segunda-feira, maio 04, 2020

Funerais a fugir

São os funerais de hoje. É o que tenho sentido em cada funeral que tenho presidido durante este período de contingência. No cemitério. Distantes uns dos outros. Com máscaras e outras protecções. Pouquíssimas pessoas. Familiares que nem podem ir. Amigos, só se a família for muito reduzida. Chora-se para dentro. Chora-se mais, mas para dentro. É o desespero de não ter espaço e tempo para chorar.
Ainda me recordo do primeiro funeral. Precisei de um minuto para me recompor e limpar as lágrimas. Recordo de modo especial o funeral de um jovem de dezoito anos. Chorei do início ao fim, em solavancos com as palavras. Não consegui aguentar a máscara. Não consegui limpar os olhos. Não consegui senão manifestar que estávamos unidos até neste não saber como fazer e sofrer.
Habitualmente tardo uns quinze minutos. Depende um pouco. Tento dar dignidade à celebração. Pelo menos tento. Ela é digna por si mesma. Vale pela presença de Deus e não pela presença das pessoas, em multidão. Não vale pelo que digo, mas pelo que Deus diz. Mas fico sempre com a sensação de que toda a gente quer sair dali o mais depressa possível. Toda a gente tem pressa. Dizem-me os cangalheiros. Demore pouco, padre. A família olha para mim a ver a hora em que termina o desconsolo. Os senhores da funerária querem ir desinfectar-se para casa. Para mim é tudo muito estranho. Depois da leitura do evangelho, partilho umas palavras. Mas soam-me a palavras que sobram. Nalgumas ocasiões pelo menos. Rezamos. Estamos. Unimo-nos. Mas tudo parece correr. Tudo parece ser a fugir. 

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Os funerais Covid"

6 comentários:

Beli disse...

tristeza tão grande SrPadre

Anónimo disse...

Muito triste, Padre. Sabe o que eu acho? Que, actualmente, os falecidos andam com muito más companhias. Pode ser que melhor, nunca se sabe.
Grata pelo testemunho.

Emília Simões disse...

Boa noite Sr. Padre,
Muito triste e como deve ser tão difícil!
Só à luz da fé e com muita compaixão poderá enfrentar e superar tais momentos.
Boa semana, com saúde.
Ailime

Anónimo disse...

É de extrema angustia em um momento desse. Ainda bem graças a Deus, ELE é por nos. Não consigo imaginar sem a presença de Deus, para por isso mas Suas mãos.

Anónimo disse...

Estamos a voltar ao ritmo normal, mas também me parece que anda tudo a fugir!

Anónimo disse...

tão triste, padre!