Que observam em nós, padres, os jovens que cruzam connosco nas ruas, nas escolas, nos bares ou até nas igrejas? Que observam em nós, padres, esses jovens, com jeans ou outras calças de marca, mais interessados no que parece do que no que se é ou se tem? Que observam em nós, padres, esses jovens que Deus ama como são e que se cansaram de uma Igreja que parece dizer-lhes pouco? Que observam em nós, padres, esses jovens que não sabem ainda como Deus os ama?
Às vezes, quando olho os jovens que se cruzam comigo na rua, fico a pensar no que pensarão de nós, os padres. Se calhar não pensam nada. Se calhar não perdem tempo com isso. Não perdem tempo com coisas que não lhes dizem absolutamente nada. Ou se calhar olham para nós com a comiseração própria de quem acha que esta coisa de ser padre é algo raro, estranho, meio do outro mundo, coisas da pré-história ou de outros planetas.
Cuido que se me pusesse na sua pele, olhava para mim, ou para nós, como aquele tipo de atletas que fazem da sua vida uma corrida. Correm para fazer sacramentos e sacramentais. Correm para cumprir um série de coisas estabelecidas pela Igreja. Correm para celebrar uma missa que, ainda por cima, é uma seca. Não se faz lá nada. Estamos ali a aguentar palavras sem contexto. Simbologias que ficam no mundo das simbologias. Cerimónias e mais cerimónias sem alegria e sem rostos.
Cuido que se me pusesse na sua pele, veria que os nossos rostos são rostos de
gente sacrificada sem alegria. Gente que busca as mesmas coisas que
todos buscam na sociedade enganadora de hoje. Rostos feitos de fraquezas
dissimuladas e identidades arrastadas. Descobriria que afinal também
estamos fragmentados, somos voláteis e andamos a correr em busca de um
algo que parece não sabermos o que é.
Cuido que se me pusesse na sua pele, não me daria, ou não nos daria, muitos ouvidos. Talvez eles até nos ouçam. Mas quando são obrigados a ouvir-nos. Ou não têm nada melhor para fazer.
Ouvem-nos, mas como um zumbido que incomoda ao ouvido. Ouvem-nos como
uma grafonola antiga e desajeitada.
Não me quero meter na sua pele. Não quero pensar que se fosse um deles, seria este o meu modo de pensar. Realmente seria preferível não pensar em nada. Mas temo que os jovens de hoje não enxerguem em nós, padres, a alegria do encontro com Cristo, ou as maravilhas que Deus opera em nós, porque nem uma coisa nem outra são bem contadas ou nítidas. Ou que não nos enxerguem a rezar na intimidade com Ele. Ou que não nos sintam felizes por sermos padres, mesmo quando sofremos. Ou que não percebam em nós quanto Deus no ama, ao ponto de darmos a nossa vida por Ele. Ou que não dêem conta, por nosso intermédio, que Deus os ama também. E que os pode chamar... a ser padre.
14 comentários:
É lindo o sacerdócio!
Realmente algo que nos intriga.
As vezes olho para vocês e penso...como será quando não está celebrando uma missa, um batismo, uma primeira comunhao ou um crisma?
O que faz em suas horas vagas, quais suas manias...
Sempre tão sereno... o que será que lhe desperta ira?
Muitas vezes morando tão longe de sua família como lidar com a solidão de um amor fraterno?
Coisas assim...
Parece que vivem em um mundo paralelo muitas vezes. Diferente do nosso...
Um padre tem sonhos? Além dos sonhos religiosos?
Sim padre
Pensamos muitas coisas sobre ti.
Paz
Olá, Helen
Muito do que sou, está aqui espelhado, na apresentação: http://eupadre.blogspot.com.es/p/apresentacao.html
Somos pessoas muito normais. E se temos algo diferente é a missão e a entrega a Deus!
Mas para saberes como grito, como penso, e como sonho, os textos que vou escrevendo, dão conta disso, digo eu.
bj
Padres em via de extinção...
padre, fez-me pensar muito, e creio que tem razão em muitas das afirmações que aqui faz. Mas de quem será a culpa?
Acho que Deus vos chama. E sim acho q os jovens vos vêm como seres atípicos e as vezes justificam a vossa escolha com erros do passado ou como segunda opção a algo que deu errado nas vossas vidas, nomeadamente com o género feminino.
A minha paróquia é acompanhada por três padres com idades entre os 38 e os 48 anos. Creio que os miúdos vêm-os como os amigos porreiros... Mas sei que a malta da minha idade tem um bocadinho o pé atrás. Falta a Igreja ser mais contemporânea. Como hei-de explicar. A mensagem de há 2 mil anos continua atual, mas a forma como é transmitida precisa de ser com palavras de hoje. Não só para os jovens, como para os adultos. Vejo isso no meu grupo de catequese. Tenho de contextualizar, explicar a época e transpor para os dias de hoje e depois oiço: “ahh! Então é isso. Porque não dizem logo assim?”
No transmitir da mensagem bíblica, creio que as seitas são melhores que a Igreja. Ou seja, "vendem" melhor a mensagem. É verdade que fazem falsas promessas, transmitem só o que lhes interessa... Mas é por isso que têm cada vez mais seguidores e o Cristianismo não.
