sexta-feira, fevereiro 23, 2018

Beijar o menino Jesus

A senhora, que é minha paroquiana de uma das sete anexas que estão ao meu cuidado, para além das sete paróquias que fazem actualmente parte da minha missão como pároco, veio ao meu encalço antes de uma das eucaristias que, mais ou menos, duas vezes por mês, celebro nessa comunidade anexa. Passara pouco tempo da época natalícia, e ela demonstrava a sua insatisfação pelo facto de eu não ter lá ido proporcionar-lhes, como ela disse, a possibilidade de “beijar o menino”. 
Primeiro respondi-lhe, em tom acolhedor, que me era impossível, por mais que quisesse, aceder a todo esse tipo de pedidos numa ocasião como o Natal. Bem compreendia, e repito que compreendo cada vez mais e melhor como é importante para as pessoas determinadas tradições que acabam por fazer parte da nossa tradição católica. Cada vez sinto mais que devemos esforçar-nos por manter coisas que, no fundo, nos caracterizam. O “beijar o menino”, apesar de ter muito que se lhe diga em termos eclesiais, higiénicos e sociais, parece-me que faz parte desse conjunto de coisas a manter. No entanto, como já não é possível fazer o que se fazia há uns anos, quando um padre tinha a seu cargo poucas comunidades, também não seria possível celebrar mais missas do que as que celebrei pelo Natal. Nem foi possível celebrar eucaristia em todas as paróquias. Claro que poderia ter lá ido posteriormente. Acabou por me ser impossível. Afinal, também lhes tinha proporcionado celebrar festivamente a alegria de um Deus que nos ama no dia 23 de dezembro, um sábado bem perto do Natal. 
Mas todas essas explicações não foram suficientes para ela, que começou, numa expressão tipicamente portuguesa, por “desbaratinar”. Eu quase “desbaratinava” também. Mesmo assim, deu-me a oportunidade para, no final da eucaristia, recordar algumas coisas que me pareceram importantes, como por exemplo, que já não é possível fazer o “de sempre” e que, mais cedo do que pensamos, até o que temos vai ser difícil assegurar. Ou que é sempre possível deslocar-se à paróquia mais perto para esses fins. Mas não. Nada disso foi suficiente para a senhora que, assim que saiu da Igreja, começou com impropérios. O que mais custa é que ainda haja quem reduza a sua fé a coisas como “beijar o menino”.

25 comentários:

francisco disse...

"que já não é possível fazer o “de sempre” e que, mais cedo do que pensamos, até o que temos vai ser difícil assegurar" é verdade mas isso será remediar ou simplesmente aceitar um triste destino. O problema é de falta de vocações.
sr. padre, a vocação para ser padre é uma vocação para ser exactamente o quê?
nas suas 7 paróquias mais 7 anexas qual é a ideia dos jovens do que é exactamente a vocação para ser padre?

francisco disse...

"Quem receber um menino como este, em meu nome, é a mim que recebe." refere-se às crianças e aos simples e humildes mas esta vontade de receber o Senhor na simples imagem do menino do préspio não deixa de ser bonita. E não terá até aquela simplicidade de querer voltar a ser como as criancinhas, com desejos simples e humildes?

É pena a senhora "desbaratinar", começar com os impropérios e não acolher com compreensão as justificações do sr.padre.

Houvesse no mundo mais pessoas com esta necessidade e desejo de "beijar o menino".
«Eu olho para Ele e Ele olha para mim» dizia o paroquiano ao Santo Cura d'Ars.

Pelo texto não vejo que a senhora reduza a sua fé a coisas como “beijar o menino”, o sr.padre como conhece saberá melhor, pelo texto nós não sabemos da Fé, Esperança nem Caridade da senhora. Vejo apenas que a senhora dá importância a certos momentos e tradições que fazem parte da celebração e vivência da sua Fé.

Aproveitemos para aprender com o desejo da senhora para não corrermos o risco de ela e o paroquiano do Santo Cura d'Ars estarem a apontar para as estrelas e nós estarmos aqui a olhar para o dedo.

Anónimo disse...

Então o Francisco é de opinião que o problema está na falta de vocações para que as pessoas possam beijar a imagem (de barro) do Menino Jesus?

