domingo, outubro 02, 2022

O dono da paróquia

Chamou-me a atenção quando, no início do ano pastoral, em meados de Setembro, se disse que o novo pároco iria tomar posse da paróquia no dia tal. Não é propriamente novidade, porque todos os anos, por essas alturas, se houve o termo “posse” para dizer da vinda ou ida de um novo pároco para uma ou várias comunidades cristãs. No entanto, o termo cristaliza, consciente ou inconscientemente, o clericalismo das nossas comunidades cristãs. Tomar posse é apropriar-se, adquirir uma propriedade sobre a qual se tem poder e se é dono. O termo sugere mais os direitos que os deveres, mais o poder que o serviço. E o novo pároco lá vai possuir a nova propriedade. É o seu novo dono.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO:  "Às vezes sinto que não escolhi o meu destino"

5 comentários:

Anónimo disse...

Nunca tinha pensado nisso, mas de facto também não gosto!

Ailime disse...

Bom dia Senhor Padre,
Talvez o termo não seja usado com esse sentido, mas ao mesmo tempo já poderia ter sido mudado para uma palavra mais de acordo com as funções inerentes ao Pároco.
Ailime

JS disse...

Bem apanhada, Confessionário.
Seria bom não falhar a atenção, no seio de uma Igreja milenar, ao facto de que a compreensão das palavras evolui e que alguns elementos da linguagem interna de uma instituição se podem mostrar desadequados quando se trata de bem comunicar nos tempos vigentes.

A expressão "tomar posse" (possessionem capere) é jurídica (canónica) e aplica-se primeira e directamente ao bispo e sua diocese, e depois, de forma análoga, ao pároco e paróquia. Replica-se a nível civil (exemplo: o ministro que toma posse), encontrando-se aí um ponto de interpretação razoável para o seu uso em âmbito religioso: tomar posse do cargo, do posto, do ofício.

Todavia, legalmente fala-se de forma expressa de "tomar posse da diocese" (ou "tomar posse da paróquia"). E aqui sobreviverá a interpretação dos tempos medievais em que o bispo tomava posse do território em que a diocese estava implantada, tornando-se dele senhor e proprietário. Uma realidade actualmente anacrónica, que justificaria o recurso a uma expressão mais adequada, não fosse o caso de não se querer perder de vista a fundamental dimensão de territorialidade da Igreja local.

No campo das expressões alternativas, fala-se do rito de recepção ou rito de entrada. Também se poderia falar de rito de instalação ou investidura. Ou de cerimónia de assermentação ou ajuramentação, se se quisesse focar mais a parte do compromisso e das responsabilidades a assumir (embora pudesse criar equívocos com o conteúdo do ritual de ordenação).

Lembre-se enfim que a expressão "tomar posse" vai a par de uma outra: "dar posse". No caso do pároco, ele recebe a paróquia como algo que lhe é confiado por outrem, para ser administrado em nome desse outrem. E esse outrem estará presente pessoalmente na cerimónia, ou delegará em alguém em sua representação para dar posse ao sacerdote; e aí será lida a carta de nomeação que esse outrem lavrou e assinou, como oficialização da posse que lhe é dada.

Anónimo disse...

Sou fã deste JS, escritor de jornais? Ou colunista? Pode ser um grande aliado no livro do Confissionario.

Confessionário disse...

04 outubro, 2022 19:46

"Aliado" já o é. Participar na reflexão é estar aliado.
Também lhe tenho uma admiração singular.