domingo, setembro 07, 2025

o suicídio e o padre que é um ser humano

Segundo informações da agência UcaNews, a Igreja católica na Índia deparou-se, nos últimos cinco anos, com o suicídio de, pelo menos, treze padres, o que dá uma média de um suicídio a cada seis meses. Segundo dados apresentados pelo padre Lício de Araújo Vale, de agosto de 2016 a junho de 2023 tinham-se suicidado no Brasil quarenta padres. Em março de 2023 o jornal Correio da Manhã dava conta do suicídio de treze padres em Portugal. Sabe-se que a sociedade hodierna potencia personalidades fragmentadas, depressivas e emocionalmente débeis. No entanto, torna-se difícil entender que alguém que vive do sagrado e de uma fé que está enraizada na esperança da ressurreição se deixe apanhar numa rede de desespero que conduz ao suicídio. Torna-se difícil aceitar que alguém que descobriu a vida como um dom de Deus decida, em desespero, terminar com esse dom. 
Vários estudos apontam para factores de risco como o stresse, a solidão e a cobrança desmedida. Dos padres quase toda a gente espera a perfeição, a presença constante, uma vida exemplar. Ainda há quem pense que um padre deve ser infalível, impecável, imperturbável, um super-homem protegido pela fé ou um anjo travestido de ser humano. Os padres são seres humanos e, como tal, com fragilidades, limites, necessidades, desejos de pertença e de compreensão. Se é certo que precisam de alimentar uma vida espiritual intensa que ilumine a sua vida e missão, também é verdade que isso não os isenta da sua condição humana e das mesmas lutas emocionais do ser humano. Num tempo em que se espera que um número mais reduzido de padres faça o mesmo que se fazia há dezenas de anos e, consequentemente, com o multiplicar de solicitações, é normal que também eles se deixem enredar na trama do stresse, restando pouco tempo para tratar da sua vida pessoal e saúde mental. Ainda por cima, a sociedade continua a exigir-lhes uma perfeição que não existe e não têm companhia nem encontram facilmente ombros amigos com quem desabafar e partilhar a sua vida diária, preocupações e dificuldades. O padre é um ser humano!

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A síndrome de Burnout e os padres"

quarta-feira, setembro 03, 2025

abandono [poema 399]

quando o som da tua voz faz eco em mim 
quando as tuas palavras se juntam e crescem por dentro 
vejo apenas a forma dos teus lábios 
e o desenho de um beijo que se torna eterno... 

aperto no peito a cor dos teus olhos, 
quando o tempo se veste dessa mesma cor 
e tudo em redor parece o teu olhar, 
quanto te procuro sem te ver, mas te vejo por dentro... 

o tamanho dos teus braços não tem tamanho 
são apenas um abraço e o cobertor 
numa manhã que parece noite 
num dia de verão que parece inverno 
numa brisa que parece uma tempestade 

numa chuva que me escorre no rosto 
 
e a soluçar me diz: estou vivo e tu não morrerás 
em mim

quarta-feira, agosto 27, 2025

O baptismo do urso panda


A criança foi a baptizar e os pais não esqueceram nada do que seria necessário para a cerimónia. Por isso adquiriram uma caixa com uma vela, uma concha, uma toalha de linho e mais alguns adereços que nem sei bem para que servem. Na verdade, há lojas criativas que lucram com algum marqueting à mistura. Não perguntei quanto custara a caixa, que não me senti desavergonhado o suficiente. Mas quis saber porque é que a toalha tinha bordado um urso panda e a vela tinha um laço com um urso panda estampado. A mãe respondeu que a criança gostava muito do urso panda.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Deus de folga"