Então o Francisco acha que temos de aprender com o desejo da senhora de beijar o Menino Jesus (de barro)?

Ou eu sou muito burrinha, ou aqui vai muita confusão!

francisco disse...

Anónima, o problema da falta de vocações não é só para que as pessoas possam beijar a imagem do menino mas também para isso.
O problema da falta de vocações é que causa "que já não é possível fazer o “de sempre” e que, mais cedo do que pensamos, até o que temos vai ser difícil assegurar" como indicou o sr.padre.
Não haver a possibilidade para haver a missa de Natal ou as seguintes e nela dar a beijar a simples imagem do menino do presépio, sim é também por causa da falta de vocações. Como é indicado no texto o sr.padre tem 7 paróquias+7anexas isto é por haver falta de padres. Existe falta de padres devido à falta de vocações.

Coloco também à Anónima a questão: a vocação para ser padre é uma vocação para ser exactamente o quê?
Se o sr.padre puder responder também pode esclarecer a Anónima.

Para a segunda questão, não temos mas podemos aproveitar e aprender para não ficarmos apenas a olhar para o dedo enquanto o sábio aponta para as estrelas:

Do Evangelho de São Mateus (18, 1-5):
Naquele momento, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-lhe: «Quem é o maior no Reino do Céu?»
Ele chamou um menino, colocou-o no meio deles e disse: «Em verdade vos digo: Se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino do Céu. Quem, pois, se fizer humilde como este menino será o maior no Reino do Céu. Quem receber um menino como este, em meu nome, é a mim que recebe.»


O desejo de querer "beijar o menino", que sim é uma imagem de barro ou madeira, é um desejo simples e humilde como o de uma criança. Fossem estes os nossos desejos e teríamos um mundo mais belo e simples.

O desejo de receber o Senhor e agradecer-Lhe pela salvação numa simples imagem de barro ou madeira é não só fazer-se humilde como um menino mas é também receber um simples menino em nome do Senhor, como se fosse o próprio menino do presépio que recebesse. É amor e agradecimento.

Como indiquei acima é pena a senhora do texto ter "desarabatinado" e não ter compreendido o sr.padre. Mas o desejo em si é muito simples e belo, como o Senhor nos pede para sermos.

JS disse...

Ui, a imagem do menino Jesus tem muito que se lhe diga...

É o desembrulhar da imagem a escassos dias do Natal, descobrindo-lhe as mazelas que o sacristão-artista tentará disfarçar em bricolage de desenrasque, por entre dedos colados a silicone e umas pinceladas de tinta de parede; ou em viagem de emergência ao santeiro de serviço com a viva esperança de que ele resolva o assunto em dois minutos, enquanto se vai tomar uma bica ao café do lado.

É a história do presépio e a eterna questão teológica: deve ou não ser colocada a imagem do Menino antes do Natal? Ou aqueles presépios de arte "moderna", de fazer cair os cabelos aos santos carecas, com um Menino em estilo fantoche, ou então "desaparecido" porque o artesão decidiu colocá-lo ao colo da Mãe em vez de nas palhinhas, como manda a lei. Ou o senhor padre de mestrado bíblico que decide que este ano não se faz presépio e que a imagem será colocada sobre uma Bíblia ou sobre um pão, para maior "autenticidade", com o povo aparvalhado.

Há também as imagens do Menino em pé, que costumam dar azo a guerrilhas de zeladoras por causa do vestidinho que este ano será usado, ou por causa da peanha ficar vazia (já que o senhor padre quer o Menino em cima do altar principal durante o tempo de Natal), ou ainda por causa dos famosos atentados ao pudor gerados por uma anatomia não escondida.

Temos ainda a cerimónia propriamente dita, com o concurso de Meninos (Ai, senhor padre, o daquela igreja até parece que fala!), ou com a história dos tamanhos, desde a versão miniatura (porque o senhor padre insiste que tem de ser usada a figurinha do presépio) até à de tamanho natural, com três quilos e meio, que o coitado do padre já ameaça deixar cair passados 15 segundos do beija-pé começar. Ou então, quando o padre decide inovar e introduzir neste Natal um menino de carne e osso, com toda a gente aaplaudir a ideia, até que a meteorologia traz um dia de inverno valente e o pessoal passa a cerimónia a comentar o crime que é ter aquele bébé na igreja a "morrer" de frio.

