segunda-feira, novembro 23, 2009

A Clara e o amor dos cristãos

A Clara gosta de tudo claro. Coloca questões com frequência. Não se coíbe de apontar dedos e dúvidas. Está numa fase que já pergunta pouco e se conforma mais. Porém, tem este temperamento de querer perceber para ser ainda mais. Por isso, participa nas acções de formação que encontra. Às vezes parece que sai de umas para outras e que existe uma desconformidade dentro do seu coração. A mim parece-me que não. Tomáramos que todos os cristãos fossem inconformados, activos, interventivos, interessados e implicativos.
E assim aconteceu numa dessas formações que a Clara perguntou Afinal como devia amar um cristão. A pergunta parecia despropositada, pois já toda a gente sabe como deve amar, e que Jesus disse que não bastava amar os amigos. Para amarmos os inimigos e para amarmos com todas as nossas forças, inteligência e coração. Que ainda disse para amarmos como se fôssemos nós a pessoa que amamos, ou que pensássemos que estávamos a amar o próprio Jesus, pois o que fizermos ao mais pequenino dos irmãos, disse, é a Ele que o fazemos. E ainda disse mais coisas que aproveitei para referir, em síntese, em argumentação, retiradas da Bíblia.
Porém, enquanto os outros presentes pareciam satisfeitos, ela não. Por isso tornou. Ó padre, amar Jesus é fácil. Amar com tudo de nós também. Assim como fazer aos outros o que queres que te façam a ti. Já o amar o inimigo se torna mais complicado. Mas há ainda algo mais difícil para mim. Diz lá o São João. Agora era a minha vez de escutar. Que Jesus nos diz para amarmos como Ele nos amou, e para amarmos como Ele e o Pai se amam e são um só. E isto é que não é pêra doce, padre. Amar como Deus ama não é fácil de perceber. Muito menos de viver. Que me diz, padre?
Que te hei-de dizer, Clara, que gostas de tudo claro! Que hei-de pensar, Clara! Que me deixaste a pensar? Que te hei-de responder?
Que me deslumbraste com algo que já tinha pensado, mas não a esta distância. Mas não desta forma. Que se aprende quando menos se espera. Que afinal, o cristão deve amar como Deus ama. Que Deus, afinal, é a medida de todo o amor.

terça-feira, novembro 10, 2009

As perguntas que hoje faço

As luzes da noite avistavam-se ao longe. O ambiente fazia pressentir o ruído das pessoas em casa. Estava na varanda, debruçado e preso ao gradeado em forma de cruz. Estava só, e na presença do vento que se ouvia ou do frio que me entrava nos ossos. Ora um ora outro a fazer-me pensar. Lembrei-me de perguntar Porque entrei no Seminário? Mas as respostas não regressavam. Nem sentidas, nem pressentidas. Procurava no passado uma que outra frase, uma que outra motivação. Não recordei senão que um dia senti que devia entrar no Seminário e que havia de mudar o mundo.
O vento e o frio queriam que os meus pensamentos encontrassem então umas desculpas, uns argumentos, novas perguntas. Que se mudassem as perguntas. Para facilitar-me a vida, para ma enganar. Porque vão hoje os miúdos para o Seminário? Mas os pensamentos teimaram nas respostas sem resposta, sem algo que me preenchesse a noite e as luzes da noite, e me deixasse sossegado.
Exigia apenas um pensamento que toldasse a minha vontade. Porém, as perguntas que hoje faço com respostas rápidas, prontas, leves, certeiras e acertadas, são quase sempre as mesmas. O que tenho de fazer amanhã? Falta-me isto, tratar daquilo, preparar o não sei o quê.
E fico preso entre a vontade de ser mais padre e a força dos meus afazeres. Entre o querer saber o que Deus quer de mim e o viver para o que os outros exigem de mim. Queria gritar Já não sou eu que vivo É Cristo que vive em mim, e dou conta que sou apenas eu que existo, a correr atrás de um Cristo que não cabe nas mãos que estão ocupadas pelo meu que fazer. Tento agarrá-lo. Mas as mãos cheias não fecham, e Ele escapa.
Senhor, quando deixarei de ser teu funcionário, para ser apenas Tu em mim e eu em Ti?

segunda-feira, novembro 02, 2009

Vocações sacerdotais, quando?

