terça-feira, setembro 02, 2014

A burrita da Virgínia

A Virgínia tem idade suficiente para olhar a vida a agradecer tudo a Deus. O marido já faleceu há anos. Não tiveram filhos. Tiveram enteados e pessoas que adoptaram para auxiliar. Não daqueles verdadeiros adoptados do papel e assinaturas. Mas os adoptados que precisavam apenas de alguém por perto. A virgínia é uma pessoa culta, mas isso não lhe tira a solidão, e acha-se uma pessoa sozinha, meio abandonada. Porém, no meio disto tudo, tem um ar de graça. Tem uma forma de ser divertida. Há dias disse-me que pedia muitas vezes uma coisa a Deus. Para satisfazer a minha curiosidade, contou-me o pedido que fazia insistentemente a Deus. Pedia-lhe que a deixasse ser a burrita do presépio. O pedido e o segredo eram sérios, mas os dois rimos a bom rir. E continuou. Ó senhor padre, a burrita ainda carregou com a Nossa Senhora e com o Menino. Eu nem para isso sirvo. De facto, o pedido era mais sério do que parecia à partida. Mas para compor o momento, achei-me no dever de concordar com ela dizendo que se ela pedia para ser a burrita, eu poderia ou deveria pedir para ser a vaquita. Não, não era pelos cornos. Rimos. Era mais pela graça de ali estar ao lado da mãe e do Menino, e eu nem sempre conseguia estar com eles. A rir nos quedámos os dois, mas o assunto era sério.

7 comentários:

SIRF disse...

Grande senhora!
Cuidar bem daqueles que carregámos no ventre é um dever, é fácil e sabe-nos bem. Olhar para eles e ver que são parecidos connosco! Rir com as suas traquinices e asneiradas.
Mas para fazer o mesmo com outros, esses que não carregámos no ventre, é preciso muita coragem e ser uma pessoa genuinamente boa. E a d. Virgínia foi essa pessoa. Grande senhora! Ela, ao que percebi pelo texto, já é bem mais do que a burrita!

Anónimo disse...



SIRF, foi uma pena não teres sido tu a interlocutora da D. Virgínia. Grande observação a tua! Dava um remate muito mais giro e apropriado para este post. Parabéns!

Confessionário disse...

SIRF, tb acho que a tua observação daria um remate mais interessante. Muito interessante mesmo.
Eu apenas relatei o sucedido!

Anónimo disse...



Foi padre?! Sempre pensei que arrancasse estas histórias à sua imaginação. Estes relatos, verídicos, não comprometem o seu anonimato?

Confessionário disse...

A maior parte são ou verídicos ou baseados na realidade... Mas claro que tb crio alguns...
Fica tudo em aberto!

Anónimo disse...

Eu penso muito igual à senhora. Acho que se chama solidão e sentimento de inutilidade :-(

Confessionário disse...

24 Outubro, 2014 16:14


Eu acho que é apenas reconhecer que não se é assim tão importante. Talvez a idade pesse nessa descoberta, mas isso não significa inutitlidade em si...

Força