A propósito e a despropósito do filme que agora anda na boca do mundo, e embora eu evite falar do que as bocas do mundo costumam ter em modas, apetece-me partilhar uma simples ideia que me surgiu após ler um artigo e um comentário de um colega. O filme “Spotlight” retrata uma situação verídica ocorrida na diocese de Boston e que pôs a nu a vida de alguns sacerdotes que, pelos vistos, abusavam de crianças. Ainda não o vi, mas já li várias coisas sobre este filme que, como dizia o órgão oficial do Vaticano, não parece nada anticatólico.
A propósito e a despropósito de algumas dessas leituras que afirmavam e reafirmavam que a Igreja tinha de falar nestes assuntos, gostava de dizer que para mim uma coisa é afrontar, enfrentar, procurar soluções para os problemas, e outra necessitar de falar deles. Dizê-los pode significar que se pretende enfrentá-los, mas não significa necessariamente resolvê-los. Há tantos assuntos que a sociedade se farta de dizer e não os resolve!
A propósito e a despropósito desta insistência no dever de falar-se, ocorreu-me pensar numa comparação igualmente triste. Não imagino que alguém que tivesse uma mãe ou uma irmã prostituta, embora encarasse a realidade e se esforçasse por dar o contributo à sua resolução, tivesse a mínima vontade em falar disso.
9 comentários:
Realmente, falar dos problemas não os resolve mas ajuda a chamar a atenção para a necessidade de os resolver. Não falar deles, por outro lado, além de não os resolver pode levar a que sejam ignorados, desvalorizados, esquecidos...
Também fui ver o filme e, embora a realidade da pedofilia na Igreja não tivesse sido uma surpresa para mim, fiquei chocada com a quantidade de casos que foram levantados através daquela investigação ( e daqueles que surgiram depois!) e como foi possível à Igreja esconder estes crimes durante tanto tempo.
É óbvio que a realidade da pedofilia não é um exclusivo da Igreja mas, neste contexto, torna-se particularmente chocante pois vai totalmente contra os valores que defende. Não se trata de uma questão simplesmente moral, trata-se de um crime(!) e custa-me a aceitar que os padres não estejam sujeitos à mesma justiça dos outros cidadãos para estes casos.
O que me parece relevante na divulgação destas histórias é que, depois da sua descoberta, a Igreja passou a ter uma atitude diferente perante as vitimas e perante o crime. Sei que foram criados centros de acompanhamento para padres com comportamentos sexuais desviantes e sei que passou a existir um cuidado diferente na selecção de candidatos ao sacerdócio. Também começou a existir a preocupação de estudar o comportamento sexual das pessoas ligadas à Igreja, coisa que até há pouco tempo, era um verdadeiro "tabu" e há estudos que revelam que os crimes contra crianças no seio da Igreja têm vindo a diminuir, por isso falar das coisas pode não ser assim tão mau...
A propósito e a despropósito da tua comparação ocorreu-me pensar noutras comparações igualmente tristes. E imagino que a criança abusada é meu filho, neto, irmão, sobrinho. Ou que me não é nada e que está entregue a si própria. Ou acolhida numa instituição. Ou que sou eu mesma a vítima. A propósito e despropósito da insistência em que a Igreja fale nestes assuntos imagino uma casa em que os pais, os avós, os irmãos ou os tios são os próprios abusadores e em que ninguém tenha a mínima vontade de falar nisso. Em que os assuntos são “resolvidos” mas silenciados. E penso que por vezes o “falar” não deve estar na dependência de uma vontade mas de um dever e que a Igreja ao falar dá voz ao silêncio de muitas vítimas.
Oh padre quem fala o que não deve, escuta o que não.... comparação infeliz a tua. A prostituta prejudica se a ela própria e concerteza faz sofrer a SUA própria família. Já o pedófilo... Desculpa, mas bem se vê que não es pai....
Não venho defender que se faça silêncio (como igualmente penso que a tua perspectiva não é a de que se faça silêncio). Mas também opino que uma coisa é tratar do assunto e outra andar sempre a falar dele, até pelo facto de ser uma arma de arremesso contra tantos outros padres. Seria como falar mal de todas as famílias porque algumas são miseráveis, e de tanto falar nelas poder tornar-se generalizado e até banal.
Boa noite. A propósito as coisas só mudam de figura quando nos tocam pessoalmente, porque até esse momento tudo tem facil resolução apenas diz respeito ao outro em teoria todos somos optimos a dar conselhos e palpites. A igreja e os padres de facto são muito apontados porque a maior parte deles se comportam como se fossem os escolhidos de Deus, uma raça superior que tudo pode e tudo domina. Talvez por assumirem esse ar altivo e intocavel é que quando surgem os escandalos, e sao muitos, as pessoas os considerem culpados à priori. De tudo o que escreveste até hoje esta foi a que me entristeceu.