Não vou falar do que penso. Vou só constatar a realidade. Tal como a constata o meu olhar. Digam que é apenas um olhar, que eu respeito. Mas é um olhar que existe.
O número de paróquias não diminui. Só diminui o número de pessoas em cada paróquia. Por outro lado, o número de sacerdotes diminui substancialmente. Logo, aumenta o número de paróquias e de serviços por sacerdote.
Geram-se novas angústias nos sacerdotes. Cansados. Esgotados em correrias, em faltas de compreensão, em multiplicar de exigências da parte das pessoas. Estigma do funcionário/profissão. Celibato. Falta de tempo para a oração. Para si próprio. O problema acresce porque alguns não aguentam e desistem. Lembro o mais recente colega que já não está ano activo. Estou a pensar noutro que já teve o casamento civil marcado. O problema agrava-se porque diminui o número de sacerdotes e a regressão aumenta. Muda o número de participantes nas eucaristias. As pessoas emigram de diversas formas. Os paroquianos diminuem. Um problema de natalidade, sobretudo. Missas com menos gente. Há-as com 30, 40 pessoas. Não podiam juntar-se?!
Muda muita coisa. Fora e dentro da igreja. Novos confrontos. Novas necessidades. Um evangelho a actualizar. Mas as atitudes dos cristãos continuam as mesmas de há vinte ou dez anos atrás, quando tinham o pároco na paróquia, sem grandes serviços, disponível para ouvir, para presidir a todas as celebrações, litúrgicas ou não, com tempo para inventar festas e procissões, para confessar, para conviver com as pessoas, embora se calhar hoje os padres convivam mais com as pessoas, digo eu. Recorrem ao padre quando precisam, e exigem-lhe, porque se entregou gratuitamente em favor do reino, que esteja na gaveta ao dispor. Abre-se e fecha-se a gaveta consoante as necessidades. Ate aceito. É para as necessidades que ele tem sentido. Mas, se têm celebração da Palavra é porque não deviam ter. Se a procissão foi mais curta o padre faz-nos perder a fé. Se o casamento não é assim ou assado, este padre não presta. Se vai exigir-se uma catequese organizada, coerente e séria, são exigências, e desistimos. Se faz algo formativo, não é para mim, pois também não tenho tempo. Se não faz, não se dedica às pessoas. Não quer saber. Se é obrigado a acabar com alguma coisa, não quer trabalho. Se não possui tempo, não quer saber de nós. Se come com este, tem preferidos. Se não come em casa de ninguém, não é sociável. As atitudes são as mesmas de há vinte anos. E depois a Igreja não evolui.
Sabem de um coisa? De vez em quando, ocorre-me a tentação de desejar ter nascido uns vinte anos antes.

sábado, outubro 24, 2009

tudo na vida se pode ver de diversas formas

Padre, o meu namorado está longe e há três dias que não diz nada. Um dos meus melhores amigos está a morrer. Tem cancro no pâncreas. Também tem 82 anos. Não quer morrer. Luta pela vida. Quero dormir, mas não consigo. Tenho medo de perder a fé por causa destas coisas. Tenho um nó na garganta e até tenho medo de encarar a realidade. Por isso hoje apetece-me falar com alguém que me possa dizer algo que me anestesie para dormir ou para acordar para a vida.
Tinha de facto uns tons avermelhados na parte interior dos olhos, e à sua volta uma cor entre o pálido da pele e o escuro do carvão. Só por isso se notava o esforço que fazia em vão para dormir.
Há ocasiões na vida em que as palavras não podem ser medidas, porque não sabemos porque as usamos. Ou usamo-las como nossas, mas são do Espírito Santo. Pelo menos, assim creio. Dado que o que disse a seguir me veio à cabeça, sem mais nem meio mas, como se já lá estivesse dentro e esperasse a sua hora de saída.
Ó Juliana, tudo na vida se pode ver de diversas formas. Tudo. Mesmo aquilo que nos parece o nada, como é o caso da morte ou da ausência de alguém que amamos. Experimenta ver. A ausência do teu namorado faz-te perceber quão importante ele é para ti. No meio da tua dor, podes descobrir a beleza de um amor que tens por ele. Não te resolve o problema. Mas parece-me que os problemas nunca têm só um lado negativo.
Por outro lado, o teu amigo que já tem muita idade e que se agarra à vida. Pelo que contas, agarra-se a ela com a força que nós, de tão saudáveis, não usamos. Agarra-se tanto a ela como nós não a agarramos. Porque não possuímos a limitação necessária para dar valor ao que temos. Mais. O teu amigo precisa de fé para encarar a morte e tu a dizeres que a podes perder quando é tão importante que lha dês neste momento a ele.
Nas coisas da vida, poderás sempre encontrar outra forma de as veres. Podes não resolvê-las por fora. Mas podes resolvê-las por dentro.