E temos o desfile dos beijinhos, desde a criancinha que deixa a imagem cheia de baba, à santa beata que, se pudesse, comia aquele Menino como quem se atira a chocolate; desde a gente fina que olha a imagem com repugnância, a pensar nos germes todos lá deixados pelos "pobres", até às senhoras enperiquitadas que fazem questão de naquele dia encherem a boca de baton vermelho vivo para espetarem um belo selinho no Menino...

JS disse...

Mas voltemos ao assunto: valerá a pena conservar o rito de "dar o Menino a beijar"?
A resposta, para mim, é sim. As pessoas precisam de mediações, os iconoclastas perderam a sua guerra entre nós, as expressões de piedade popular são uma riqueza no seio da prática litúrgica.
Esta cerimónia, para lá do seu lado tradicional e típico, que assinala e reforça o simbolismo de determinada época do ano, tem também o condão de congregar a assembleia celebrante num mesmo movimento. Aquilo que, infelizmente, não sucede na procissão da Comunhão, pode acontecer aqui: todos podem aproximar-se, todos podem exercitar a sua veneração, todos podem levar consigo um pouco de consolação, seja qual for o seu estado de graça ou as falhas que vão marcando as suas vidas.

Não haverá então lugar para alguma elasticidade litúrgica, dadas as difíceis condições pastorais que muitas comunidades hoje experimentam? O Confessionário conta-nos que houve missa no dia 23. Acredito que deve ter sido celebrada já com um forte aroma natalício. Seria totalmente descabido encará-la como uma espécie de missa de Natal vespertina ou antecipada, propondo no final aos presentes o beijar o Menino? Afinal, por causa das circunstâncias, também nas escolas as festas de Natal são antecipadas em relação à data oficial, e o mesmo se passa com os jantares de Natal das empresas e os concertos de Natal de coros e orquestras...
Ou então, já que alguns liturgistas defendem que o tempo de Natal só se encerra definitivamente com a festa do 2 de Fevereiro, porque não propôr a cerimónia numa celebração de Janeiro, mesmo que oficialmente já em Tempo Comum?... Ou então, que tal propôr à comunidade que se reúna num dos dias do tempo de Natal, na ausência do presbítero, para uma celebração da Palavra ou a recitação do rosário que termine com o beijar do Menino?... Ou convidar à formação de um grupo de Janeiras, que vá pelas casas ou lugares a cantar os Reis e leve a imagem do Menino, no estilo do que se faz em algumas zonas do país com a cruz pascal?...

francisco disse...

Como bem indica o JS é uma riqueza, faz parte do nosso tesouro e de termos o coração em Deus, que é o verdadeiro tesouro.

Não compreendo a frase do sr.padre "O que mais custa é que ainda haja quem reduza a sua fé a coisas como “beijar o menino”", é claro que não pode ser apenas estas coisas, mas elas fazem parte de viver e alimentar a Fé. A Caridade alimenta-se da Fé e da Esperança, algumas "coisas" teremos de ter e fazer.

Ainda há poucos Domingos lemos a passagem do Evangelho (Mc 1, 29-39):
"[Jesus] de manhã, muito cedo, levantou-Se e saiu. Retirou-Se para um sítio ermo e aí começou a orar. Simão e os companheiros foram à procura d’Ele e, quando O encontraram, disseram-Lhe: «Todos Te procuram». Ele respondeu-lhes: «Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas, a fim de pregar aí também, porque foi para isso que Eu vim»."

A frase do sr.padre parece a atitude dos discípulos que na ansia de levar a Boa-Nova a toda a parte ignoram as "coisas" que Jesus foi fazer bem cedo.
«Todos Te procuram», porquê "reduzir" a Fé a levantar-se muito cedo, retirar-se para um sítio ermo e ficar a rezar quando existem tantas coisas que se podem fazer? Se calhar a pergunta parece estranha porque isto não é "reduzir", tal como "beijar o menino" não é reduzir.

