada. Dizer que é voluntária porque é da vontade do próprio, mas o verdadeiramente próprio não é tido nem achado. A única palavra certa era a gravidez. Não retroquei. Deixei avançar o diálogo. O casal insistia, com um sorriso apenas, que a vida era um dom. Acolhiam os jovens para meu espanto. Nada agressivos. A confusão deles era grande. Os jovens foram-se encolhendo. Falou-se da vida no início da fecundação. Então os jovens lembraram alguns casos especiais. E se o feto tiver anomalias? Se se provar que o embrião tem uma deficiência? A esposa olhou o marido e este a esposa. Eu olhei ambos. Houve alguns segundos de espera. Respirei. Os jovens também se olharam. Foi a mãe que falou, a esposa. Vamos revelar-vos um segredo. Quando estava grávida da nossa filha mais velha, a Joaninha, após uma ecografia, foi-lhe diagnosticada trissomia 21. A princípio foi aflitivo. Houve quem nos aconselhasse o aborto. Não conseguimos, porque desejávamos imenso a Joaninha. Não foi nem é fácil. Mas pode-se ser feliz ao lado da Joaninha. Nós somos, e todos os dias agradecemos a Deus, eu e o Manuel, pela confiança que Ele depositou em nós para cuidar da Joaninha.
Engolimos estas palavras em seco e ficámos sem elas. Os jovens porque se sentiram desarmados. Eu porque me senti pequeno.

16 comentários:

Paula disse...

os professores sem responderem directamente...disseram tudo!!!

Que dizer mais...

Anónimo disse...

Adoro o termo IVG... Pela sinceridade! ahahahaha

Elsa Sequeira disse...

Amigo!
Eis aqui um grande testemunho de coragem, de força e de AMOR!!!
Muito Lindo!!!

Beijinhos!!!
:))

mi disse...

admiro imenso essas pessoas!

Maria João disse...

As crianças com deficiência necessitam de mais atenção, mas isso não significa que a sua vida não tenha valor. Na minha opinião, a sociedade tem poucos conhecimentos sobre a deficiência e acha que as pesoas com necessidades especiais não conseguem ser felizes e fazer os outros felizes. Mas, isso não é verdade.

E depois lá se vai acabar (não interromper) com a vida deles. Nem há tempo para conhecerem este mundo.

Felizmente que há casais corajosos como este e que são um exemplo. É pena que estes exemplos não apareçam nos media. Pelos vistos é preferível aparacer alguém a sorrir e com uma t-shirt a dizer "Eu abortei!". Como se todas as mulheres que abortam o fizéssem de ânimo leve...

bjs em Cristo

A Flor disse...

Qualquer criança é uma benção de Deus! Qualquer uma... independentemente da sua forma física... mental... é uma benção de Deus! E aprende-se TANTO, MAS TANTO COM ESTAS CRIANÇAS!

Eu tenho um afilhado, o David, com 28 anos, que frequenta a Cerci. A sua vida ... tem sido abençoar a nossa!

Deus conhece-nos desde o ventre de nossa mãe.... logo conhece-nos como somos e ama-nos como tal! :D

Um beijinho no amor de nosso Senhor Jesus Cristo.

Um dia cheio de amor, paz e harmonia para todos os que por "aqui" passarem!

Flor :D

Anónimo disse...

Gostei mt de visitar este blog. Parabens pela iniciativa. o conteudo está excelente...

Confessionário disse...

Anónimo, tenho andado a pensar no que quererias dizer ao afirmar que gostavas do termo IVG... e ainda não percebi...

Confessionário disse...

Obrigado, Domingos Faria. Volta sempre.

Ver para crer disse...

Parabéns. Deixaste aqui um bom exemplo de amor.
Um abraço.

Anónimo disse...

Era uma ironia! É mais chique...mais "cientifico"... mais progressista... menos dramático e menos verdadeiro que simplesmente ABORTO!

Confessionário disse...

ahhh. Já percebi. Pois...

João Moutinho disse...

Gostei da visita ao meu blog e ainda mais do seu post, está muito interessante. Até porque acho ue estamos a acaminhar para uma sociedade cruel, sem lugar para os menos abonados - podendo vir ser legalizado o seu não nascimento.
Vou linkar o seu blog - caso não veja inconveniente.

Confessionário disse...

Claro que estás à vontade, amigo. Eu fui visitar o teu blogue exactamente porque gostei do que li num comentário que deixaste algures...

123 disse...

olá tudo bem olha ve se podes ir ao meu gostei muito do teu post

Anónimo disse...

Tive um sobrinho com Trissomia 21.

Nunca vi criança mais rodeada de amor, que desse tanto amor, (ao seu jeito, claro), que provocasse tanto a união da familia, como aquela.

As familias que conheço e vivem esta situação, são igualmente familias unidas no amor às suas crianças.

E as crianças são felizes, e as familias também.

Porque será? Deverão ser, passe o termo, as "compensações" de Deus.

Abraço em Cristo