sexta-feira, setembro 25, 2009

A fugitiva

Ia calçada acima e ela vinha calçada abaixo. Estranhei que viesse caminho abaixo àquela hora. Iria passear? Mas a idade não lhe permitia grandes passeios. Estranhei muito. Por isso parei. Cumprimentei. Então que anda a fazer? Vou-me embora, padre. Vou para minha casa. Vinha do Lar e, com a bengala, esperava chegar junto da praça de táxis para apanhar um e fugir para a sua casa que é numa paróquia vizinha. Fugia. Ninguém sabia que ela se ausentara do lar, explicou com palavras dela. Ainda bem que o encontro, senhor prior. Não aguento mais lá estar naquela sala. Já pedi para me tirarem de ao pé daquela senhora no quarto. Não me ouvem. Fazem que não ouvem. Eu nunca quis ir para o lar. Obrigaram-me. Sofro muito. E os seus filhos? Perguntei. Sabem? Foram eles que lá me meteram. Já desde Abril que pedi à minha São que me tire de lá e nada. Ninguém quer saber de mim. Ontem a minha filha veio ver-me e eu estava a chorar à janela. E disse-lhe que ia para minha casa. Sabe que me respondeu? Que fizesse o que quisesse. Chorei tanto. Por isso vou para minha casinha. Lá é que estou bem.
Não sabia que dizer-lhe, pois nas minhas poucas visitas aos lares desta zona, fico sempre triste, apesar de saber que os funcionários fazem o melhor que sabem e podem. Mas é sempre uma mudança de vida numa altura em que já não se sabe viver. É sempre um estar dependente. É sempre uma prisão de pensamentos e de histórias que os nossos lares contam.
Então e de que vai viver? Quem a vai tratar? Respondeu-me que o centro de dia da terra. E os seus filhos? Não era melhor conversar com eles? Pois eles vêm aí por estes dias, é verdade. E eles disseram-me que ficavam mais descansados, sobretudo à noite, sabendo que estava num lar. Está a ver. Eu se fosse seu filho também ficava mais descansado. Nunca se sabe o que pode acontecer. Mas sofro tanto, senhor prior. Imagino que sim. Mas nada lhe garante que não sofresse mais lá em casa. Ali sempre tem quem lhe faça o que precisa. Comida, higiene, limpezas, medicação. Ora pense lá. Vai fugir e isso não é muito correcto. Devia falar com seus filhos e depois resolver tudo com calma.
Eu nem tinha a certeza se queria que ela fugisse ou voltasse atrás, porque um lar faz-me sempre pensar no lado de lá e no lado de cá. Mas falei pelo menos para o melhor no momento. E com uma lágrima no rosto ela respondeu. Obrigado, senhor prior. Vou voltar atrás. Tem razão. Vou pensar melhor, e vou esperar pelos meus filhos.
Despedimo-nos e, como quase sempre no final destas conversas, voltei para casa confuso. Confuso com a vida e com a minha missão.

domingo, setembro 06, 2009

O motor

Mora sozinha numa casa de pedra e a sua idade gastou-se com o tempo, como as pedras. Pequena, curvada, de lenço preto na cabeça. Mas nem a idade nem a aparência a impedem de ainda fazer uns trabalhos na quinta.
Foi com essa genica que veio ao meu encontro antes da missa. Padre, peça pelo meu motor na missa. Eu não entendi e perguntei o que pretendia. Respondeu que queria colocar nas intenções da missa o seu motor. Nem imaginem a contenção do meu riso despregado. Expliquei que não era um pedido comum. Continuou. O malandro, não tem funcionado. Por isso peço ao senhor que faça com que ele funcione. Respondi que o que ele precisava não era da missa, mas do mecânico. Que o levasse a compor. Disse que já o tinha feito e que nada. Trabalhou apenas uns dois dias. Então que comprasse um novo ou que o levasse de novo ao mecânico. Que não. Que era muito caro e naquela idade já não valia a pena. Que já tinha posto duas velas aos santinhos. Ia colocar a terceira. Mas nada. Devem estar distraídos, concluiu. Agora recorria à missa. Só eu lhe podia valer. Faça lá isso, padre, por alminha da sua mãe, que eu preciso do meu motor.
Eu ri da situação. Ela riu de satisfação. Mas o motor ainda deve estar parado. Será que Deus também se riu?
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Amigos, vou de férias. Estive no Simpósio do Clero, em Fátima, o que me fez muito bem, e agora vou descansar algum tempo. Se vos lembrardes, fazei uma pequena oração por este servo de Deus. Em breve voltarei. Até lá, que a vida seja uma alegria. Por isso sorriam. Por isso vos deixo este texto. Um grande abraço.

