domingo, novembro 27, 2016

Perder o que se não tem

Depois de me cumprimentar com um sorriso, o genro do falecido alterou ligeiramente a tom da voz e a inclinação da cabeça para alegar o seu descontentamento. O funeral do sogro fora presidido pelo diácono, pois eu não estava, e outras dezenas de colegas que haviam contactado também não estavam disponíveis. Tiveram que aceitar o diácono ou o morto ficava por sepultar. Compreenderam, dizia ele, que eu não pudesse, pela distância a que me encontrava. Mas não compreendia onde a Igreja ia parar. Assim tudo acabava. Assim acabava a Igreja e a fé. Como se ambas estivessem dependentes de funerais. Ou como se o diácono não fosse Igreja como os padres e os leigos. E assim o meu amigo dava a entender que perdia ou poderia perder a sua fé, coisa que eu não me lembro de nas celebrações da comunidade ou fora delas ter percebido nele. Mas agora é que perdia o que não tinha. 
Pelos vistos são bastantes os que por causa de não terem o que queriam, dizem ter perdido aquilo que não têm.

31 comentários:

JS disse...

Pois eu acho que o genro dorido tem razão.
Andou a Igreja durante séculos a desvalorizar o diaconado e admiramo-nos de que as pessoas estranhem a sua presença e o seu ministério? Bolas, ainda hoje está por clarificar o seu enquadramento pastoral, para lá de ser um jeitoso remendo tapa-buracos.
Andou a Igreja durante séculos a defender que o sacrifício eucarístico é a forma mais excelente de sufrágio e incomoda-nos que as pessoas não se resignem à falta de padres? Afinal, a comunidade tem ou não direito à eucaristia?

Pode-se sempre recorrer a alguns facilitadores: se no funeral o diácono se apresentar com dalmática (ou capa de asperges, caso fosse permitido), talvez não se estranhasse tanto a estola traçada; se houver distribuição da Comunhão, muitos nem darão conta de que não foi celebrada missa; se no sector ou vigararia se assumir como norma os funerais sem missa, depois de uma reacção inicial talvez o povo deixasse de ver essa questão como discriminatória. E, no entanto, tudo isto são panaceias e desenrasques que distraem de se enfrentar as questões verdadeiras. E quando se foge à realidade, realmente não há Igreja ou fé que resista.

Zu disse...

"Pelos vistos são bastantes os que por causa de não terem o que queriam, dizem ter perdido aquilo que não têm."

Ainda há poucos dias, soube de uma história semelhante embora se passasse com um casamento em vez de um funeral. A noiva queria casar na capela da aldeia onde a mãe e a avó tinham casado e, ou era como ela queria, ou nem sequer casava pela Igreja!

Não sou grande entendida nem em casamentos nem em funerais, mas pareceu-me uma grande infantilidade esta birra. E também me pareceu que fraca é a fé que se perde na primeira contrariedade... Olha se Deus desistisse de nós assim à primeira!...

Confessionário disse...

JS, entendo mt bem o que dizes. Aliás, já falámos um pouco disso. Na minha paróquia vão se dando passos... E o senhor em causa foi muito correcto comigo. Mais, penso que me compreendeu, e entendeu que não havia outro meio. Eu próprio tive pena de não estar. Porém, o que me custou ouvir foram essas palavras de quem acha que tudo vai acabar, quando para ele parece já ter acabado... Sabes, esta coisa da cristandade ainda faz mossa... tinha as suas coisas boas, mas hoje não é mais possível. Como diz o Papa, não se pode mais fazer "porque sempre se fez assim".

Unknown disse...

Entendo vc padre e entendo ele tb. Meu pai faleceu a poucos meses e foi uma morte repentina, a família e eu buscamos por um padre que pudesse estar presente no velório para rezarmos por meu pai mas não havia nenhum...graças ao nosso bom Deus duas ministras foram ao cemitério para nós ajudar a rezar por todos os que estavam no local inclusive para meu pai. Não nego que fiquei indignada no dia mas depois busquei compreender os fatos.