É louvável a vontade de sair, anúnciar e praticar a Caridade mas é também necessário seguir este exemplo de Jesus, de que existem "coisas" que se devem fazer para colocar o coração no lugar certo. E a partir daí sim, ir "a outros lugares, às povoações vizinhas, a fim de pregar aí também, porque foi para isso que Eu vim".

Confessionário disse...

Francisco

Na minha opinião, o problema não é a falta de vocações, mas a falta de fé. Aliás, corremos o risco de, tendo mais vocações, continuarmos a construir uma Igreja autorreferencial e não a Igreja de Cristo, isto é, uma Igreja presa a questões rituais, dogmáticas e doutrinais, e despreocupada quanto à evangelização, que é a sua identidade, vocação e essência (EN 14). Os cristãos têm de deixar de ser consumidores passivos de rituais e tradições para viverem a fé. Muitas vezes a Igreja tem alimentado demasiado a primeira. O caso do beija-menino faz pensar nisso. Não está em causa se é de barro, se tem ou não devoção e amor por detrás. Tem a ver com saber discernir o que importa de facto à fé e o que não é importante. E beijar o menino não é, de todo, importante. Muito menos ainda, quando o que está em causa é não ter beijado o menino na sua capelinha ou igrejinha...

Muito mais se teria a dizer sobre estas coisas... mas não tenho disponibilidade suficiente. Aos poucos continuarei escrevendo sobre estes assuntos que me preocupam.

abraço amigo

Anónimo disse...


Pe,

Acabei de ler o teu comentário 28 fevereiro, 2018 11:39. Que boa Homilia isto dava!

bjitos,
SL

francisco disse...

Mas sr.padre, sem questões rituais, dogmáticas e doutrinais isso não é Fé nem evangelização, nem é a Igreja Católica fundada por Cristo.
As questões rituais, dogmáticas e doutrinais fazem parte da evangelização, não se podem separar, não existe uma sem a outra.
Sem isso temos apenas um sentimentalismo que não é nem o mandato recebido do Senhor nem é do que as pessoas necessitam.
As pessoas precisam de Fé em Deus que é a Verdade que se pode crer, Esperança no Céu como sendo a sua verdadeira casa e Caridade como um amor heróico, sem limites e segundas intenções onde o Bem existe de verdade.

Ter Fé é crer em Deus e em tudo o que Ele nos revelou e no que a Igreja nos propõe para acreditarmos, porque Ele é a própria Verdade.
Sendo Deus a própria Verdade teremos sempre dogmas e doutrinas.

Em que vamos acreditar? Na Verdade ou num sentimento?
(Jo 17, 17-21): Faz que eles sejam teus inteiramente, por meio da Verdade; a Verdade é a tua palavra. Assim como Tu me enviaste ao mundo, também Eu os enviei ao mundo, e por eles totalmente me entrego, para que também eles fiquem a ser teus inteiramente, por meio da Verdade.
Não rogo só por eles, mas também por aqueles que hão-de crer em mim, por meio da sua palavra, para que todos sejam um só, como Tu, Pai, estás em mim e Eu em ti; para que assim eles estejam em Nós e o mundo creia que Tu me enviaste.


Como Cristo e a Igreja nos indica é por meio da Verdade que evangelizamos. Existe uma Verdade logo existem dogmas, não pode cada um acreditar apenas no que quer e criar um Deus à sua maneira.
"Disse-lhe Tomé: «Senhor, não sabemos para onde vais, como podemos nós saber o caminho?» Jesus respondeu-lhe: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim. Se ficastes a conhecer-me, conhecereis também o meu Pai. E já o conheceis, pois estais a vê-lo.»"

O que importa à Fé é a Verdade, o que inclui rituais, dogmas e doutrinas que fazem parte quer de viver a Fé quer da evangelização.

francisco disse...

Na minha opinião a senhora do texto está bem longe de ser um consumidor passivo de rituais e tradições, bem pelo contrário. Por ser bastante activa é que terá feito notar a falta de "beijar o menino". Se fosse passiva teria aceite tudo e seguido passivamente para uma nova situação em que já não é possível "beijar o menino".

