terça-feira, fevereiro 02, 2016

Os ruídos e silêncios da missa

Ainda celebro missas com ruído de fundo semelhante a vento que entra pelas portas mal fechadas. Um ruído que soa a terço rezado e por vezes a repetição das palavras que eu professo. Pensava eu na minha meninice sacerdotal que com o tempo este ruído iria desaparecer. Mas não. Há ainda pessoas nas nossas missas do tempo em que a missa era em latim e dava jeito ocupar o tempo com algo útil, que se percebesse e que fosse autêntico. O autêntico possível. E essa gente é a que ainda tem mais tempo disponível para ir à missa. É a gente de um certo tempo de cristandade. O resto da gente já não tem tempo sequer para rezar terços durante a missa. Ou fora dela. 
Incomoda, de certa forma, este ruído. Mas também incomoda ouvir silêncios do lado de lá do altar.

16 comentários:

Anónimo disse...

Uma grande verdade, infelizmente...
Mas mesmo assim, penso que já houve menos silêncios, vão aparecendo aos poucos.
Precisam de estimulo, de "chamamento" de "acolhimento"..

Anónimo disse...

Realmente, o que será pior: os silêncios ou os ruídos na missa?

JS disse...

Talvez um dos males da missa actual seja andarmos todos preocupados com os outros: o padre preocupado com a assembleia que tem ou deixa de ter, se está atenta ou se não participa; o povo preocupado com o padre que preside, se é novo ou se está azedo, se conta anedotas ou gagueja...
Talvez se o padre se abstraísse um pouco dos fiéis presentes e pusesse os olhos naquele crucifixo em cima do altar e sentisse mesmo que a missa é uma coisa entre ele e Deus... E se cada um se esforçasse por fazer a sua própria homilia e comungasse a Deus sem reparar tanto nas mãos que O dão a comer...

Confessionário disse...

JS, obrigado pelo auxilio à minha reflexão. Com certeza continuarei preocupado com a minha comunidade, porque sentir que a missa entre mim e Deus implica também que seja com as minhas assembleias. Não estou nunca sozinho neste olhar a Deus. Mas deveríamos, de facto, dedicar-nos mais a isso.

JS disse...

"Não estou nunca sozinho neste olhar a Deus."
O problema é quando isso significa que a pessoa não consegue estar sozinha, não sabe estar sozinha com Deus. Como aquele casal que se quer permanentemente rodeado dos filhos, porque já não sabem estar sozinhos um com o outro.

Às vezes, quando se fala sobre oração, alguns dizem: "Eu rezo com as outras pessoas na missa". Fica a ideia de que não costumam rezar sozinhos, de que nem sabem como. Quase como quando pensamos no Credo: na missa até conseguimos dizê-lo, mas sozinhos a coisa já não vai.

Desconfio que alguns padres nunca celebraram uma missa sozinhos.

Confessionário disse...

JS, vais-me desculpar, mas a Eucaristia é uma celebração claramente comunitária. Não podemos nunca esquecer isso. Como tal, a Eucaristia não deve ser apenas aproveitada para uma oração pessoal, embora nela cada um deva entrar pessoalmente em intimidade com Deus. São coisas distintas.

Anónimo disse...

Às vezes o ruído que se ouve na missa,não é a Rezar o terço, mas a falar com o vizinho do lado e isso ainda é mais grave. Todos devíamos aproveitar a missa para estarmos um bocadinho com o nosso pai do céu.

Anónimo disse...

Cá a mim parece-me que, cada vez mais, a missa é onde se vai por não se ter onde ir. Talvez por isso sejam os idosos os fiéis maioritários. E estes são também, por graça de Deus, os mais curtos de vista e duros de ouvido. Numa assembleia com estas limitações tudo continua a soar a latim, mesmo os silêncios que não se vêem. Há, pois, que dar à língua, a mais não seja, para apurar se o padre ainda lá está ou se já se foi e a missa é finda.

SIRF disse...

Ontem na missa de quarta-feira de cinzas aconteceu-me ficar mesmo ao lado de uma senhora que repetia (praticamente ao mesmo tempo!) tudo o que o padre dizia! Mas que impressão me fez. Não me consegui abstrair! Aquela paz e reflexão que gosto de fazer (em pensamento e para mim!) ontem não foi feita. E tenho para mim que foi como se não tivesse ido!

