Tem seguramente mais de nove décadas de vida. Estava paramentado, com o terço na mão, enquanto esperava o início da Eucaristia. De tudo o que ele era e eu via, o que mais se salientava era o branco. O branco da alva com a estola em cima. O branco dos cabelos. O branco do rosto. Talvez fosse mais pálido que branco. Mas o meu olhar achou que era branco. Branco como o tempo quando está vivo. As suas palavras arrastavam-se. Arrastavam-se como os pés e o tempo. Quando rezávamos em conjunto, ele fazia o eco. A sua voz acabava ecoando no meio das outras. Até o terço que passava era branco. A cabeça pendia para si mesmo. Ou para a oração do terço. Permaneci uns pequenos cinco minutos a olhá-lo. A olhar este padre já reformado e doente. Não foram cinco minutos largos como quando a gente tem pressa de sair, de deixar de estar, de deixar de ouvir. Foram cinco minutos que passaram muito rápidos. Olhei-o com compaixão. Não foi com pena, não senhor. Foi mesmo com a ternura de quem ama. E talvez com o sonho de quem acha que a vida deveria ser sempre branca, mesmo quando tudo se vai tornando escuro. Levantei-me, dirigi-me na sua direcção, abracei-o sem vergonha dos olhares reprovadores ou das murmurações dos colegas que estavam no mesmo local. O abraço demorou mais cinco minutos longos. Quando levantei o olhar, eu ainda estava sentado na mesma cadeira, resignado. Afinal o abraço ficara só na vontade. Não foi a vergonha que me impediu de me levantar e, com verdade, o abraçar. Foi mesmo olhar nele o que me fez olhar a mim. O abraço que lhe queria dar, dei-o a quem estava mais perto. A mim mesmo. Um dia vou vestir a minha vida de branco.
4 comentários:
Que Deus abençoe sua vida com paixão por quando se vestir de branco
Que bonito!
Que bonito, mesmo, mesmo,..
Bj
Boa tarde Sr. Padre,
Um texto que me deixou enlevada de tão belo e pela
sinceridade dos seus sentimentos.
Assim deveria amar toda a Igreja.
Ailime
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