Dirijo-me à conservatória do registo civil. Vou apressado porque é o último dia para entregar a acta do casamento de sábado. Temos três dias úteis para o fazer. Esqueci de retirar os óculos de sol. Está um calor insuportável. Entro e tudo se faz escuro. Continua, porém o calor. Estavam várias pessoas na fila de espera. Os padres já são conhecidos por tantas actas que entregam. Apesar de ser uma entrega simples e rápida, não quis ultrapassar ninguém da fila. Porém, de entre o escuro reconheço uma paroquiana. Olhamos um para o outro. Por aqui, padre? E tu também por aqui, Sofia? São as perguntas óbvias, como se não tivéssemos percebido que estávamos lá. Eu tinha a desculpa dos óculos escuros. Ela tinha a desculpa de estar de costas. Mas fizemos a aproximação normal das pessoas que se conhecem bem. Então que faz? Perguntou. Trago uma acta de casamento. Por acaso é do casamento deste sábado na paróquia. E tu? Trabalha num escritório de advogados e trazia um pedido de divórcio. Fiquei incomodado. Mas está a tornar-se normal e, sem querer, tentamos que seja normal para nós. Conheço? Tornei. São o José e a São, padre. Os do supermercado. Os meus olhos estavam cobertos pelos óculos e foi o que valeu. Mas fez-se ainda mais escuro e mais calor. Enquanto acrescentava um casal ao número dos casados, na mesma hora ela acrescentava um casal ao número dos divorciados. Não era propriamente novidade que as coisas não andavam bem, pois já os tinha escutado a ambos. Mas não pensei que as minhas palavras e orações não tivessem o efeito desejado. O diálogo gerou-se a partir do caso e descaso das pessoas. O caso hoje e descaso amanhã. A admiração dos que duram mais de dez anos. A admiração pelos que duram dezenas de anos. O conservador explicava que ganhava mais com os divórcios. E eu disse que as famílias, os filhos, a sociedade perdiam. Olhe que se calhar temos mais divórcios por ano que casamentos, padre. Acrescentou. A conversa prolongou-se. Mas fugi dali assim que consegui. Pena que não deixei lá a conversa. Entrei no carro. Continuava muito escuro e muito calor.
9 comentários:
Ai, Padre,
são os sinais dos tempos.
Os meus pais estiveram casados, até
à morte (sessenta e três anos)
Eu casei nos anos sessenta, por Igreja, católicos os noivos (praticantes) um casamento de sonho. Continuo casada há quarenta anos. Todavia o meu casamento na verdade não durou mais de três anos... e quatro filhos...
Sem comentários...
Ah! conservo a aliança no dedo.
Abraço fraterno em Cristo
Maria
Infelizmente, também viverei de perto os divórcios. Papéis é a única coisa que une duas pessoas que dizem que agora se odeiam. E os papéis são o motivo que me unirá a esses divórcios...
Mas, sinceramente, preferia ser padre e celebrar casamentos... Porque quem casa não é por uma questão de papéis, mas sim por amor... Assim o espero e desejo que todos os casamentos possam manter a compreensão, o amor e o carinho dos primeiros tempos de namoro e de casamento.
Tenha uma boa semana, padre. :)
Esta "menina" em cima comoveu me" ah..conservo a aliança no dedo"..poucos o fazem!parabens*
Na verdade eu fico emocionada em casamentos..mas olho tanta farsa a minha volta..que nunca tive o sonho de tal, talvez pelo medo "de"..
Hoje em dia as pssoas casam se mais por interesses que por amor ...certo?
E em vez de resolverem os problemas..chegando a um acordo mutuo...divorciam se num momento facil..assim..como ir as compras..algo banal...
O que choca ao padre quando ouve essas noticias de divorcios???
O msm k eu???de não haver mais "sentimento" nos casamentos??
Na verdade eu nao sou contra o divorcio..sou e contra o casamento quando duas pssoas nao se amam da msma forma!
Mas visto que não existem medidores de "sentimento"..so existem balanças para materias e nao para sentimentos...o nosso mundo vai cntinuar assim...
:(
Infelismente...
nao consegui deixar de comentar esta sua historia eu sei disso porque tambem ja fiz o que o senhor padre faz , fiz isso durante ,alguns anos aqui no cartorio da minha terra passaram-e muitos pelas maos e tenho a certeza de que alguns se divorsiaram tambem e fruto da epoca e das pessoas nao darem valor ao verdadeiro amor , que se constroi na alegria e na tristeza , sempre ate ao fim se calhar por acreditar nisto , e que eu ainda estou solteira .
Se, por um lado, a vergonha e a dependência económica favoreceu a longevidade de muitos casamentos, por outro, hoje vive-se a correr e põe-se o "eu" acima de tudo.
Mas o pior não é o "descasar" propriamenmte dito. O pior é aquilo a que se assiste na (infelizmente) grande maioria dos casos: o verdadeiro "terrorismo" psicológico - e não só - que é exercido entre os ex-conjuges e destes para com os filhos. Sou católica mas aceito o divórcio; não de ânimo leve, como quem troca de carro, mas em situações extremas. Mas que seja feito de forma honesta, ou pelo menos pensando mais nos filhos que neles próprios, tentando assim minorar os problemas que já resultam naturalmente da separação dos pais. Era tudo tão mais simples se as pessoas fossem menos egoístas.
Pois as pesssoas nao cedem, não respeitam, nao amam....
Bjs
PARABÉNS POR MAIS UM ANO DE VIDA
Gostava que os noivos em preparação para o casamento, podessem ver dentro do coração de uma criança, filha de pais separados!
Gostava que os noivos em preparação para o casamento, podessem ouvir os relatos de uma criança filha de pais separados!
1º- Seria educativo.
2º- Talvez os fizesse pensar, que não era só a boda, o fotografo e as farpelas que interessavam para "aquele dia".
Desculpem... escapou-me cá de dentro... é só!
Há tempos não visito o Confessionário. Vejo que fundo escuro se acendeu. E era mesmo necessário para acompanhar a clareza das mensagens. Seus escritos poéticos, profundos, iluminam.
Quanto a "O caso descaso!" ... seria "descaso" ao Amor?
Paz e Bem!
AdéliaTheresaCampos
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