segunda-feira, fevereiro 25, 2019

A morte que não se espera

Numa semana uma média de um funeral por dia. Neste mês de Fevereiro, só no concelho onde estou já faleceram mais de trinta pessoas, e ainda não terminou o mês. Estes dias tem falecido muita gente por estas bandas. Agora que o digo é que o penso. Gosto mais do verbo falecer que do verbo morrer. Este último é mais cru. Mas talvez estas coisas sejam mesmo cruas. E nuas. Ou seja, despem-nos de todos os embrulhos que a nossa vida possa ter. 
Vivemos como se a vida aqui na terra não tivesse fim. Vivemos fazendo de conta que a morte não está ao virar da esquina. E quando ela passa da esquina para a rua onde moramos, deixamos que a morte tome conta de nós como se nunca mais houvesse amanhã. Dói. A morte dói. A morte entra-nos no coração para doer. E como dói, vivemos como se sobrevivêssemos. Esperando que cada doença e cada situação mais dramática não nos toque à porta, não entre na nossa casa, não nos faça sentir que a vida entre os mortais é só isto. 
Vou deitar-me com esta dor de vida, a pensar no funeral de amanhã. Mais um. Mais um não saber já que dizer na homilia. Mais uma dor de alma. Mais um pedir a Deus: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.

8 comentários:

Anónimo disse...

A morte ronda e está sempre à espreita. Deita-se e acorda connosco, precede-nos, adianta-se-nos aos passos, está ao virar de cada esquina, no passeio que percorremos diariamente, no alto de um beirado, no hospital, onde quer que estejamos, está igualmente a morte. Mais perto de nós mesmos, agarradinha ao que somos, aquela que é a nossa própria morte. É mais um braço ou uma perna, um órgão com uma função específica e determinada que nem sempre vemos, ma que sabemos lá está desde o momento em que tomamos consciência de nós. Uma presença estranha, de que nos vamos aproximando mais em cada dia que passa e que apesar de ser uma das mais fiéis companhias nunca a chegamos a conhecer verdadeiramente. O segredo está em não a irritar nem lhe dar demasiada trela. Isto é o que o Sr. Padre não está a conseguir fazer ultimamente. Tem se posto a reparar na morte, trá-la na ponta dos dedos e escarrapacha-a em cada post do funcionário. Não sei se já lhe ocorreu escrever um post «smile morte», mas quase aposto que a sua morte merece e também a de todos os que se tem ido ao arrepio dela. Às vezes a forma de lidar com a morte é troçando dela. Se a fizermos rir ela esquece-se de pensar em si. Fica toda trocada e torna-se quase vida. E é isso que queremos: trocar-lhe as voltas enquanto podemos, cortarmos-lhe as pernas, para que a morte continue à espera.

Confessionário disse...

27 fevereiro, 2019 13:08

Muito interessante! E fez-me pensar.
Bem haja

Vou ver se não a irrito tanto! Há dias dava conta que numa das minhas paróquias, relativamente ao ano passado, tinham havido mais baptizados que funerais. Foi um dado curioso e agradável. Até tinha receio de tomar consciência dele, porque ao pensar/dizer/constatar poderia desencadear o que de facto ocorreu (e já não é a primeira vez; posi quando dou conta de algo como "já há uns tempos que não tenho funerais", a morte faz o favor de me contrariar nas constatações e a seguir vêm em catadupa... talvez tenha sido mais uma vez uma situação assim)... De facto dá para, pelo menos, sorrir. O melho é, talvez, não nos metermos muito com as "coisas" da morte!

Anónimo disse...

Pode irritar-me sempre que quiser: tenho alta tolerância ao stress, disseram-me. Quase não quis acreditar porque sinto que me irrito e as irritações transtornam-me. Pelo que será quase uma prova, um teste ao que me disseram para ver se posso confiar em quem mo disse e assim conhecer-me melhor. Pareceu-lhe complicado? Estava apenas a testar a sua resistência ao stress (parece-me débil, mas as melhoras - vai ter mesmo que lidar com as «coisitas» da morte).

Acompanho-o, também desejo mais baptizados. Há um que até venho a desejar há muito tempo: desde pelo menos o ano passado. Talvez venha a ser o senhor padre a presidir à cerimónia, quem sabe? Era tão bonito!

Confessionário disse...

27 fevereiro, 2019 14:11

Peço desculpa se não fui claro. Quando disse "Vou ver se não a irrito tanto", estava a referir-me à morte!... e a propósito do conselho seu que gostei muito: "O segredo está em não a irritar nem lhe dar demasiada trela"
Bom, agora fez-me sorrir... que bom!
Mais uma vez bem haja

Anónimo disse...

Agora fez-me sorrir... A sua expressão: "Peço desculpa se não fui claro". Fez-me lembrar um falecido padre, tão boa pessoa e tinha um cabelo tão bonito..

Obrigada.

gui disse...

Como o percebo, nem mesmo a fé atenua esta dificuldade em ver a queda da folha, então quando se nos váo em vendavais!

Paulina Ramos disse...

A morte dói porque apenas fui educada para a vida, como se a vida tal como a vejo fosse durar para sempre!
O que me dói é a separação que se impõe sem pedir licença, e algumas vezes sem avisar.
Dói-me o egoísmo de não ter a pessoa amada, aquela com quem brigámos é certo mas também rimos até não ter mais forças.

Fizemos um acordo que aquela que morresse primeiro, arranjaria uma forma de dizer à outra como era do outro lado desta vida!
Há sempre alguém que vai primeiro mas não volta para nos dizer o que quer que seja.
Só pela fé a conseguimos ver a escorregar pelo arco-íris, a cintilar nos raios de sol, diluída na chuva.
Entregue à mãe natureza, renasce a cada dia com ela.

Enquanto eu?
Será que eu desejaria mesmo ter ido em vez dela ou é apenas a dor que me desgasta um pouco a cada dia?

Fantástica esta tua reflexão!

JS disse...

Caro Confessionário, lembra-te que perante situações-limite é preciso que o padre saiba conservar um pouco de distanciamento e de frieza. Imagino que tal te repugne dada a sensibilidade que te reconhecemos. Mas pensa no caso de um médico ou de uma enfermeira: se tratam de viver intensamente cada perda, cada vida que a morte lhes rouba das mãos, rapidamente estarão queimados, emocional e psiquicamente; não mais conseguirão fazer o seu trabalho, a não ser que sejam transferidos para um laboratório ou um centro de cuidados básicos.

Tanto mais que para um cristão não se trata aqui de reprimir sentimentos, mas de os sublimar. Tens de dizer a ti próprio: não são funerais; são páscoas! Ou, como os primeiros cristãos gostavam também de dizer: são natais (dies natalis - o dia em que se nasce para o céu).