sábado, outubro 13, 2018

O frade dorminhoco

São seis horas da madrugada. Depois da liturgia das horas, das laudes, entregamo-nos, numa hora, à meditação. Tem sido assim todos os dias, tanto de manhã como ao findar da tarde. E um dos frades mais velhos que está na comunidade do mosteiro, mal se apagam a maioria das luzes, senta-se num pequeno banco, de joelhos, e o sono cai sobre ele. É engraçado que pende sempre para o seu lado direito. Sempre para o mesmo lado. Como se esse lado o segurasse no tempo. 
A princípio, chamou-me a atenção pelo caricato da situação. Sorria com alguma pena, evitando que, ao meu redor, se apercebessem. Depois fui intuindo que, se calhar, seria uma doença. Deixei de sorrir, mas não deixei de alimentar a pena. Só aos poucos, com o tempo, fui descobrindo que aquele estar poderia muito bem falar da sua intimidade com Deus. Fui descobrindo que aquele frade dorminhoco aproveitava, em cada meditação, para dormir no colo de Deus. Deixava-se embalar nos braços de Deus, como a criança se entrega ao colo da mãe. É no colo da mãe que uma criança mais se sente confortável, segura, confiante, feliz. Não existe maior amor de filho do que aquele que se entrega ao amor de alguém que nos dá a vida, faz viver, ajuda a caminhar, e nos enche de amor. E assim percebi que o frade dorminhoco se entregava a Deus, na sua meditação, muito mais que eu. Eu ainda não aprendera a adormecer no colo de Deus.

9 comentários:

Anónimo disse...

Que texto magnífico!
Fez-me pensar, enternecer, rezar. Ó padre, como nós poderíamos ver tudo numa perspectiva mais construtiva... adorei

Anónimo disse...


Padre se toda a gente visse a vida com olhos
azuis, a vida seria mais fácil,mais bela e mais
rica de Deus.
De fato nós temos de ver as coisas com outra
perspectiva de construir e não destruir!

Obrigado pela sua ajuda
um abraço

Anónimo disse...


Peço desculpa desde já, não quero magoar ninguém, também quero ser construtivo, o mais possível, mas este textinho... fraquinho!

Anónimo disse...

Fui uma católica fervorosa durante grande parte da minha vida. Perdi a minha mãe muito cedo, mas a minha avó paterna sempre se esmerou em me dar uma educação primorosa, tendo sido ela que me ensinou a ler e a escrever e introduziu na religião católica tal qual como antes de si fizera sua mãe. Quando me casei com o meu segundo marido, após enviuvar, tendo a minha avó já falecido, comecei a conviver com outras pessoas, estas com uma mente muito mais aberta. Só então questionei os ensinamentos e as práticas que recebera durante a minha meninice e que de forma totalmente acéfala integraram o meu relacionamento com Deus. Assim acobertada comecei a olhar com outros olhos para as cerimónias religiosas, a por em causa os ritos e o seguidismo, as “entronizações” despropositadas, a sacramentalização excessiva, a multiplicidade de altares distribuídos pelos espaços sagrados. Logo, também eu, pus em causa e de forma veemente. Enquanto assistia a algumas cerimónias dava por mim a bocejar e a olhar disfarçadamente para o relógio, não porque fossem extensas, mas pela razão contrária. Hoje em dia, os celebrantes imprimem um ritmo às cerimónias, aquele de quem está desejoso de pular dali para fora, de se ver livre dos co-celebrantes e da assembleia, transformando os momentos mais solenes em vulgaríssimas refeições fast food, acompanhadas de cafés expressos. Só falta colocarem máquinas de vending, no interior das igrejas, não para que delas nos pudéssemos servir – isso seria demais – mas como instalação artística, para que não nos esquecêssemos nunca donde estamos. Aliás, nas últimas celebrações a que assisti, o padre foi sempre o primeiro a sair porta fora, desvairado, em direcção a não sei o quê, mas com certeza que ele saberia. E com isto, os mais velhos arrastam consigo os mais novos, os senhores padres os acólitos, todos numa correria, deixando desamparada e assembleia, só a assistir, parecendo ser a única que se interroga.

Anónimo disse...