sábado, agosto 22, 2009

Uma noite em Fátima

Estava em Fátima e, como sempre, aproveitei para dar uma saltada ao Santuário na hora do terço. Vinte e uma e trinta. O tempo estava nublado. Eu também estava. Digamos que o cansaço ruíra sobre mim e precisava de um conforto espiritual. Tudo se conjugava para uma noite com Maria. Coloquei-me debaixo da capelinha, mas ao fundo. Curiosamente de cima da passadeira. A famosa passadeira que sempre me costuma incomodar. A passadeira das senhoras e senhores que cumprem promessas de joelhos, a arrastar vidas, dificuldades, problemas, e muitas vezes, crendices. Nunca aceitei bem, como espero que Deus não aceite bem, estas promessas que fazem do sofrimento gratuito um negócio com Deus, como se a este agradasse o sofrimento por si. São estas as mesmas pessoas que, muitas vezes, põem em causa o sofrimento que Deus permite acontecer no mundo e que, ao mesmo tempo, se infligem, sem necessidade, sofrimentos fortuitos. Não sei nunca como explicar estas dicotomias que as pessoas vivem ou pensam.
Estava eu nas minhas respostas do terço quando me tocam no ombro para me afastar. Não entendi logo o que se passava. Mas depressa percebi, quando uma senhora passa a poucos centímetros de mim, a arrastar-se na passadeira. Mesmo que a promessa fosse oportuna, a hora não o era de certeza. Olhei-a bem no fundo dos olhos procurando uma resposta. Curiosamente ela não escondia o rosto. Antes me parecia que gostava de o ostentar. Por isso tive oportunidade de a olhar nos olhos. Mais pessoas foram distraídas da sua oração para dar lugar à promessa. Eu quase que interroguei a senhora. Ainda me inclinei para o fazer. Não tive coragem, ou desfaçatez. Justifiquei-me, imaginando que até podia ser estrangeira e não entender a minha linguagem. Não entenderia, de certeza.
Não consegui rezar mais, porque a cabeça perguntava-me, mil e uma vez, porquê.
Desta vez a promessa foi mais forte que a oração. Quantas vezes é até mais forte que a fé!

sexta-feira, agosto 07, 2009

A comunhão do casamento

Era gente simples, a daquele casamento. Gente da terra. Gente tão simples que, às vezes, não sabe comportar-se. Gente que aparece pouco. Gente de casamentos, baptizados e funerais. Gente de ficar à porta de entrada para poder atender telemóvel ou falar com o vizinho. Gente que veste a melhor roupa nestas ocasiões porque a ocasião merece. Mas no fundo, uma camisa sem mangas e umas calças de ganga era mais o seu género. Gente que não tem grande mal. Pelo menos quero pensar assim. Mas que não tem consciência dos pequenos males que podemos cometer na vida com a nossa ingenuidade ou negligência. Digo tudo isto para tentar justificar o que se passou naquele casamento. Justificar nem que seja só à minha consciência.
Já não era a primeira vez que ouvia uma voz a fazer comentários durante a cerimónia. Não conseguia perceber as palavras. Mas percebia que não eram apropriadas. Fiz sinal com os olhos. Mas não devem ter sido vistos. Nem os olhos nem o sinal.
Chega a hora da comunhão, e como habitualmente, levo aos noivos a comunhão sob as duas espécies, o pão e o vinho. Entrego o cálice ao noivo e explico. Comunga. Passa-me o cálice, volta-se para trás, para o seu público, os convidados, e diz: É boa esta pinga. Desta vez os meus olhos foram mais sintomáticos. Ele sorriu, mas engasgado. Entretanto já a noiva estava a comungar, quando ouço, ou o pai ou o padrinho dele, que não dei bem conta. Devagar, não te engasgues. Não deve ter dado conta dos meus olhos. O pessoal, os convidados, o público, ria-se. Eu fazia esforço para não me irritar e para não me rir. Que confusão! Se calhar devia ter tomado outra atitude. Mas não consegui. Continuei a missa com normalidade. Só no final, no momento das assinaturas, expliquei aos noivos e aos padrinhos presentes, que não tinha sido muito correcto.
Mas enquanto assinavam, eu perguntava-me o que andávamos nós, padres, a fazer com sacramentos de circunstancia.