E como pode existir religião sem rituais? Deus não merece um culto e Cristo não nos deu o mandato de perpétuar pelos séculos na Eucaristía o Seu Sacrifício? Teremos sempre rituais associados à Fé e à evangelização.
E aqui também se incluem os rituais em que simplesmente nos reunimos e nos mostramos gratos a Deus, como acontece no "beijar o menino".

francisco disse...

É a falta de Fé que leva à falta de vocações mas na minha opinião não é porque não atingimos uma Fé pura sem rituais, dogmas e doutrinas, pois isso faz parte da Fé e evangelização.

É antes por falta de anúnciar a Verdade e ajudar as pessoas a conhecerem Cristo, único Caminho, Verdade e Vida.
Ora, como hão-de invocar aquele em quem não acreditaram? E como hão-de acreditar naquele de quem não ouviram falar? E como hão-de ouvir falar, sem alguém que o anuncie? E como hão-de anunciar, se não forem enviados? Por isso está escrito: Que bem-vindos são os pés dos que anunciam as boas-novas!
Porém, nem todos obedeceram à Boa-Nova. É Isaías quem o diz: Senhor, quem acreditou na nossa pregação? Portanto, a fé surge da pregação, e a pregação surge pela palavra de Cristo. (Rm 10, 14-17)

Confessionário disse...

Francisco, eu não confundo fé com um sentimento. Muito menos com um assentimento.

Tb não confundo anúncio com doutrina, dogmas ou inclusive sacramentos. Tudo é necessário, mas nem tudo tem a mesma importância.

Tb não julgo a fé da senhora. Quando muito faço juízo de valor sobre a atitude!

Anónimo disse...

Sou a anónima de 24 fevereiro, 2018 10:31
Desculpe, senhor Francisco, não ter respondido. É que continuo muito burrinha a ler estes seus textos. Imagino-o muito boa pessoa, mas num mundo aparte e demasiado formatado.

Dulce disse...

Francisco.

A mim parece-me que a senhora é passiva sim. Por aquilo que é contado aqui ou colocado como exemplo sim é passiva e explico porquê.
É passiva porque não questiona a sua Fé, não questiona se a sua Fé necessita de beijar ou não beijar o menino e se pode passar sem isso, pelo menos na vez que o padre não lho pode facultar.
Ser ativo ou passivo neste caso é uma questão de reflexão interior.
Se a senhora no silêncio dos seus pensamentos questionasse se a sua Fé precisa de beijar o menino aqui ou ali, aceitaria a explicação do padre para a ausência desse acto. Podia muito bem até nem perguntar, ou poderia perguntar e nada mais dizer.
Aceitar é sinal de ação, aceito porque ajo, porque penso, porque reflicto sobre o assunto e obrigo-me a aceitar algo que eu principio não gosto.
Se reajo neste caso, é porque passivamente aceito que a minha Fé necessita de beijar o menino e que não pode passar sem esse acto.
Pondo de parte tudo o que diz, que é muito bonito, e muito interessante, a senhora poderia ir para casa e beijar carinhosamente o menino que tivesse no seu presépio, o gesto, a Fé, o amor estariam lá do mesmo modo, seria exactamente o mesmo ato com o mesmo peso.
Mas não... ela acha que não é a mesma coisa ou porque nunca pensou nisso ou porque acha mesmo que não é a mesma coisa. E na minha opinião, Fé que não procura, não questiona, não se interroga, não é Fé (para mim)... e mesmo que queiramos abarcar na palavra Fé todos os conceitos , todas as ideias, todas as fés... se calhar não conseguimos.
Por último, que isto já vai longo, se reduzirmos a Fé a beijar o menino seja na igreja seja em casa, se calhar também não é grande coisa...

francisco disse...

Obrigado sr.padre por esclarecer. Estamos então de acordo de que na Fé e na evangelização também fazem parte os rituais, dogmas e doutrinas, não se podem separar ainda que possam ter graus de importância diferentes.
Não existe então uma Fé pura em que não existem rituais, dogmas e doutrinas, como se isso fosse apenas uma imposição de uma Igreja "autoreferencial".

francisco disse...

Anónima, pode-me indicar ao certo o que não compreende ou o que eu possa explicar melhor? Se quiser pode-me indicar as dúvidas e o que não compreende que eu tento explicar melhor.
Não necessita de tratar-me por senhor, basta Francisco, podemos usar a simples familiaridade de cristãos e na verdade ainda sou relativamente novo para usar o termo senhor.