Quando aos comentários! Não concordo com que "a missa é onde se vai por não se ter onde ir". Afinal de contas em praticamente todas as aldeias há um café. Ou a casa da vizinha. E se as pessoas vão é porque (ainda que possa ser pouca!) têm vontade e acreditam no que ouvem. Tenho 33 anos e sim, gosto de ir à missa. Faz-me bem. E não sou a única. Ainda ontem, estava um dia de chuva aqui no norte. Eram 18h30 (tão bem que se estaria em casa no quentinho!) e a igreja estava cheia. E sim tinham pessoas de todas as faixas etárias. Menos jovens é certo. Mas alguns!

JS disse...

"a igreja estava cheia".
Bem, a missa de ontem não conta.
Ou, se calhar, é das que realmente contam...

"uma senhora que repetia tudo o que o padre dizia"
Sinal que o senhor padre está a precisar de variar as orações eucarísticas.
E inserir umas pausas.

SIRF disse...

Muito bom JS, "variar as orações eucarísticas"!!! Eh! Deve ser mesmo essa a solução! Porque ensinar as pessoas a ouvir é difícil... e a reflectir sobre o que ouvem...então! Nem se fala!

Confessionário disse...

JS, e SIRF

Olhem que o variar as orações tb não é propriamente a solução... a sério.
Há que ir à raiz do problema, e mudar a forma de estar das pessoas... e não ajustar a clebração à forma das pessoas...

SIRF disse...

Tem toda a razão Confessionário.

Eu estava a ser irónica quando fiz este último comentário!

JS disse...

Ó Confessionário, tens de voltar a ir aos concertos. Vais reparar como aquela malta, que já ouviu a canção umas milhentas vezes, mal são dados os primeiros acordes, começa a bater palmas e depois se põe a cantar a música por cima da voz do cantor. Há artistas que seguem na onda e vão deixando o público fazer o espectáculo; os fans ficam todos contentes e eles aproveitam para descansar a voz. Mas há outros que tratam de introduzir umas alterações ao ritmo, ou de mudar alguns versos (o Rui Reininho é perito nisso) e a malta, ao sentir a estranheza, cala e começa a ouvir de verdade.

Às vezes, basta que seja um padre diferente a celebrar: mesmo que diga aquela exacta oração, fá-lo com outro tom, outra cadência. As "repetideiras" rapidamente sossegam...

Anónimo disse...

Essa é de artista: “A Celebração Eucarística Armadilhada”. Troca-se o padre à socapa, a assembleia esbarra na casca da banana e acaba-se de vez com a cassete pirata. Outra solução quase tão exequível, mas talvez menos traiçoeira do que essa, passaria por colocar inspectores à paisana no interior das igrejas durante o horário das celebrações cobrando-se direitos de autor pelas reproduções vocais indesejadas das papagaias.Isto se as há, porque parece que o que temos são verdadeiras “diseurs” eucarísticas, perfeitamente sincronizadas e aptas a saltar da nave para o presbitério em caso de amnésia, achaque, falecimento, ou qualquer outra incapacidade súbita do pároco. Gente que “do resto entende mal” e que no dizer mostra o também saber.
Ai Senhor das Furnas…

Anónimo disse...

Tal como a SIRF ando na casa dos 30 e não só gosto de ir à missa, como se tornou uma necessidade na "alimentação da minha Fé. Também a mim me faz muita confusão ouvir alguém constantemente a recitar o que o padre está a dizer...

Concordo plenamente com a analogia do JS "introduzir umas alterações ao ritmo" parece me um bom caminho...
Costumo ouvir homilias de vários padre. Todos elas com um conteúdo riquíssimo. Mas a forma como elas são transmitidas são de uma importância vital para chegar aos mais distraídos.

Ainda que distraídos e seja qual o for o motivo que os leve à igreja, eles estão lá! E semana após semana, tal como a "alimentação" da fé o exige. Há que tirar partido disso para lhes tentar chegar ao coração... Entendo a frustração dos padres que missa após missa, ano após ano tentam chegar a essas almas distraídas... Basta que de vez em quando consigam converter um coração, para fazer valer a pena. Afinal se fosse assim tão fácil converter corações, o mundo não teria coisas tão hediondas...

SL