quarta-feira, setembro 24, 2025

O multiculturalismo eclesiástico

O multiculturalismo chegou à hierarquia eclesiástica. Um em cada dez padres em Espanha vem de outro país. São oriundos, na sua maioria, da América Latina. Em Portugal a percentagem ainda não chegou a estes números, mas vai-se impondo a mesma realidade. Na minha diocese já se incardinaram alguns e aumenta o número dos que vão chegando, sobretudo de países lusófonos. Todos eles vão chegando com a sua bagagem vital e espiritual para acompanhar comunidades bem diferentes daquelas que conhecem. Não entendem determinadas devoções enraizadas e tentam introduzir costumes das suas terras. Têm dificuldade em se relacionar com o presbitério nativo e, não raras vezes, também são olhados com alguma desconfiança. Não se sabe ao certo se vêm em missão ou por uma oportunidade. Mas a realidade impõe-se. 
As novas edições do Anuário Pontifício de 2025 e do Anuário Estatístico da Igreja com dados relativos a 2023, editados pelo Departamento Central de Estatísticas Eclesiásticas da Secretaria de Estado do Vaticano, dão conta que o número de sacerdotes diminuiu ligeiramente (-0,2%), sendo a Europa a detentora da maior diminuição (-1,6%) e África (+2,7%) e Ásia (+1,6%) os continentes com maior aumento. Quanto ao número de seminaristas, entre 2022 e 2023 registou-se uma quebra de 1,8%, numa diminuição que se estende a todos os continentes, com excepção da África, onde os seminaristas aumentaram 1,1%. Se a Europa levou a Boa Nova a países que foi designando de países de missão, agora é desses países que a Europa vai recebendo clérigos. É o que Zygmunt Bauman chama de era das diásporas no que se refere à migração em geral. 
A aceitação da diferença num mundo global é altamente positiva e um anseio verdadeiramente cristão. Mas veremos se o multiculturalismo eclesiástico não redunda em multicomunitarismo eclesiástico, um fenómeno que, segundo o mesmo sociólogo, em termos gerais, se refere às pessoas que vivem umas ao lado das outras, mas se fecham e barricam na sua comunidade ou modo de vida. A Europa é hoje local de missão. Mas estará a Igreja preparada para este fenómeno religioso? 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Como será a Igreja daqui a vinte ou trinta anos?"

2 comentários:

Emília Simões disse...

Boa tarde Senhor Padre,
Um assunto muito interessante este que aqui apresentou.
Como em tudo na vida há que haver educação, aceitação e respeito pelas diferenças.
A fé, a oração e a bondade de Deus ajudarão a que haja tolerância e partilha, numa igreja que se pretende plural.
Um abraço.
Emília

Sabrina disse...

Olá Sr. Pároco,

Muito interessante a sua reflexão sobre o desafio do multiculturalismo na Igreja. De fato, a realidade atual nos interpela a acolher sacerdotes vindos de diversas partes do mundo, que chegam com a sua história, espiritualidade e também com diferenças culturais que nem sempre se integram facilmente. É um sinal claro de que a Igreja é universal, mas também de que a Europa, outrora enviada em missão, hoje se torna terra de missão.

Partilho também, de forma pessoal, que quando regressei de Portugal ao Brasil, no final do último ano, senti bastante a diferença no modo de conduzir dos párocos portugueses e brasileiros. Embora esteja no Brasil de forma temporária, essa diferença já começou a trazer certo desconforto. Sinto falta da forma de conduzir das paróquias em Portugal… Talvez isso também faça parte desse desafio de vivermos a universalidade da Igreja, com estilos e sensibilidades tão diversos.

O apóstolo Paulo já lembrava que, em Cristo, “já não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28). Essa unidade na diversidade é o verdadeiro desafio do tempo presente: construir comunhão que não anule as diferenças, mas as coloque a serviço do mesmo Evangelho.

Oremos para que o Espírito Santo nos conduza a viver este momento não como ameaça, mas como oportunidade de renovação missionária para a Igreja na Europa e no mundo.