Ao indicar "mundo aparte e demasiado formatado" parece que já compreendeu ou pelo menos viu ali qualquer coisa.
O que é o baptismo senão morrermos para a vida antiga do mundo e renascermos para uma nova vida em Deus?
Já não somos do mundo, não seguimos a mundanidade e as ideias do mundo mas as de Deus. E a vida que vivemos já não é apenas nossa mas sim a de Cristo, é realmente um mundo à parte. Não abandonamos o mundo mas não seguimos a sua lógica, estamos nele para o santificar.
"Entreguei-lhes a tua palavra, e o mundo odiou-os, porque eles não são do mundo, como também Eu não sou do mundo. Não te peço que os retires do mundo, mas que os livres do Maligno. De facto, eles não são do mundo, como também Eu não sou do mundo."(Jo 17,14-16).

Como podemos ter aquela misericórdia e acolhimento que o Papa Francisco nos pede se seguirmos a lógica do mundo? Só um mundo à parte consegue ser assim, misericordioso, acolhedor e generoso: "Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos caluniam", "sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste".

E o que é esse renascer para uma nova vida em Deus senão sermos "formatados", ou melhor moldados (como no poema seguinte do sr.padre) por Deus? Ao ler as minhas respostas não é apenas a minha opinião ou a mim que lê mas sim esse "formato" de cristão que apenas fala de Cristo que é o mesmo, ontem, hoje e pelos séculos.

Esteja à vontade, o que vir que possa explicar melhor pode-me indicar, tenho todo o gosto de tentar explicar melhor.

Anónimo disse...

Confessionário tenho lido os comentários e eu pessoalmente não vou fazer nenhum, vou apenas dar um testemunho que pode ou não enquadrar-se aqui!
Num dia desta semana, por motivos profissionais tive de me deslocar a uma cidade próxima do lugar onde resido. Dei algumas voltas para encontrar estacionamento, e estava difícil .Entrei numa rua que me levou a um pequeno largo com lugares para estacionamento, todos, julguei eu, já ocupados. A certa altura vi uma mão no ar que me fazia sinal de um lugar vago. Bem,pensei eu, até aqui está a praga dos arrumadores! Mas como a hora marcada para o compromisso já se aproximava, tratei de procurar o porta-moedas e tirei de lá uma moeda para lhe dar. Quando me aproximei do lugar, vi um homem de cerca de 70 anos( ou seria a pobreza que o fazia aparentar essa idade) andrajoso e com um aspecto pouco convidativo no que toca á limpeza. O homem agradeceu educadamente a moeda e perguntou:
_ Posso dar-lhe um beijo?
A principio a pergunta e o cheiro, fizeram-me recuar, mas depois por um qualquer impulso que não posso explicar, acedi. Deixei que ele me beija-se carinhosamente na face, retribuí o beijo e o abraço que me deu. e afastei-me.
Pelo caminho até ao local do compromisso veio-me à mente este pensamento, estamos em Fevereiro, mas hoje verdadeiramente beijei "O Menino"
Beijos. Maria Ana.

Gui disse...

Até, talvez a perceba! São pequenos gestos que nos trazem segurança. São as pequenas rotinas que nos fazem sentir que o mundo continua com o minimo de tranquilidade. São dias especiais em que a memória é mais presente e a rotina mais necessária.
Tenho facilidade em pegar no carro e ir a uma qualquer celebração da eucaristia em 3 ou 4 concelhos e mesmmo indo à eucaristia ao sábado custa-me, parece-me o dia incompleto ter apenas a celebração da palavra ao domingo. E falta ainda umas semanas mas saber que no dia de Páscoa ficaremos sem eucaristia entristece-me. Não deixa de ser Páscoa mas não é de certo igual.

Anónimo disse...

ó Francisco, moldado não é o mesmo que "formatado".

E leia melhor o nosso querido papa Francisco, por sinal nome igual ao seu, para perceber que ele não é nada avesso ao mundo! Sabe aquela da "lama que suja os sapatos", o "cheiro a ovelha!?"...

francisco disse...