Não se trata só o de existir de mais seitas que faz com que as igrejas estejam vazias, são as mensagens que não passam, são as normas rígidas... Não digo que não devam existir, até porque cada vez mais vivemos sem regras e daqui a nada é o caus, mas as normas que a Igreja utiliza devem ser explicadas porque as pessoas querem saber o porquê... A sociedade deixou de ser subserviente, para ser serva tem de saber o porquê para aceitar o que lhe é pedido.
Depois vocês, padres, são vistos como raros e, desculpa a analogia, uma espécie em via de extinção porque aceitam... Quando podiam optar por outro "ministério" que vos permitisse ser mais homens, sei lá... o pior, na minha opinião, é o facto de muitos dos leigos verem a opção de ser sacerdote como mais uma profissão... E alguns de vocês são culpados por isso...
Não tenho a idade dos jovens de que falas no texto, mas sei que se existem padres, ainda que cada vez menos, é porque Ele vos chama…. Independentemente da vossa história de vida, é aquilo que Ele viu em cada um de vós…
Dãs melhores refleções
o meu neto com 10 anos vai a missa todos os domingos anda no 3º ou 4º ano obrgado pela outra avó ..e dis-me aí Vó que seca assim que eu crescer nunca mais lá vou
e o Padre que celebra já tem idade mas é espetacular as celebrações são animadas
mas...........
Que observo eu nos padres que conheço?
Depende de cada um porque não olho para todos os padres da mesma forma e nem todos me fazem pensar o mesmo.
Há padres que me fazem pensar tudo o que referiu. Parecem-me homens estranhos, distantes, sisudos, demasiado preocupados com cerimónias e rituais, cheios de pruridos e pieguices. Vestem-se todos da mesma maneira e alguns ainda vão ao extremo de se ataviarem com colarinhos e batinas até aos pés para se entrincheirarem do mundo, para restaurarem a memória dos padres "à antiga", agarrados que estão à saudade de um glorioso(?) passado em que o padre era uma autoridade e tudo o que dizia era lei, mesmo se falasse em latim... Esses parecem-me homens rígidos, mais preocupados com a falta de reconhecimento e poder da Igreja do que com a vida e os problemas concretos das pessoas.
Depois há outros padres (e felizmente conheço alguns!) que são verdadeiros exemplos de vida e manifestação de Deus. São homens bons, simples, generosos e acolhedores. Mesmo no meio da maior azáfama, conseguem arranjar um bocadinho para estar com os que sofrem. Procuram a inclusão de todos em coerência com a sua missão. São optimistas e alegres.Honestos nos princípios e intransigentes nos valores. Não receiam a proximidade, não temem um abraço sincero e contagiam os outros com o desejo de ser bom e de fazer o bem. São homens e padres por inteiro. Não precisam de colarinhos nem de batinas de renda para mostrar que são padres. Não se envergonham de ser humanos e de pedir perdão quando falham. O seu modo de ser confere-lhes autoridade porque as suas palavras são entendidas por todos e fazem a ligação com a realidade da vida das pessoas. Zangam-se quando é preciso e dizem "Não" quando tem que ser, mas não ficam prisioneiros do ressentimento mesmo se alguns "sapos" custam a engolir. Vivem atarefados, sobrecarregados muitas vezes, cansados até, mas nota-se aquela alegria de dar sentido à vida, de ser instrumento de Deus... Quando observo estes padres, penso no que ando a fazer com a minha vida. Penso que, se eles podem ser bons, eu também me podia esforçar mais. Penso se não andarei a perder tempo em vez de o gastar...
ó Zu, gostava tanto de fazer parte desse segundo grupo de padres de que falas!!
Sr. padre, pode parecer irrealista, mas que existem, existem!... Ser bom não é nenhuma utopia!:-)
Existem sim! também posso confirmar. Faço parte de uma comunidade que os tem:-) e são logo dois!
Efectivamente penso que o 'tipo' de padres que 'vamos tendo' tem os dias contados porque está em extinção acelerada. Eles 'não nos entendem' no mundo que vivemos, e nós não 'os entendemos' a eles, no seu modo de ser e no que fazem, nos tempos que correm. Mas creio que será mais um problema de ordem cultural (quer nos progressistas, quer nos conservadores, em poses quase opostas, mas igualmente desajustadas) do que propriamente do domínio religioso/espiritual; porém absolutamente determinante.
19 janeiro, 2017 11:26 e 16 janeiro, 2017 15:51
Não creio que estejam em vias de extinção propriamente dita. O que está gastos é este modelo de padre.
Este sábado, entre uma tarefa e outra, dei com o meu pirralho quase sentado ao colo do nosso pároco a discutirem entusiasmados, de volta de um papel. Cusquinha aproximei-me um pouco, poderiam ser milhares de temas a saírem da mente daquele adolescente que questiona tudo e mais alguma coisa. Discutiam a influência do grego. Onde já se viu...
Intriga-me também o modo acolhedor como aquele sacerdote, orienta os rapazes do meu grupo de catequese que quem os vê a cada domingo, como acólitos, tão comportadinhos, empenhados e atentos acredita que eles são assim mesmo.
Sei que estes olham para aquele sacerdote com uma grande admiração e confiança e fico feliz. Não sei o que o futuro lhes trará mas sei que terão uma marca positiva na sua formação.
Gui, fico muito contente por eles e pelo meu colega
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