Já lá vão muitos anos. Andava na escola primária quando escutei, pela primeira vez, que o Senhor chamava alguns a ser sacerdote. Na altura a palavra soava-me a algo estranho. Como poderia saber o que era o sacerdócio! Era mais fácil traduzi-la por “padre”. Recordo que ouvi, pela primeira vez, numa aula, um jovem seminarista que, por sinal, hoje é bispo, dizer que o Senhor podia chamar alguns de nós para padre. Continuo a lembrar que a palavra padre só me fazia lembrar o padre da minha paróquia. Aquele senhor de uma certa idade que celebrava as missas. Achei engraçada a ideia de poder ser chamado. E um dia achei que o Senhor me chamava mesmo. Era uma criança. O significado desse chamamento só uns anos mais tarde, depois de fazer muitas perguntas, me foi possível ir entendendo. Mas ainda hoje não sei porque o Senhor me chamou. O que viu em mim. O que vê em mim. Lembro alguns acontecimentos marcantes dessa época da minha meninice. Lembro quando o tal padre da minha paróquia me disse que eu bem podia ser padre. Lembro quando, um dia, corajosamente, me abeirei do altar e me deixei ficar ali, como se fosse esse o meu lugar. O lugar que o Senhor queria que eu ocupasse. Mas ainda hoje não sei porquê. Ainda hoje pergunto ao Senhor porquê. Porquê eu, de tantos outros meninos, a maioria muito melhores que eu. Se me perguntassem se eu gosto de ser padre, não sei bem se a resposta seria positiva. Há um misto e muitos paradoxos nas respostas que poderia dar. Só há uma coisa certa. Estou aqui. Como sou. E Ele está por aqui, por não sei bem donde. Vamos tratando-nos, cada vez, mais por tu. De vez em quando sinto que nos abraçamos. Outras vezes berramos um com o outro. Não me sinto digno do seu amor. Mas Ele teima em querer amar-me assim. Por isso, vou-me sentindo esse indigno amigo que é amado por Alguém que teima em me amar… assim.
15 comentários:
Bom dia!
Que texto emocionante.
As vezes não me acho digno do amor de Deus.
Meu amigo Padre, obrigada pela partilha, lindo texto, como Deus é maravilhoso! E o Sr, um Ser especial por isso a missão delegada! Abraço!
"amado por Alguém que teima em me amar...assim"
E bem...Ele (esse Alguém)sabe.
E por este belo texto, de certeza que fez e chamamento certo.
Claro que as dúvidas fazem parte da vida, quer dos padres quer de qualquer uma de n´s.
Bj
Cuidado.Quando se exterioriza assim, a crise pode acabar mal. Há muitos exemplos recentes à vista.
Entendo o seu desabafo, sobretudo na parte do "não sei". Comigo passa-se exactamente igual a isso. Nunca sabemos nada. Por vezes também recuo no tempo à procura de respostas, como se algures pudesse descobrir entre a bruma a minha ilha do tesouro. Mas ela teima em querer afastar-se, voga por aí, como se fosse uma árvore com uma extensa copa e com enormes pés, e só oiço a passarada, nuvens daqueles pequeninos seres, nos seus pirirpiris. Também pergunto porquê, e escrevo a palavra como dedo do pé na areia da praia. Vêm as ondas e ...quê..quê... ^.Nessa altura retorno aos óculos escuros, inclino um pouco mais o chapéu, e fecho-me a qualquer tipo de perguntas e respostas. Na verdade, deixo a ilha seguir o seu curso mar fora, pois não me vou por a correr atrás de um ponto que é tudo menos fixo, ela que desenhe o seu percurso, que eu fico à beira. Há liberdades assim: as em que e anda só por se ver andar.
Ah, senhor padre, espero que retome o gosto por ser padre, pelo que diz tem raízes, por isso penso que seja fácil vencer uma simples crise, ainda por cima tão paradoxal como essa. O problema parce-me que radica na solidão. amplitude de espaço, vazio, a falta de convívio, poucos amigos - que sei que a sua "profissão" é propensa a esse tipo e dificuldades; ter a casa permanentemente vazia, exceptuada uma ou outra beata abelhuda - ouvir muito disparate... Olhe, beijinhos e as melhoras! (Ânimo: Não é verdade que cada um tem o que merece!),
Minha gente amiga, talvez não me tenha feito entender, não me tenha expressado bem, ou este texto esteja no limiar de outras interpretações sem eu dar conta. Na verdade este texto foi escrito quando recordei os meus primeiros sins, quando reavivei minha vocação sacerdotal, recordando esse chamamento. O que escrevi não pretende retratar nenhuma crise, embora os momentos em que me questiono e questiono Deus sejam abundantes. E quando digo que não entendo porque eventualmente me escolheu é mesmo porque não sei o que viu em mim. Ou seja, é reconhecer que valho pouco perante tamanho chamamento.
E agora vou continuar na expectativa. Será que voltei a não me fazer entender?
Pessoalmente, tb gostei mt deste texto...
Dps de ler os comentários, fique a pensar numa coisa que já tinha ouvido: cada pessoa lê uma mensagem de acordo com a sua perspectiva e que pode não coincidir com a do autor.
Se quero ler uma crise do prior, é isso que vou ler; se quero ler o entusiasmo do prior é isso que vou ler. ahahahah... interessante
Sei lá! Pode ser um pouco mais clarinho, a dar assim para o absolutamente inequívoco, por favor? Não custa nem dói, pois não?
Todo ser vivente tem um propósito de Deus junto. Bom isso quando é algo bom e vem do amor Dele. Há vidas surpriendente diante de outros. As dúvidas aparecem sim como que nem nos mesmos conseguimos em um determinado evento que venha nos acertamos.Comó já lhe disse antes, sr padre Deus ti ama porque ELE é Deus.
"E quando digo que não entendo porque eventualmente me escolheu é mesmo porque não sei o que viu em mim. Ou seja, é reconhecer que valho pouco perante tamanho chamamento."
Agora esta explicação é que foi muito modesta!!!
Se foi escolhido, Ele é que sabe porquê, e se ainda continua ao Seu serviço, é porque ainda continua a confiar em si. Será assim ou não?
Bj
24 outubro, 2018 12:02
se fosse possível neste tipo de espaços, agora faria um emoji ou coisa parecida com um sorriso corado... lol
Às vezes é mesmo querido, obrigada.
É sempre bom poder contar com a sua simpatia, independentemente da hora e do dia da semana. Felicidades das boas para si... não sabia que ainda brincava com bonecos!
Bjs
Boa noite Sr.Padre,
Muito interessante esse seu constante questionamento.
É por isso que Deus o chamou, porque lhe interessam os que não se acomodam, os que apesar das dúvidas, não têm medo de permanecer.
Como o Sr. Padre.
Ailime
É preciso ser inteiro para escrever um dasabafo assim, sem subterfúgios nem hipocrisias, soa a verdade.
Ao lê-lo percebo uma pessoa crescida e adulta que conta uma história de vida própria sem dramatismo...
Foi tão, tão bom ler este texto.
Lindo, padre, e verdadeiro.
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