quinta-feira, fevereiro 20, 2020

eu thanatos e eu, padre

Como acompanhar pastoralmente uma pessoa que peça a eutanásia? Como conciliar o princípio da misericórdia com a necessidade de afirmação da doutrina? Fez as perguntas porque, como disse, conhecia casos de pessoas no estrangeiro que pediram a eutanásia e quiseram receber a Santa Unção. E rematou assim: Como procederias numa situação destas? E a esta questão ou conjunto de perguntas que me foram feitas há dias, poderia acrescentar outras tantas, da minha lavra. O que fazer se te pedissem um funeral religioso, com missa incluída, depois do defunto ter sido eutanasiado? Que dizer a um crente que é favorável à eutanásia e que participa activamente na comunidade cristã e/ou tem responsabilidades na mesma? 
Quando as primeiras perguntas me foram dirigidas, não imaginei o que teria de remoer, desculpem o termo, sobre o assunto. Na altura esbocei uma resposta breve e pouco reflectida. Não era uma resposta sem sentido, mas precisava, pelos vistos, ser mais sentida. Tenho-a carregado nos ombros, junto com as outras perguntas que, entretanto, diante da hipotética legalização da eutanásia, me foram inquietando na minha missão e vocação sacerdotal. Perguntas que me obrigaram, pelo menos, a não fazer de conta que não é necessário pensar em possibilidades que não pensava. 
A moral e ética cristã leva a opor-nos a qualquer afronta à vida humana, como dom de Deus, onde se inclui a eutanásia, a distanásia ou o suicídio assistido, porque o afã de dispor das nossas vidas, de certo modo, nos afasta de Deus, o único dono da vida. Mas isso não significa que este mesmo Deus não nos tenha dado a liberdade de sermos donos das nossas opções e de usarmos o livre arbítrio. O mesmo Deus infinitamente misericordioso. 
Tenho pensado muito nisto. Não concordo, de todo, com a eutanásia, distanásia e suicídio assistido. Sou de opinião que o sofrimento faz parte da nossa condição humana e tem muito sentido nas nossas vidas. Não quero assumir responsabilidades diante da morte assistida. Não sou favorável a criteriologias que separam as pessoas em categorias. Não quero fazer parte de uma sociedade da cultura de morte e do descartável, uma sociedade irresponsável e que vive de modas ou de opiniões. Mas também lembrei a minha reação natural perante casos de suicídio, onde sempre evitei julgamentos e acreditei na misericórdia de Deus. Lembrei as dores de quem sofre e precisa de mim, como padre, como amigo e como pessoa. O assunto é deveras difícil, inquietante e fracturante. Quem tenta ser sério a pensar nele, fica incomodado. 
Partilhei com um colega sacerdote as dúvidas e dificuldades nestes meus raciocínios e reflexões, e ele reagiu dizendo-me que continuaria a agir como se não estivesse no direito de julgar ninguém. Depois de o escutar e barafustar um pouco com ele, porque a sua resposta fora demasiado rápida e me parecera irrefectida, ele insistiu repetindo, quase sílaba a sílaba o que acabara de dizer. E, embora me custasse inicialmente, ajudou-me a amadurecer a reflexão. Pois do mesmo modo que nunca julguei nem quis julgar alguém que se suicida, também não devo julgar quem quer que seja pelas suas opções erradas. A mim cabe-me, pertence-me, é minha missão, ajudar as pessoas a fazer as melhores opções. Ajudá-las a pensar para além delas e do seu sofrimento. Fazer os possíveis para dar mais formação aos nossos cristãos, em particular os meus paroquianos. Mas depois, se calhar, devo deixar que Deus faça o seu trabalho. Porque não me pertence julgar. Pertence-me amar! Mesmo que, amando dessa maneira, o meu coração sofra por dentro. Amar é mais importante do que o meu sofrer!

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Esta é para ti, Diana, parte VIII, preparada"

8 comentários:

Cisfranco disse...

Gostei da sua reflexão. O sr continue a ser uma luz ainda que pareça um pavio quase a pagar-se. Porque a luz é sempre ponto de referência que vai ser vista melhor com a escuridão.

Ailime disse...

Boa tarde Sr. Padre
Admirável a sua reflexão sobre o assunto em causa.
Quem pensa e se questiona desta forma está verdadeiramente imbuído do Espírito Santo de Deus.
Que Ele o continue a iluminar em todos os momentos da sua vida.
Com o maior respeito,
Ailime

Anónimo disse...

Muito bonita a sua reflexão.

Anónimo disse...

Estou mt triste com a aprovação, em primeira instância, da eutanásia.
Já previa que assim fosse, mas estou profundamente triste porque, como dizias confessionário, deixa de ser uma questão pessoal para ser uma questão da responsabilidade de todos.
Como dizia o Walter Hugo Mãe: “Quando alguém quer morrer falhamos todos, de alguma forma”

Confessionário disse...

Apeteceu-me vir dizer isto:
Mesmo que matar se torne legal, ética e moralmente nunca o será!

Anónimo disse...

Embora nem sempre estando de acordo com as posições aqui defendidas pelo Senhor Padre, dúvidas não há que as assume depois de maturada reflexão, em estreita aderência aos mais elevados princípios éticos, morais e etc. Não poderia deixar de manifestar a minha profundíssima admiração por isso. Bem-haja.

Anónimo disse...

Obrigada por mais esta reflexão, que muito me tem ajudado a tentar perceber e a pensar sobre este assunto.
Bj

Anónimo disse...

Muito bom," amar é mais importante do que o meu sofrer." Linda posição.