No outro dia, um senhor muito bem-posto, já reformado, com quem tive o prazer de debater este assunto, confidenciou-me que o mal vem de cima, que as altas esferas participam neste estar e até o incentivam, como forma de se “limparem” – foi a palavra que ele escolheu, de uma forma um tanto ou quanto seca, para definir - e eu acredito que é verdade: hoje em dia, os senhores bispos, padres demais, todos escrevem livros e se acham autores, ainda dão aulas, outros fazem uns rabiscos e julgam-se pintores, outros até são vereadores, embrenhando-se nas politiquices… bem sabemos o sarrabulho que isso é, as reuniões a que obriga, as trocas de palavras impróprias. Nos EUA até há alguns que têm os seus próprios programas de televisão. Face a isto, como é possível haver tempo disponível para as pobres ovelhinhas, se são tantas as actividades que põem à sua frente…? Reservam-lhes a sobras, deixaram se ser “a” prioridade, o que é uma pena.
Outra coisa que me custa muito e revoltas as entranhas é a má qualidade das encenações. Revela pouco empenho, trabalho diminuto, escassez de recursos. Vem o Natal, engendram uma peçazita com a Sagrada Família, que também entra no presépio, com o burro, a vaca, um par de ovelhas, um pastor e a estrela. Uma única estrela, descolorada, Tudo sem graça nenhuma, sempre igual, sem uma pontinha de amor, para dar algum brilho… Sem querer chutar para canto, as minhas responsabilidades, como cristã e paroquiana, isto assim nem dá gosto! Vem a Páscoa, a mesma coisa, sempre os mesmos leitores, sempre a mesma decoração… tudo, tudinho, igual!
O que ainda não percebi bem, é o porquê desta falta de empenho assim tão exagerada, queria mais e melhor, maior dedicação, outra entrega. Preocupa-me sobretudo a parte decorativa, afinal sou uma esteta – mas não descuro a outra, a haver. Apesar de passar grande parte do meu tempo com a cabeça enfiada nas nuvens – sujeita a todo o tipo de borrascas, intempéries e descargas volteicas - e o queixo erguido na direcção do céu – que é uma obra de arte natural – o queixo, bem entendido - não quer dizer que não me preocupe com os conteúdos – por exemplo, o que poderá conter uma jarra vazia? Goivos, dálias, orquídeas ou margaridas? E de que cores? Mais para o claro e alilazado (sou uma esteta fria). Que cânticos deverão soar na missa? Salmos ou madrigais? Tenores ou sopranos…? Com isto parece que me estou a afastar do assunto com que me iniciei em direcção a lado. Longe disso. Até agora só utilizei duas folhas e meia A4, pelo que ainda posso discorrer calmamente sobre religião, música e decoração, por exemplo, o que faria com todo o gosto. Contudo, para isso, primeiro terei que me afastar, afastar para ganhar distância de mim e assumir perspectiva. Assim, por hora, vou alongar, calçar os meus patins, entrar na pista de gelo e refazer alguns movimentos antigos, a ver se descontraio e recupero a minha serenidade. Depois logo se verá.

Anónimo disse...

Que bela descrição de um momento, que muitas vezes nos leva a "sorrir" com um "quadro" assim...bonito mesmo, mas também depende mesmo dos olhos e do coração que vê o quadro.
bj.

Anónimo disse...


16 outubro, 2018 09:52

Engraçado como os nossos caminhos são inversos... Não tive uma educação católica fervorosa. Fiz a Primeira Comunhão encaminhada por uma professora e não pela minha mãe ou pela minha avó. Abandonei logo de seguida. Cresci e passei a ser daquelas pessoas que nas cerimónias de batismos e casamentos ficava do lado de fora da Igreja a conversar. Nada daquilo me tocava e o único Padre que conhecera até então, foi o que celebrou a minha Primeira Comunhão pessoa que não apreciava em criança e continuo a não apreciar.

Considero que era e ainda sou um uma mente muito aberta . Tal como lhe aconteceu enviuvei e cedo. Nesse período ( por razões cujo relato dava pano para mangas e por isso vou mantê-las fora deste testemunho) voltei, por iniciativa própria e sem qualquer tipo de influência, a frequentar a Igreja Católica pronta a descobrir o que a religiosidade poderia oferecer à minha vida.
Gosto de pensar que antes de ser Católica sou Cristã. Poderia ter enveredado por outra religião que não a Católica. Aliás, várias foram as abordagens que me foram feitas nesse sentido. Provavelmente foi por ninguém me ter abordado na Católica que me abeirei.
Evidente que a minha permanência na vida da Igreja não tem sido, para mim, pacífica. Abeirei-me fragilizada mas sempre com o sentido de observação que me caracteriza e que não existe quando somos crianças. Os meus questionamentos e desacordos em relação ao que se passa na Igreja são imensos e não vejo no Padre da Comunidade, vontade ou tempo para esclarecer. Vejo neste Padre um cansaço enorme e uma certa resignação. Vejo alguém que se entrega e faz o melhor que pode. Alguém que sabe que muita coisa tem que mudar mas que tem medo da mudança.
A mudança, a meu ver, está iminente, mas levará pelo menos uma geração e dependerá em muito do sucessor do Papa Francisco e claro, de todos os fieis.

Teria tanto para apontar à Igreja... mas esses apontamentos são tão pequenos diante daquilo que lá me mantém...

SL

Anónimo disse...


Conf,

quem me dera ter uma visão sempre tão construtiva e "romântica" das coisas da vida...Mas não tenho. Esse é o meu principal pecado.

SL

Anónimo disse...

O senhor 16 outubro, 2018 08:22 foi muito construtivo, de facto. Podia, ao menos, ter dito o que gostou neste texto. Enfim...
Olhe, padre, eu gostei. É discutível a forma literária do texto (embora eu tenha gostado), mas eu gostei muito do seu conteúdo, que me fez pensar muito na forma como vemos as coisas.