domingo, agosto 24, 2025

as notas nos santos

A procissão ocorreu longe das minhas comunidades e da minha diocese. Por estas bandas, depois da insistência de um dos anteriores bispos e do esforço enorme de muitos padres, a prática de colocar notas penduradas nos andores ou imagens dos santos, foi amplamente superada. Conheço regiões do país onde isso ainda é prática corrente e onde até se tem de parar a procissão cada vez que alguém se lembra de colocar uma nota no andor. A necessidade de mostrar que se dá e quanto se dá esquece o paradigma evangélico do não saiba a tua mão direita ou que dá a esquerda. Mas a Igreja que repete as palavras do evangelho é a mesma que alimentou ou foi permitindo estas práticas. Sabe-se lá porquê. Ou até se sabe, mas é melhor não o dizer. A procissão, como referi, ocorreu longe das minhas comunidades, mais propriamente numa diocese onde o bispo e os colegas padres estão agora a tentar acabar com esta prática. O bispo, com argumentos teológicos, evangélicos, pastorais, cívicos, e outros que tais, decretara há uns meses a proibição de colocar notas nos andores e nas imagens dos santos. Ora, na referida procissão teve-se em conta o decreto do bispo. Contudo, como este não fez senão alusão aos andores e imagens dos santos, naquela procissão colocaram meninos vestidos de santos como antigamente, por causa da tradição, com fitas para as pessoas colocarem notas.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Os contactos do Vaticano"

quarta-feira, agosto 20, 2025

O estranho lugar do sacrário

A menina estava entusiasmada com a missa. Ouvira a avó falar coisas bonitas de Jesus e queria saber mais. Pedira à mãe para a levar à missa da avó que visitava agora nas férias. Lá onde mora, longe, os meninos não costumam ir à missa. Pelo menos, ela não sabe se vão, porque a mãe e o pai não vão e não a levam para saber se os meninos vão. Trabalham muito e precisam descansar. Por isso estava entusiasmada com a missa onde estava o Jesus da avó e perguntava coisas à mãe enquanto o padre dizia umas palavras e a missa decorria. Perguntava sobretudo onde estava Jesus. E a mãe apontara para a píxide com as hóstias consagradas. E se era tudo muito estranho, mais estranho ficou quando o senhor padre levou a píxide para o sacrário bonito que a igreja tem, com umas luzes incrustadas por detrás de um vidro fosco. E a pergunta veio depressa: o padre vai por Jesus no microondas?

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Gostei muito de o ver, senhor padre"

sexta-feira, agosto 15, 2025

Quem te desceu da cruz

Não fui eu quem te desceu da cruz. Não fui eu quem deixou o teu corpo cair e repousar sobre o meu, buscando amparo. O teu corpo estava, de facto, desamparado e, por pouco, quase não tinhas onde ser sepultado. Fizeste-me lembrar tanta gente que morre sem um funeral, sem uma sepultura e sem nome. Surgiu então, do meio da multidão, um homem de Arimateia, um homem rico, um ilustre do sinédrio, que tinha por ali perto, situado num horto, um túmulo que ainda não havia sido usado, e pediu para abrigar teu corpo frio e inerte naquele lugar. Ainda hoje penso nas pessoas que se cruzaram contigo no caminho e aprenderam a fazer o bem, sem esperar nada em troca. Muitos deles eram e são, como este homem, gente ilustre e rica, mas gente com um pedaço do coração de Deus. Na verdade, não importa o que se tem, mas o que se faz com o que se tem. São homens e mulheres onde entraste um dia e nunca mais morreste neles.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Ser padre como um Cireneu"

quinta-feira, agosto 07, 2025

a bíblia triste

A catequese tem de mudar, dizia. Os pais não querem senão as festinhas lindas para os vestidos novos, as fotos e as comezainas. A catequista que dizia estas coisas estava muito triste, incomodada e quase zangada. Queria desabafar, mas não queria contar o verdadeiro motivo do desabafo. É catequista há muitos anos e sabe, na pele, as dificuldades existentes para conseguir fazer da catequese um itinerário que, mais do que para aprender coisas, conduza a viver a fé. Sabe igualmente que uma das maiores dificuldades está na família. Os pais não se interessam pela catequese, pela eucaristia ou pela participação na vida comunitária. Mas o que ouvira no supermercado ultrapassava tudo. Apesar de não querer, a necessidade de desabafar foi mais forte, e acabou por contar ao senhor padre, em voz baixa, o que ouvira no supermercado. A conversa passara-se entre duas mães que têm filhos na catequese numa etapa em que descobrem a Bíblia, como a manusear e como a interpretar. Por esse motivo, os pais tinham sido convidados a adquirir uma bíblia para os filhos. Uma das senhoras, sem se aperceber ou se importar da proximidade da catequista e de outras pessoas, disse, de modo brejeiro, o que ainda agora custa replicar e escrever: já viste que agora temos de comprar a filha da p... da bíblia e têm que aprender esta m...?