Gui disse...

Desculpe-me o desabafo mas "Mas não compreendia onde a Igreja ia parar. Assim tudo acabava. Assim acabava a Igreja e a fé são expressões que tenho ouvido muito, seja nos funerais, nas missas pelos que partiram que não é possível celebrar, pelas festas que não se realizam como querem ou até porque os arranjos das flores foram feitos de forma diferente. Só não desanimo porque são comentários que vem de pessoas que nunca vi arregaçar as mangas para dar um parco contributo para melhorar as coisas e só vejo entrar numa igreja no dia de exibir o que tem de melhor (ou de pior), mas que custa ouvir custa.

Anónimo disse...

Mas em contrapartida olhamos para os centros urbanos e vê-se um magote de padres na celebração duma missa!! Uma realidade que eu sinceramente não entendo! Significa isto que se calhar os padres, apesar de escassos, se bem distribuídos, dariam para muita coisa, mas muitos não seguem a regra do bom pastor, sim os seus caprichos de ficar onde se sentem mais cómodos..
isto também é um pouco a minha indignação contra a hierarquiazinha da igreja .. a fé não se perde, o que se perde é a confiança na igreja..
Agnóstica, sempre azeda não è? Sorry...

JS disse...

Ok, Confessionário, eu também compreendo a outra parte: sei que mói receber críticas por parte de quem nada faz nem facilita o que se tenta fazer. Mas isso não falsifica automaticamente os argumentos invocados; apenas fere a autoridade da pessoa que os invoca.

Por outro lado, como já tive oportunidade de partilhar, a verdade é que ando numa fase apalermada em que, talvez por culpa de um certo Xico de Roma, não me deixo tanto prender por aquilo que os outros fizeram ou deixaram de fazer, mas mais por aquilo que eles poderão vir a fazer e se eu lhes posso oferecer uma oportunidade para isso.

No caso em apreço, era bem possível que eu dissesse ao tal genro que tomava seriamente nota do seu descontentamento e pedir-lhe-ia o seu contacto (ou autorização para o contactar mais tarde) a fim de o convidar a estar presente numa próxima reunião do grupo pastoral, a fim de lhe permitir expressar essa mágoa e suscitar com isso uma reflexão conjunta sobre o que se está a passar e as insatisfações que estão a ser geradas, as possíveis soluções provisórias ou imediatas que poderão tomadar-se para mitigar os problemas e o que realmente tem de ser feito/mudado, seja nas circunstâncias, seja na própria mentalidade dos crentes, para que as pessoas encontrem na comunidade resposta às suas legítimas expectativas.

P.S.: Posso parecer um bocado arrogante; e, se calhar, estou a sê-lo. Se me puderem dar um desconto, agradeço.

JS disse...

Quanto ao que o Papa diz, do não se pode mais fazer "porque sempre se fez assim", a minha interpretação é que aquilo que "temos feito sempre assim" é deixar que as regras humanas se vão cristalizando e dogmatizando, acabando sempre em "homens feitos para o sábado". E tentando sempre arranjar soluções habilidosas de recurso para disfarçar as distâncias cada vez mais gritantes entre ideologia e realidade. E sempre escorregando na tentação de dividir entre justos e pecadores, praticantes e afastados, formatados e revoltosos, achando que quem cai fora do penico tem de pagar o preço das suas escolhas, mesmo que a situação tenha pouco de escolhido, ou que à pessoa não tenha sido dada outra oportunidade nem se acredite que ela a mereça.

Essa para mim é que é a "Cristandade", que, mesmo anunciando-se moribunda, nunca deixará de espreitar a Igreja ao virar de cada esquina.

Confessionário disse...

Ui, JS
Achei muito pertinente esse teu entendimento da cristandade. Tu dizes então que vivemos na cristandade, mas de outro modo?

JS disse...

