sexta-feira, novembro 25, 2016

senhor padre tal

O pedaço de história que ouso contar foi-me sussurrado por uma amiga que um dia deu de caras, no local de trabalho, com um sacerdote que em tempos da sua juventude, quando ainda era seminarista, trocara com ela gestos e momentos de amizade. Tinham sido um para o outro amigos de tu a tu. Tu isto, tu aquilo. O tempo passou e não se viam com frequência. Nesse dia, ela cumprimentou-o com o mesmo entusiasmo de outrora e simplesmente chamou-o pelo primeiro nome, que era o que conhecia melhor. A resposta dele foi mais ou menos esta Minha cara somos todos irmãos, mas uns são mais irmãos que outros. Ao que ela replicou com um Claro sr padre. peço desculpa pelo abuso! Pôs-lhe ela o ponto de exclamação e escrevo tal como mo contou. E amuou, sem perceber a razão de tamanha superioridade. 
O que eu não disse à Juliana é que às vezes as distâncias deste tipo podem ter a sua utilidade. Porque há quem abuse ou distorça. Eu trato meus amigos por tu e gosto que me tratem por tu. Mas nas paróquias às vezes o “senhor” acaba por, ao menos, parecer conteúdo de maior respeito.
Mas o que me fez pensar a sério no assunto dos tus e dos senhores, ou das distâncias e dos nós e vós, foi o que ela contou no final. Pois o senhor padre, ao despedir-se, deu um arzinho de graça, e disse Adeus, Julianinha. Ela, que tirou um curso e não assina doutora porque não quer, não conseguiu responder-lhe, e dizia-me. Só faltava que nas assinaturas, também os padres assinassem como senhores, e repetiu as siglas, senhor padre tal.

3 comentários:

Anónimo disse...

Uma atitude muito comum nos dias de hoje, sobretudo padres jovens que se preferem afirmar pelo parecer ser do que pelo ser.. felizmente o meu Amigo de liceu, que não via há 20 anos, reencontrei-o há uns anos no hipermercado e felizmente aconteceu o oposto do que eu esperaria: ele veio dar-me um abraço de saudade quando eu ia dar-lhe apenas um aperto de mão e chamar-lhe de Sr Pe.. ele disse, não, só P... (o nome dele).. mas pensando bem não me deveria espantar esta reação, até porque a vocação dele foi muito tardia, abandonou um bom emprego para ir para o seminário e teve as namoradas que tinha de ter.. acabei por adotar a postura de o chamar Pe dentro da igreja, e de "P" fora da igreja ...
Contrariamente este fim de semana contaram-me que um recém ordenado padre perto da minha terra, no dia da sua 1ª missa, quando uma srª que ajudou a cuidar dele em pequenino o foi abraçar e chamou pelo nome, ele corrigiu " Sr Padre", agora é assim que me chamo.. vai longe vai... destes padres quero muita distancia mesmo..
Mal sabem estes que são estes gestos que de pequenos que parecem se transformam em barreiras quase intransponíveis.. são eles que vão descer às periferias? Estar com os mais necessitados, saber ouvi-los? Eu tb tenho curso há mts anos (nem deveria dize-lo), mas qdo pessoas me chamam pelo dr e acho que não devem, digo logo, não nasci nem vou morrer com titulo. Usa-lo sim mas saber usa-lo.
Agnostica

Anónimo disse...

É incrível. Até nos funerais, onde todos perdem a senhoria, os padres continuam a ser senhores. E cai mal. Cada um tem o seu nome próprio e deveria ter orgulho nele. Já presenciei episódios como o que descreve. Também devo revelar que já me aconteceu pedirem-me que deixe cair o título. Não lhes faço essa vontade mas registo com agrado.

JS disse...

"O respeitinho é muito bonito". Tal é uma característica (ainda) muito típica da nossa cultura e maneira de ser. Mesmo com os seus absurdos e constrangimentos.

Lembro-me de quando dei conta de que na vizinha Espanha todos se tratavam por tu, e de como achei isso interessante e até libertador. Também me lembro de, mais tarde, conversar com um espanhol e ele elogiar-nos por usarmos o "você", que considerava muito mais respeituoso.

Para entender a complicação deste assunto, basta imaginar (ou recordar) introduzir este assunto numa reunião de pais na escola ou na catequese: como é que os filhos se referem aos pais ou como é que deveriam tratá-los. Temos discussão para uma noite inteira.

Até na liturgia e nas bíblias essa questão se põe: Deus deve ser tratado por "Tu" ou por "Vós"? Proximidade v. diferença: há uma escolha a fazer, a linguagem não nos permite manifestar as duas realidades ao mesmo tempo.

Penso que daqui deriva o recurso aos títulos de "senhor" e "doutor" e outros salamaleques em que ainda somos pródigos. Mais as cenas tristes que somos capazes de fazer para poder ostentar tais títulos e obrigar os outros a usá-los quando se nos querem dirigir. Porque sabemos que, entre nós, e mesmo que nos custe aceitar, as aparências têm o seu peso. À mulher de César não lhe chega ser respeitável; tem também de parecê-lo.