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "As leituras da D. Constância"

sábado, agosto 02, 2025

menos padres para fazer o mesmo

Segundo os dados publicados pelo Observatorio Demográfico do Centro CEU 'Demografía de la Iglesia Católica’, na vizinha Espanha, a idade média do clero é superior a 65 anos, em comparação com a média de 35 anos em 1960. No ano lectivo de 2023-2024, entraram no Seminário em todo o país 143 jovens e foram ordenados 79 novos padres, quando seriam necessários por ano mais de 300 para compensar perdas e mortes. Em 1965, havia mais de 8.000 seminaristas maiores, e hoje são 950. A realidade em Portugal, da qual desconheço dados, deve andar por números similares. Só este ano, na minha diocese deixaram de ser párocos 8 padres, porque já haviam ultrapassado em muito os 80 anos e já não tinham capacidade e saúde para animar uma comunidade. No entanto, não houve nenhuma ordenação para este ministério. Para mim, o problema não é sermos menos padres, mas fazermos ou tentarmos fazer o mesmo que se fazia quando os padres eram em maior número e tinham a seu encargo muito menos paróquias. Ocupamo-nos com celebrações para alimentar a fé de pessoas que, na maioria, ainda não despertaram para ela. Por isso nos queixamos das igrejas vazias. E esquecemos que a missão dos discípulos de Jesus, a começar pelos que foram chamados ao sacerdócio ministerial, é, acima de tudo, evangelizar, isto é, anunciar a Boa Nova da Salvação.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O assunto era padres"

Dados e foto retirados de um artigo em Religión Digital

segunda-feira, julho 28, 2025

A procura faz encontrar

A Carla faz muitas perguntas envergonhadas. Acha sempre que lhe faltam respostas. Mas tem medo de perguntar por causa do que os outros possam pensar. Ensinaram-lhe, mais coisa menos coisa, que a fé era acreditar e ponto final, e agora tem receio de estar enganada porque tem muitas dúvidas. Diz que ama a Deus, mas não sabe se ama como deve ser. E a sua inquietação fez-me pensar nas muitas vezes em que alimentamos uma fé passiva e superficialmente obediente. Se é certo que, em Igreja, insistimos mais nas coisas do coração, porque a fé tem mais a ver com uma relação de amor do que com uma aceitação doutrinal, também é verdade que nas nossas comunidades cristãs não se faz muito apelo à razão, à reflexão crítica e à pergunta. Como se a fé não tivesse de conviver com a inteligência, com a dúvida e com a inquietação. No entanto, Jesus morreu a rezar uma pergunta: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”. A pergunta, mais do que consequência da dúvida é consequência do desejo de saber e de encontrar. A pergunta faz nascer as respostas e a procura faz encontrar.

 A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Queria saber como posso ter fé"

quinta-feira, julho 24, 2025

Os padres facilitistas

De vez em quando o assunto regressa ao meu coração e à minha irritação. Regressa sobretudo quando na comunidade temos baptizados e crismas, porque essas são as ocasiões em que os supostos crentes mais pedem facilitismos. Pedem que se aceite um padrinho sem os requisitos necessários. Pedem que se aceitem dezenas de padrinhos. Pedem que se aceite para crismar quem não fez catequese nenhuma, não tem preparação alguma, mas quer ser padrinho à pressão. Os pedidos de facilitismos são muitos e variados. Alguns, como se costuma dizer, “nem ao menino Jesus lembram”. Para obter os resultados pretendidos usam-se todo o tipo de estratégias, mas já se sabe que a mais comum é a chantagem. E há dois tipos de chantagem que sobressaem: a primeira é a que vem de argumentos comparativos, usando o exemplo de outros colegas padres que tudo facilitam; a segunda é a que atinge directamente o padre com o ataque pessoal porque não facilita a vida às pessoas e não é compreensivo. As pessoas esquecem que o padre não deve ser senão um facilitador da fé e do encontro com Deus.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Uma palavra de acolhimento e imposições"