O que eu tento dizer é que podemos andar a acusar os outros de serem saudosistas ou de ainda viverem no tempo da cristandade, ou de pensarem que esse período pretensamente dourado será recuperável ou repetível, e sermos nós que ainda operamos com conceitos e construções mentais originados na cristandade e que fazemos uma ginástica impressionante para os acomodarmos aos novos tempos sem querer reconhecer que andamos a deitar vinho novo em odres velhos. Dizemos que muita gente ainda está presa dos hábitos de consumir a velha pinga, enquanto que nos gabamos de ser já apreciadores das novas colheitas; mas continuamos a manter os odres velhos. E tal como dizia o Mestre, acabamos perdendo o vinho e os odres, enquanto os tais antiquados e ultrapassados nos abanam o dedo, dizendo: "Até pode ser verdade que o nosso vinho seja velho e rançoso; mas, ao menos, ainda temos vinho".

Um exemplo - Qual é o sacramento mais importante: a Eucaristia ou a Ordem? Qual deles seria considerado ao serviço do outro? Qual deles seria suposto ser o primeiro a ser repensado, adaptado, reformulado, alargado, simplificado, em benefício da autenticidade e liberalidade do outro?
E afinal, o que andamos a fazer? Não há padres, não há missas; aguentem-se. Ou desloquem-se. Ou vejam na televisão. E agradeçam, que isto ainda vai ser pior. Toda a gente sabe que só há missa se houver padre. E padres não há. Talvez se estivessem mais bem distribuídos... Talvez se não andassem tão ocupados com outras coisas... Talvez se as famílias tivessem mais filhos e houvesse mais pais cristãos... Talvez se ser padre voltasse a constituir uma função de prestígio e autoridade... Talvez se voltássemos às liturgias em latim...
Entretanto, aguentem-se. Se quiserem, tenta-se arranjar um diácono. Ou uma celebração na ausência de presbítero. Ou uma MEC que distribua a comunhão. Por favor, não se queixem. Não podemos fazer nada, não há padres. Se calhar, até é bom. Se calhar, havia demasiadas missas. Se calhar, as missas até escondiam o valor dos outros sacramentos. Se calhar, mais vale uma missa bem rezada que três a correr. Afinal, só a missa ao domingo é que é obrigatória. Que pode ser ao sábado. Ou à sexta, se não houver outro remédio. Até porque o que interessa é a caridade. Jesus só foi à missa uma vez; e passadas umas horas já estava morto. Desde que vivamos em paz e façamos o bem, Deus não nos faltará. E rezem muito pelas vocações, que a seara é grande... Bolas.

Confessionário disse...

JS, o que sugeres é um novo modelo de Igreja? Um novo modelo que não se desculpe com a cristandade, e que torne o Evangelho sempre novo? Um novo modelo onde o padre seja outro tipo de padre?

Unknown disse...

Eu acredito que a distribuição dos padres seja o problema.
Entendo que a igreja é carente de sacerdotes mas os que já estão preparados muitas vezes encontramos em paróquias onde já existem padres enquanto outros lugares tem apenas um por cidade. Isso faz com que um padre nessa situação acabe sendo mal interpretado pois não consegue estar em dois lugares ao mesmo tempo criando o descontentamento da comunidade ou de alguns fiéis.

JS disse...

Confessionário, eu não queria aqui insistir muito no "novo", que é um conceito demasiado ambíguo e, porventura, redutor. Já dizia o Mestre que o sábio é o que sabe tirar do baú coisas novas e coisas velhas...
Também não estou com vontade de discutir "modelos" e "tipos". Isso é como pensar nas prendas de Natal que vamos dar a partir das caixas que as vão acondicionar. Primeiro a prenda, depois vê-se o embrulho.