quarta-feira, julho 22, 2009

Procissões cheias de gente

O António tem uma aversão às quatro paredes da Igreja. Digo eu. E ele diz que não é por mal. Que gosta muito de Nossa Senhora. São palavras dele. Mas não gosta de ir à missa. Quer-se dizer, não é por mal, repete. Mas não me puxa, padre. Até gosto de o ouvir nas suas palavras. Mas não me puxa. A minha São vai sempre. A Sarita, a minha neta, adora o senhor padre. É daqueles que vai todos os anos a Fátima e se gaba disso. Ó padre, este ano ainda não fui. Arranje-me lá lugar na camioneta. Houve um ano que foi a pé. Ó padre, o que me custou! Cheguei lá rotinho de todo. Mas Nossa senhora ajudou-me. Gosto muito de Nossa Senhora. Mas, ó senhor António, e então porque não há-de ir à missa? E lá volta a resposta. Não me puxa, padre. Já lhe disse. Não me puxa.
Já o tenho visto antes da missa, quando vou tomar um cafezinho rápido ao Central. Se for preciso paga-me o café. Ou eu a ele. Não é má pessoa. Mete-se nos copos, mas não incomoda ninguém.
E foi num desses dias que nos encontrámos no Central. Eu corria e bebia o café à pressa. Ele bebia o branquito traçado nas calmas. Eu lembrei. Olhe que a missa hoje é ao meio dia. Ó padre, já lhe disse. Interrompi-o para dizer Não lhe puxa, já sei. Estávamos na nossa conversa habitual do deve ir ou do fazia-lhe bem, ou do então não é amigo de Deus, quando, às tantas interrompe a dita conversa para me perguntar. É verdade, ó padre, hoje tem festa lá em cima, na anexa. Tenho. E a que horas é a procissão? É as três e meia. É boa hora. A ver se não falto, que eu não costumo falhar nenhuma das procissões das festas aqui à volta da terra.
Eu já estava de costas e a sair porta fora quando ele repetiu para o dono do café que não costumava falhar as procissões. Entrei no carro. Não tinha muito tempo para pensar porque estava com pressa de chegar cedo à primeira missa. Mas de facto, temos procissões cheias de gente que não costumamos ver na missa!

sábado, julho 11, 2009

O telefone e os colegas

Ligou-me para falar. O colega X vinha de umas confissões, e foi dizendo que era bom quando éramos úteis para alguém, quando conseguíamos levar a paz a alguém. Vinha cheio de Deus e o seu entusiasmo transbordava do outro lado da linha. Eram umas doze horas da manhã.
Não passaram muitas horas quando me liga o colega Y para desabafar. Faz isso muitas vezes. Não aguenta mais. Não consegue celebrar com gosto. Parece que toda a gente o persegue. Não aguenta o celibato. Sente-se só.
Por volta das vinte horas, depois de uma das minhas missas, ligo ao colega Z porque precisava pedir-lhe um favor, combinar com ele umas coisas. Não atende. Ligo segunda e terceira vez. Acaba por ligar ele, cerca das vinte e uma horas. Estava ocupadíssimo. Pediu desculpas. Não sabia se ia dar. Não sabia para onde se virar. E ainda tinha uma reunião às vinte e uma e trinta.
Acabada a nossa conversa e, para cúmulo do dia, liga-me o colega V. Digamos que o telefone, hoje em dia, pode ser o nosso ponto de encontro, o nosso instrumento da fraternidade. Atendo. Que fazes? Pergunta. Eu trabalhava. Sou mais como o Z. Não queres ir dar um passeio amanhã? Insiste. Eu bem queria. Mas amanhã também tinha o dia cheio. O colega V dedica muito tempo ao passeio. Sabe que é saudável ter tempo para isso. Faz lembrar aquelas pessoas que dizem que os padres apenas trabalham aos domingos. Não condeno nem julgo.
Não quero mesmo fazer isso. Mas penso, e aproveito para pensar alto como somos sacerdotes e todos diferentes. Penso igualmente a quem me gostava de assemelhar mais. Penso no modelo ideal do sacerdote. Penso no Bom Pastor. Penso que haveria muita coisa para reflectirmos em conjunto, os bispos, os padres, a Igreja, os cristãos.
Ontem foi um dia de pensar no meu sacerdócio a partir dos colegas.