Dulce, é verdade essa também pode ser uma forma passiva e não ter aceite a explicação do sr.padre quando tem várias paróquias também o pode ser. Mas do texto também não sei se a senhora não se questionou ou que esteja a reduzir a sua fé simplemente a isso.

Anónimo (06 março, 2018 15:26), claro que não é o mesmo por isso coloquei formatados entre áspas e indiquei que a melhor expressão é moldados.
Não indiquei "avesso ao mundo", indiquei "Já não somos do mundo, não seguimos a mundanidade e as ideias do mundo mas as de Deus. E a vida que vivemos já não é apenas nossa mas sim a de Cristo, é realmente um mundo à parte. Não abandonamos o mundo mas não seguimos a sua lógica, estamos nele para o santificar."

Acho que o Papa Francisco não segue a mundanidade, a lógica e as ideias do mundo. Acho que na sua forma de ser ele segue muito bem as ideias de Deus, não abandonando o mundo estando nele para o santificar, que foi o que eu indiquei. Não compreendo então a sua referência ao Papa Francisco.

Anónimo disse...


Quando nos despojamos de toda a nossa soberba intelectual, Cristo e a Fé parece tão simples de
entender...

Li há uns dias um homilia do Papa Francisco sobre o Espírito com que pensamos... Muito interessante.

francisco disse...

Do Papa Francisco sugiro a leitura das suas audiências de Quarta-Feira sobre a Santa Missa. Vale a pena ler, com bastante simplicidade fala-nos de coisas muito importantes.

Começa na de 8 de Novembro de 2017:
http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/audiences/2017.index.html

francisco disse...

Tive a felicidade de crescer com o exemplo da Santa Madre Teresa de Calcutá, ela melhor do que ninguém pelo seu exemplo de Caridade nos ensinou o que é ter lama nos sapatos, ter cheiro de ovelha, ir às periferias que ninguém quer e criar uma Igreja em saída. O seu exemplo foi tão maravilhoso que para a nossa geração o seu nome era sinónimo de Caridade.
Ao mesmo tempo a Santa Madre Teresa de Calcutá alimentava a sua Caridade a partir de um profundo amor à Eucaristia e à Santa Missa.
É para mim um grande exemplo da Igreja da misericórdia que o Papa Francisco tão bem nos pede para sermos.

O livro «Vem, Sê a Minha Luz» que fala dos escritos privados da Santa Madre Teresa de Calcutá é maravilhoso, sugiro a sua leitura:
https://www.wook.pt/livro/vem-se-a-minha-luz-madre-teresa-de-calcuta/200890

francisco disse...

É verdade Anónimo (07 março, 2018 10:38), a simplicidade e pobreza de espírito faz-nos simplesmente acreditar que o Senhor é mesmo o Filho de Deus que nos veio alcançar a vida eterna, o Céu é a nossa morada e é na Igreja por Ele fundada que devemos perseverar para alcançarmos o que nos prometeu, praticando a Caridade.
É isso que vem no Evangelho e que a Igreja sempre ensinou e ensina em todos os tempos e lugares.

Por outro lado a soberba intelectual poderá fazer-nos tecer considerações sobre o amor de Deus, que é o Seu maior atributo, e que dado que Deus ama a todos e a todos quer salvar não é necessária conversão nem chamar e ajudar o próximo a converter-se e a vir para o Seu rebanho na Sua Igreja. Que poderão existir até caminhos alternativos ao que o Senhor nos alcançou e ensinou.

Onde termina a simplicidade e pobreza de espírito e começa a soberba intelectual?

O tema da soberba também é interessante quando vêmos que o Homem começa por o ser quando na Renascença começa a tentar criar um renascimento do Homem a partir do intelecto e filosofia de si mesmo, esquecendo que o verdadeiro renascimento dá-se no baptismo.
"Não, não morrereis... abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus" (Gn 3,5).
A soberba leva-nos também a querer uma igualdade absoluta, rejeitar qualquer tipo de hierarquia e autoridade.
É um tema interessante, percursor de vários "ismos" e filosofias das quais vimos no século XX a destruição que causam e que em alguns aspectos ainda continuam entre nós.