Para mim, neste momento, é simples: se há comunidade, tem de haver eucaristia. Negar a eucaristia a uma comunidade é matá-la; é pecado que brada aos céus. Se para haver eucaristia são precisas umas mãos que partam e partilhem o pão, arranjemos então essas mãos. Será que a Igreja é constituída em 99,9% por manetas? Se for preciso ungir essas mãos com óleo santo e perfumá-las, eu ofereço o azeite, porra. Vai obrigar a grandes mudanças, vai dar azo a muitas complicações? A única coisa a que somos obrigados é a ser fiéis ao homem e à vida. Tudo o resto, ou está ao serviço desta causa, ou é simplesmente um empecilho, um skandalon. Vai demorar muito tempo, a Igreja é lenta? Então, temos de começar já hoje; não há um minuto a perder.

Anónimo disse...

JS: .. "talvez se não andassem tão ocupados noutras coisas" ... ora muito bem visto.. nunca vi padres e tão dispersos como os de hoje, estão ao serviço não de Deus, mas da instituição, ou de várias instituições, umas diretamente a ver com a missão descaracterizada de padre, outras só muito indiretamente ... mas é uma forma de "estarem no mundo sem se envolverem nele"...
Agnóstica

JS disse...

Agnóstica: mas temos que ser justos - muitas vezes os padres vêem-se obrigados a assumir essas ocupações porque é bem difícil encontrar outra gente com disponibilidade e qualificações para assumir esses trabalhos. Não há muitos com tempo ou podendo oferecer os seus prêstimos de forma (quase) gratuita; e os que há, rapidamente se fartam das quezílias e criticismos que abundam entre nós...

Anónimo disse...

JS julgo que o problema começa a ser transversal às profissões que assumem natureza vocacional: a vossa para mim deveria ser vocação única e exclusivamente, devendo estar única e exclusivamente ao serviço de Deus nas suas variadas facetas - divina e humanizada. Hoje quase que assume a natureza duma prestação de serviços, muito parecida à de um servidor público - funcionário Público. Segue-se a do médico que com a inflação das médias exigidas como único critério de ingresso no curso, deixa de lado pessoas com vocações extraordinárias, prontas a colocar o Bem do doente acima de qualquer interesse. O bom médico no fundo acaba por ser aquele que, em prejuízo da sua classificação por objetivos, premeia o bem estar do doente. Mas até isso o sistema está a fraudar, uma vez que se vêm muitas vezes sem meios para conseguir um mínimo de bem estar e isso é a frustração duma vida. Finalmente nessa lista de vocações tenho os professores, que se transformaram em autênticos funcionários administrativos, cheios de reuniões e atas para preparar, e que de vez em quando dão aulas. Quando a essência do ser professor é Ensinar, formar, educar..
Com os padres, é mais grave, porque a sua vocação é ser primordialmente missionário e não encenador, professor, informático, etc.. Enquanto na minha vida de servidora pública conseguir exercitar um pouco a minha missão de amar o próximo já fico feliz, mas reconheço que nem sempre é possível.
Agnostica

JS disse...

Agnóstica, percebo o que dizes. Mas lembra-te que a bela missão de mãe (ou de pai) costuma implicar limpar rabinhos e esfregar sanitas. Não é normal encontrar "empregos" perfeitos, onde se lida apenas com aquilo em que é suposto fazermos a diferença, contando para isso com todos os meios necessários, enquanto tudo o resto está confiado a outras pessoas que nos assistem. O importante é não nos deixarmos assoberbar pelas tarefas secundárias, a ponto de perdermos de vista o que é essencial. E uma das coisas a ter bem em atenção é a reunionite, doença altamente contagiosa...

Quanto ao que mencionas directamente sobre os padres: certo é que não foram ordenados para serem encenadores, professores, informáticos, etc; todavia, esse pode ser um caminho concreto e profícuo para exercerem a sua vocação missionária e chegarem ao coração dos irmãos. Lembro-me, por exemplo, de um padrte professor a quem eu não dava particularmente valor porque nunca o tinha visto numa paróquia ou a celebrar uma missa. Achava simplesmente que ele tinha fugido à sua vocação ou tinha sido incapaz de a assumir. Até que, por causa de um familiar, acabei por participar na homenagem que os alunos da escola lhe fizeram quando ele se reformou. E foi aí que percebi que aquela escola tinha sido realmente a sua paróquia, que ele tinha sido o grande padre daqueles alunos, e que a sua missão tinha dado imensos frutos.