!!!! Sim padre, se a mãe OBRIGAR a filha a prostituir-se é quase a mesma coisa.
Deve falar-se. “Eu não vim trazer a paz, mas a espada …”
A imagem que me vem á mente, é a de deixarmos, ou não querer-mos deixar, de ser uns “cãezitos” e uma “cadelitas”...... “dar perolas a porcos…”
(Também não vi o filme. Não sou de correr para nada. Costumo dizer que sou culturalmente analfabeta (chamam arte e artistas a tudo!), se for realmente bom, ficará por muito tempo, não deixarei de o ver.)
O que mais me choca no meio disto tudo é que se este escândalo não rebentasse, a igreja que certamente tinha conhecimento do que se estava a passar, continuava calada e conivente com este crime. Só quem têm filhos consegue imaginar o que é ver os mesmos serem vitimas de tamanha brutalidade.
Penso que as vossas inquietações-comentários merecem e pedem-me uma resposta. Assim o faço em 3 pontos:
1. Reconheço, na verdade, que a comparação não é propriamente verosímel dado que, como alguém disse, não implica uma outra vítima. Poderia ter-me lembrado de outra que tivesse uma segunda vítima. Porém, o que pretendi foi afirmar e/ou justificar como alguns assuntos fracturantes nos inibem ou intimidam a falar. Recordemos, por exemplo, a “morte”: por mais que saibamos da necessidade de a falar para a abordar, sempre custa.
2. Não sou favorável ao silênciamento, como alguém tb afirmou. Os assuntos que não se falam podem de facto nunca ser assuntos. Pretendia, no entanto, alertar para o fenómeno que às vezes vem associado com este “tanto falar”, e que é a banalização e a generalização, como alguém tb disse. Ainda recordo não há muito tempo como alguns órgãos de comunicação social tanto dinheiro fizeram nessa banalização sensacionalista!
3. Convém recordar ainda que quando se fala da “Igreja” nos deveríamos incluir a todos os que tentamos sê-lo. É óbvio que o peso de uma hierarquia e de um magistério é maior que o dos simples leigos e padres de umas paróquias no nosso mundo. A responsabilidade da Igreja é de todos, sendo que nestes assuntos todos nos deveríamos implicar tb. Um colega falou que exactamente no filme, quase ao final, aparece alguém a dizer “e onde estivemos nós este tempo?!”, como que a dizer que a todos toca um pouco esta responsabilidade.
Aceito e compreendo no entanto as dificuldades que o assunto gera e o porquê de algumas das vossas inquietações. Por isso, lá está, tb a mim me custa tocar no assunto! E é só isso, no fundo…
Confessionário, tomo a liberdade de acrescentar aos três pontos do teu comentário:
1. Se a comparação anterior podia induzir em erro, o colocar a questão em termos de assuntos fracturantes pode também revelar-se imprópria. Aquilo que eu acho que queres dizer é que é extremamente doloroso falar deste tema, por causa da tristeza, embaraço e vergonha que nos faz sentir enquanto pessoas da Igreja e, no teu caso, Confessionário, enquanto irmão no sacerdócio. Vergonha pelos crimes cometidos, pelos encobrimentos realizados e pelas pseudo justificações e soluções que chegaram a ser apresentadas (e que ainda se vão ouvindo).
Mas se o silêncio faz algum sentido enquanto auto-preservação, a verdade é que ele revela-se iníquo. Diz o saber popular: "quem cala, consente". E aqui, o ditado aplica-se com toda a justeza.
2. Por isso mesmo, a Igreja precisa de ajuda para resistir à tentação de calar o assunto. Ajuda que lhe vem do exterior, e concretamente da comunicação social. Não tem sido uma ajuda meiga, mas é extremamente necessária. Todavia, também os media incorrem em perigos. Não tanto o risco da banalização, mas o do sensacionalismo e o jogar com a pura emotividade. E também o perigo da "caça às bruxas" e do encontrar culpados a todo o custo, correndo-se o risco de gerar outras vítimas, com acusações que se revelam falsas ou enganosas.
3. Não convém diluir as responsabilidades da hierarquia nesta questão. Foram cometidos erros terríveis de discernimento. Tem de haver consequências. Alguns bispos e superiores de ordens religiosas têm de ser punidos, internamente e no âmbito da sociedade civil. Misericórdia, sempre; mas primeiro, a justiça.
Continuo a dizer que faz muita falta ler e reler a carta que Bento XVI escreveu aos católicos irlandeses. Está lá tudo.
http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/letters/2010/documents/hf_ben-xvi_let_20100319_church-ireland.html
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