sábado, maio 31, 2025

A minha entrada na fé

Quando entrou na escola, apesar de ainda não estar baptizada, os pais decidiram inscrevê-la na catequese da paróquia. Quase todos os colegas estavam inscritos. Os pais haviam decidido proporcionar-lhe a mesma oportunidade. A mesma oportunidade dos colegas e a mesma oportunidade que eles haviam tido quando eram crianças. Como depressa começou a gostar de conhecer Jesus, pediu aos pais para se baptizar. Portanto, quando se baptizou já tinha vontade própria suficiente para querer dar esse passo. E baptizou-se. Tive a alegria de poder presidir a este sacramento e de falar com ela sobre ele. Terminada a cerimónia, convidei-a, caso quisesse, a partilhar umas palavras com os seus convidados e demais presentes. Entre a timidez e a coragem, subiu o degrau da coxia, voltou-se para a assembleia e, deixando-nos todos de boca aberta, disse: “Obrigado por terem vindo ver a minha entrada na fé”.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Cerimónias para ver"

sexta-feira, maio 23, 2025

O colega cansado

Um colega queixava-se do cansado que estava porque no domingo celebrara nove eucaristias. A respiração das palavras até parecia ofegante e em volta dos olhos sobressaía o tom escuro das olheiras. Estava cansado o pobre padre porque passara o domingo, de manhã à noite, a celebrar missas. Devo dizer que tive pena dele. Tive mesmo. Mas, mais do que pelo seu cansaço, tive pena porque, como não tem coragem de dar alguns passos para que a sua missão seja mais evangelizadora que sacramentalizadora, para que seja mais pastoral que funcional, centra a sua tão bela missão na celebração de missas. Assim persiste numa Igreja de manutenção e não dá passos para uma Igreja missionária. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O padre Tiago diz que anda cansado"

segunda-feira, maio 19, 2025

As opiniões sobre o Papa

Vai ser um Papa social. Vai ser um continuador de Francisco. Vai estabelecer pontes. Vai fazer união dentro da Igreja. Vai estar atento aos pobres. Vai ser e fazer isto e aquilo e aqueloutro e mais não sei o quê. Quase toda a gente sabe que o Papa vai ser qualquer coisa. Assim temos as opiniões e os comentadores a ver qual delas ou qual deles é mais original ou acrescenta algo mais. E é quase sempre mais do mesmo. O que é preciso é preencher o espaço público com opiniões, porque hoje vive-se mais de opiniões do que de factos, isto é, as pessoas gastam mais tempo a ouvir o que os outros pensam sobre os factos do que em lidar com eles. Por isso alimentamos uma sociedade de opinion makers e influencers. Por isso a objectividade perde espaço para a subjectividade, e a verdade para o relativismo. Claro que também eu vou formulando uma opinião sobre o Papa Leão XIV e procurando intuir nas linhas e entrelinhas qual o rumo que a Igreja vai seguir. Acho natural que o Papa esteja sob o escrutínio de crentes e não crentes. Acho natural que as pessoas se expressem e se possam expressar. Mas, às vezes, também se torna cansativo estar rodeado de tantas opiniões cheias de razões e juízos de valor que parecem querer ser mais do que aquilo que são: meras opiniões. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO:  "A sociedade irritada IV"

quarta-feira, maio 07, 2025

Não há clones ou fotocópias de papas.

Por muito que haja quem se tenha identificado com o Papa Francisco por causa da sua simplicidade, proximidade e humanidade, é bom recordar que não há pessoas iguais e que, por esse tão básico motivo, o próximo Papa não será igual a Francisco. Quando, em 1958, se elegeu o cardeal Angelo Roncalli, que assumiu o nome de João XXIII, muitos interpretaram a escolha, por causa da idade dos 77 anos, como a escolha de um Papa de transição. No entanto, foi ele que convocou o grande Concílio Vaticano II. A sua morte em junho de 1963 deixou em risco o futuro do concílio que convocara. Sucedeu-lhe Giovanni Montini, o Papa Paulo VI, que não só continuou, como deu prioridade e direcção ao Concílio. A ele se deve a consistência e clareza que este acabaria por ter, embora ainda tenham ficado algumas pontas soltas. Parece-me, no entanto, que ele foi o Papa que o Concílio precisava. Não abordo o breve pontificado de Albino Luciani, que assumiu os nomes dos seus antecessores, João Paulo I, numa íntima ligação com estes, nem o longo pontificado de Karol Wojtyła, o Papa João Paulo II, eleito na busca de alguma moderação depois de uma votação renhida entre dois candidatos, um da ala progressista e outro da ala conservadora. Mas recordo a renúncia de Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI, homem de clareza doutrinal e teológica que sucedera naturalmente a João Paulo II e sentira que tinha de dar lugar a outro. O cardeal Jorge Mario Bergoglio veio do “fim do mundo” e, de todos os papas pós-concílio, foi o que mais o tentou levar à operatividade, sobretudo com a Igreja em saída missionária e com a Igreja sinodal. Não há clones ou fotocópias de papas. Não se espera que haja um novo Jorge Mario Bergoglio. Espera-se que venha um Francisco II, um Paulo VI, um João XXIV, um João Paulo que seja, ou simplesmente o Papa que a Igreja precisa neste tempo e que Deus lhe há-de dar. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Os papas são homens?"

terça-feira, maio 06, 2025

Entramos em conclave

Entramos em conclave. Digo “entramos” porque estou convencido que entra a Igreja toda, que entramos cada um de nós que somos Igreja. Digo-o não porque pense que os cento e trinta e três cardeais nos representam ou que todos entramos porque o nosso pensamento foca-se, por estes dias, na capela Sistina. Digo-o porque acredito que a Igreja tem no conclave a voz do Espírito da Igreja, a voz do Espírito Santo. Digo-o porque acredito que a presença da oração é tão ou mais forte que a presença física. Digo-o porque defendo que a Igreja é de Deus e não dos papas, dos cardeais, dos bispos ou dos padres. A Igreja de Deus é de todos. Por isso vejo o acto de eleição de um Papa como um acto eclesial da Igreja como um todo.
Não contesto que a eleição do próximo pontífice ocorra através de cardeais. Se me perguntassem se concordo que a escuta e o discernimento deveria ser feito por mais pessoas, por fiéis católicos que também têm o sensus fidei, eu responderia afirmativamente, pois creio que o Espírito Santo não se representa apenas nos cardeais eleitores. Aliás, alguns deles geram em mim uma série de resistências, quer por posturas ou ideologias com as quais não me revejo ou que me parecem longe do Evangelho, quer por condicionantes humanas que me parecem questionáveis ou por coisas que se vão ouvindo e que geram em nós dúvidas. Mas a Igreja não é de perfeitos e os cardeais também não têm de o ser, assim como o Papa não tem de ser. A Igreja é de Deus e quero crer que o próximo Papa será o que Deus quiser. O próximo Papa será o que a Igreja de Deus precisa.
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A Igreja que não é de um Papa"