Por outro lado, ainda: acho importante que os padres (e médicos e professores...) encontrem outros interesses para além daquilo que está directamente ligado à sua vocação. Chamemos-lhes passatempos, entretenimentos ou outra coisa qualquer. Oportunidades que funcionem como a válvula de uma panela de pressão, possibilitando algum escape ao stress diário e também algum prazer e satisfação perante os momentos mais complicados ou conflituosos do trabalho exercido. Uma forma de manter o equilíbrio psicológico e emocional. O problema, cá está, é se esses passatempos começam a roubar horas e disponibilidade ao tempo de serviço, ou se passam a interferir com a vocação assumida...

Anónimo disse...

Pois é saber o que é essencial e o que é mero adereço.. a minha critica foi feita porque na maioria dos casos assiste à inversão da pirâmide de prioridades.. padre ouve, escuta, está ao lado de..essencialmente, acessoriamente pode dar aulas, mas mesmo nesse dar aulas tem de saber ouvir, escutar, estar ao lado e nem sempre vejo isso.
Tive um grande Amigo padre, que me apresentou a Deus quando eu era toda eu agnosticismo e Negação, quer era padre em todos os momentos da sua vida, até quando brincava eu sentia que era padre, porque ele fazia-me acreditar que Deus tb brincava.. Mas esse nunca ocupou cargos na Igreja, sempre foi para onde mais ninguém queria ir, mesmo com uma idade demasiado avançada para o isolamento dos sítios para onde o enviavam, nunca ficou contaminado pela reunite, incentivou-me a fazer caminho sozinha com Deus quando sentisse que a Igreja não estava comigo,foi e é o meu exemplo de Padre, morreu sem bens em seu nome, com umas sandálias, um terço e alguns livros..
Agnostica

Anónimo disse...

Ah quanto à missão de pai e de mãe, como é algo que está vedado aos padres, não lhes reconheço muita autoridade moral para falar dessa missão. Mas que é uma missão isso é, a primeira de todas e paradoxalmente a única das que referi não remunerada.
No outro dia, falando com um casal, eles comentavam nas conversas absurdas que certos padres tinham sobre a vida a dois, eu respondi "deviam casar para saber que não é pera doce nem mar de rosas" como é bom ser-se casado com a Igreja, da forma como a maiorias dos padres a encara: uma esposa que não refila, não reclama, não exige, a quem se pode até enganar/magoar mas depois se é perdoado.. se ao menos acreditassem numa igreja que exige, que lhes fala diretamente ao coração dizendo que amar a Deus e amar o Próximo andam de mãos dadas, que têm de sair dos altares, andar e envolver-se no mundo, ser a voz do frágil, calar os hipócritas.. mas não estamos num marasmo social que contagia a própria igreja.
desculpe mas sou uma ex agnóstica inconformada com o pouco que a Igreja exige do seu clero.
Agnostica

Confessionário disse...

Olá, agnóstica

Desculpa discordar em parte com a de que os padres não t~em autoridade moral para falar da missão de pai e mãe. Não podemos generalizar. Porque, como sabes, todos os padres foram filhos e viveram no seio de uma família, todos convivem com matrimónios (não digo em desabafos, mas em amizades reais), e há muita informação que passa. Alguns, de facto, refugiam-se na doutrina ou em docs de moral. mas existem muitos outros que sabem do que falam quando falam dessa missão.
Dizer que eles nao têm autoridade moral para falar disso, seria impedri quaqluer tipo de opinião sobre a vida sacerdotal a quem não é sacerdote!

Anónimo disse...

Confessionário, desculpa, mas eu falo pela minha experiencia pessoal: à exceção do meu amigo padre falecido, que devido ao seu enorme poder de escuta e de ser um confessor nato, tinha essa autoridade de que falo, ou melhor, sentíamos autoridade nas palavras dele talvez por elas virem duma longa experiencia vivida através dos problemas dos outros. Mas a maioria esmagadora dos padres não tem esse poder de escuta, nem quer saber, anda cheio de reuniões, movimentos que lhes retiram o tempo para o individual.. como lhes posso reconhecer essa autoridade?!
Tenho um exemplo nítido na minha terra: um padre, de discurso manso e humilde, e um diácono casado e todo aguerrido naquilo que diz. Quem é que as pessoas adoram ouvir? O ´diácono, exatamente porque as palavras que profere sobre as dificuldades do matrimonio, dos filhos, dos adolescente vem duma experiencia vivida.. tenho um outro padre que até agradece que eu partilhe com ele problemas do dia a dia de pessoas que vêm ter comigo para ele se sentir mais próximo da realidade, pq se acha num mundo estranho..
Logo, falo a partir da minha realidade, há padres e padres..
Agnsotica

Anónimo disse...

Eu, por ex. ex anoretica, melhor que ninguém entendo quem passa pelo mesmo, claro que existem psiquiatras tão bons tão bons que até nos fazem pensar que já passaram pelo mesmo, mas não são muitos, são os que trabalharam e reviraram estas doenças do avesso, começando pela escuta, passando pela transformação e terminando na libertação. Mas chafurdaram connosco na lama, não se ficaram pelas teorias, não desistiram.. Quando não há escuta, está tudo perdido.. o mesmo se aplica aos padres e a qualquer ser humanos, estamos numa sociedade de corre corre, não se olha nos olhos por vezes com medo de perceber os problemas que eles escondem, vai-se ao coletivo para não se cair no perigo do individual..
Eu estou como sou.. intensa na alegria como na dor, que infelizmente reina mt mais do que aquela ..
Agnostica

Anónimo disse...

Ontem tentei enviar um comentário tentando explicar a minha fixação na falta de atenção, mas suponho que ouve uma falha no envio. Queria então falar um pouco de mim, talvez assim percebam melhor porque sobrevalorizo este aspeto em quase todos os meus cometários e daí tirem as vossas conclusões: estávamos nos anos 80, eu uma adolescente a caminho da faculdade na capital, deixando para trás família e amigos e levando consigo o segredo duma doença que na altura não tinha nem nome nem rosto (anorexia). Ao mesmo tempo parecia que sentia Deus fugir de mim, hoje vejo que fui eu que fugi dele e O substituí pelos meus filósofos existencialistas (era uma apaixonada por filosofia, curso que porém não quis tirar porque mexia por demais com a minha estrutura pessoal). Procuro um Padre que muito admirava (partiu precocemente num acidente de viação), rebelde na Instituição Igreja, mas sempre próximo dos mais fragilizados. Aconselha-me a procurar um colega em lisboa que me ajudasse a fazer a transição do Deus da minha infância para uma fé adulta. Chegada a Lisboa, mesmo sem qualquer convicção, começo a frequentar a igreja mais próxima aos domingos, e achei que tive sorte porque um dos sacerdotes era muito bem falante, aberto, virado para os jovens e casais.. boa! achava que era com ele que me iria abrir sobre a doença e sobre as duvidas de fé. Encho-me de coragem e um dia após a missa, estava ele a conversar com um casal do lado de fora da igreja, e eu timidamente e a tremer pedi-lhe se me podia confessar "a ele". Mas ele nem olhou nos meus olhos tristes, angustiados e cansados, apenas disse, com ar até agradável (como sempre sabe ser, até em programas de tv nos quais ao longo destes anos o fui participar, pois a elequência e retórica dele levou-o longe), que fosse ter com o colega que estava a confessar naquele momento e que era um padre tão idoso que me fiquei só por meia confissão e aí começou o meu abismo para o agnosticismo tão doloroso quanto solitário, de mãos dadas com uma doença que requeria muito carinho de Deus.. hoje pergunto: se não tivesse sido aquela falta de atenção como teria sido a minha vida? O curso da minha doença? Estive 22 anos com ela, uma sobrevivente rara, uma heroína para outros, um caso raro na psiquiatria (não me gabo disso e todos os dias peço a Deus por mais um dia sem ela e que todas as meninas não passem um dia sem a desesperança que passei).
Agnostica

Anónimo disse...

ups, erros de português no comentário anterior, deve ter sido da emoção que imprimi. Entre muitos outros, ..."O curso da minha doença? Estive 22 anos com ela, uma sobrevivente rara, uma heroína para outros, um caso raro na psiquiatria (não me gabo disso e todos os dias peço a Deus por mais um dia sem ela e que todas as meninas não passem um dia NA a desesperança que passei)."
Agnostica

JS disse...

Agnóstica, és testemunha - e vítima - de como uma pequena desatenção pode produzir efeitos terríveis. Por um lado, a tua experiência dolorosa despertou-te para a necessidade de haver exigência; por outro, desejas que ninguém passe pelo mesmo, o que fará com provavelmente nunca venham a sentir de forma tão aguda como tu a falta que assinalas, seja de que lado da barricada se encontrem.
Vem-me à memória um título: "Entre a exigência e a ternura". A tua exigência interpela-me pessoalmente; talvez o (atrevido) convite à ternura possa ser bálsamo para a tua dor.

agnostica portuguesa disse...

Verdade JS, sinto-me na obrigacao de exigir isso como forma de evitar que passem pelo que passei. Se cheguei a esta altura da Vida falando de Deus 'e porque Ele deve querer que passe uma Mensagem a alguem. Sinto isto como uma obrigacao e quase que faco disto uma missao. Nao foi 'a toa que passei por tudo isto ...sei que para quem nao sentiu nunca a vulnerabilidade daquela adolescente ou a solidao daquela doenca pode ate achar-me obsessiva e talvez ate esteja a ser um pouco, mas 'e so na ansia de proteger as minhas "queridas meninas e meninos" perdidos de si proprios.

Anónimo disse...

Acompanhar um irmão à sua ultima morada parece ser um serviço menor. E "mandam" os diáconos, "mandam" demasiadas vezes os diáconos... E, entendamo-nos, para a família NÃO é a mesma coisa. É um tempo de dor e presença do sacerdote é importante e lhe exija renúncia. Agradeço aos senhores padres de Nisa que~, atendendo muitas paróquias, são inexcedíveis no cuidado que colocam. As palavras, a oração, os tempos de silêncio e de espera... Já vem de longe. É lá que eu tenho sentido o consolo de ter ao lado um sacerdote.

Confessionário disse...

11 dezembro, 2016 00:03

Não é, de todo, um serviço menor. Nem "mandar" um diácono ou ser um diácono a presidir é tratar esse momento como menor. O que tem de mudar é a concepção de Igreja que temos, e a concepção do que queremos de Deus (ou da Igreja)!
No resto, somos capazes de estar de acordo!...

Anónimo disse...

Ou a concepção dos padres, para que possamos ter mais

Confessionário disse...

11 dezembro, 2016 23:19

Sim, também... não sei é se para ter mais ou ter melhores e mais genuínos...

Anónimo disse...

Como disse o Papa Francisco recentemente, não interessa a quantidade de vocações, sim a qualidade, e apela a que os padres não tenham medo de sujar as mãos .. há muito padre hoje demasiado "desinfetado", perdoa Confessionário, porque têm medo de perder a postura, de se envolver no mundo real, como lhe disse no outro dia assisti a um recém ordenado padre dizer "há que saber estar no Mundo sem se envolver nele"..
Julgo que enquanto o celibato não deixar de ser uma imposição os padres - aqueles que não têm vocação celibatária - irão ser sempre incompletos na sua vocação, mas quem sou eu para o dizer, estou tão farta desse assunto que só de falar fico ...
Agnóstica