quarta-feira, setembro 27, 2006

É um pai que ama como o Pai ama

Cheguei na hora de jantar. O convite era para comer em família. A porta foi aberta de soslaio. O acolhimento vinha da cozinha muito ruidoso. Não era hábito. Pelo menos o acolhimento assim. O pai, sentado. O filho mais velho em pé. Eram dois, como a história do Filho Pródigo”. Lembrei por causa da discussão e não pelo número. Quero dinheiro para este fim-de-semana. O pai calava-se. Os seus olhos vieram na minha direcção e pediram desculpa. O filho nem olhou. Retorquia. Mas ao mano dás o que ele pede. Gostei da expressão carinhosa de mano, mas não do significado escondido da observação. O referido mano está fora, na Universidade. Tem problemas cardíacos. Mesmo assim os pais concordaram na oportunidade. Ligavam-lhe várias vezes e não desistiam de enviar tudo o que era necessário. O mais velho gastava muito dinheiro nos copos. O pai já mo contara. Por isso era desigual a distribuição dos euros. Não és bom pai, não és justo, terminou o filho, e bateu a porta. Segui-o, discretamente. Entrara no quarto. Queres ouvir-me, perguntei. Padre, não me apetece. O meu pai é injusto para comigo, e se considerar o que faz ao meu irmão... Não frequenta a missa e naquele momento não lhe interessavam valores bíblicos, evangélicos ou morais. Tapara o rosto, a cabeça, tudo, com as mãos e os ombros. Eu sabia que se fechara fisicamente às minhas palavras. Mas também imaginava que, lá no fundo, as iria ouvir. Falei sozinho, mas em voz alta. O bom pai é aquele que trata cada filho como cada um precisa e não quer dizer que tenha de ser de forma igual. A justiça que nós conhecemos pode ser muitas vezes injusta. Achas que se deve dar uma licenciatura a quem estuda como a quem não estuda? Ou a mesma quantia de pão a quem tem muita fome como a quem tem pouca? Ou dar um “benuron” tanto a um doente como a um que está bem de saúde? Dei mais alguns exemplos, penso que sem maçar. Um pai que ama verdadeiramente os seus filhos, ama-os com toda a intensidade, ama-os o mais que pode, mas cada um de sua maneira. Não ama mais uns que outros. Ama-os de maneiras diferentes, consoante o que cada um precisa de si. A verdadeira justiça não é tratar todos por igual, mas dar a todos e cada um o que cada um precisa. Saí, encostando a porta devagar. Sentei-me à mesa com o pai, e antes de abençoar a refeição, disse-lhe: O senhor é um pai que ama como o pai que é Deus ama.

20 comentários:

Anónimo disse...

Concordo.
Eu como já referi em comentários anteriores não sou religioso praticante de qualquer tipo de religião,mas concordo; só poria ambos os "Pais" com letra maiúscula...

Abraços!

PDivulg disse...

Ser Pai não é fácil, nem sempre os filhos vem a perspectiva que o pai vê e daí surge a inveja, a incompreensão. Há que ter muita ponderação tentar explicar os seus pontos de vista. Só memso com um diálogo, uma conversa aberta e franca se consegue ultrapassar tais situações.

Anónimo disse...

E se o filho (também) tiver razão?...

Anónimo disse...

É a primeira vez que Comento o Confessionário dum Padre, apesar de ser visitante já habitual. Concordo com esta pequena "Histótia" assenta-me que nem uma luva. É assim que eu faço aos meus dois filhos, um mais velho, Licenciado em Clássicas, Doutorado, Professor de Português, casado, neste momento emigrante em França junto com a esposa e dois filhos desta, Desempregado, e outro trabalhador na AutoEuropa. Aos dois ajudo conforme as necessidades de cada um.
O Professor em 10 anos como Professor em várias zonas do País, teve sempre mais necessidades porque mal remunerado pelo ME, e todos os anos a mudar de casa. A diferença é que o mais novo "Nunca" me apontou que eu ajudava (dava) mais, ao "Mano" mais velho. Gostei, sobretudo porque, eu durante algum tempo, tinha um "peso" na conciencia de ajudar mais a um que ao outro, e esta pequena História Fez Luz na minha mente. Obrigado

Anónimo disse...

É a primeira vez que comento este "Confessionário dum Padre", embora seja vizitante. Esta "Hestória", é como o que acontece comigo que tenho dois filhos. Um Professor de há 10 anos de Português, uma cidade diferente cada ano e longe da casa paterna, no momento casou e emigrou com a esposa para França onde esta já vivia com 3 filhos dela. O outro o mais novo empregado fabril na Auto Europa.
O mais velho com mais necessidades. Diferente é que o mais novo (menos ajudado) com dinheiro, nunca me "Botou" na cara que eu dava mais ao irmão mais velho. Mas durante muito tempo tive a "Conciência " um pouco pesada por fazer mais a um que ao outro, embora amasse os dois de igual modo. Esta pequena História fez-me bem pois vejo que Deus na sua Infinita misericórdia ajuda cada filho conforme as suas necessidades. Mas nós seres humanos imperfeitos achamos que um Pai tem de dar os mesmos talentos igualmente a todos os filhos. fiquei melhor, Obrigado. Gostei

José Avlis disse...

Lembro-me sempre que o Pai da parábola do filho pródigo não foi atrás dele quando este se perdia com falsos amigos e prostitutas.
Esperou por ele, que se arrependesse, não foi connivente com os erros do filho.

António Maria

Dad disse...

Acho que o discurso foi correcto, por tudo o que está à vista...
A dúvida é se tudo está "à vista"...

É um texto para pensar os relacionamentos e os porquês...

Fico sempre um pouco dividida nestas histórias...

Fico a pensar....

Beijinho,

Confessionário disse...

Js, o filho é verdadeiro na sua vontade, mas injusto no seu julgamento. Não ponho em causa que o pai lhe podesse dar dinheiro. Mas se não queria teria as suas razões. Mas o mais importante e que quero lembrar é a forma como Jesus se preocupava com as pessoas e com quem mais se preocupava. Eram aqueles que mais precisavam. Isto não te diz nada?!

Vítor Mácula disse...

O que me interpela nesta parábola é (entre tantas outras coisas… ;) é o soçobrar dos lances de desejo e felicidade do filho pródigo… O pai não lhe dá lições doutrinais, deixa-o partir, na legítima autonomia… E é ele próprio, o filho, na carne da vida, que descobre a inanidade da vida imediata, da relação dos anseios e desejos e no que se tornam no tempo e no mundo… Poderia não ser assim (paciência para aqueles que confundem moralidade(s) e existência :P) mas tal assim edifica cristãmente: a liberdade existencial é posta à prova no seu sentido quando tomamos a vida a nosso cargo e disparamos… Quem fica na casa primeira não casa nem descasa :P… É no retorno que se dá o reconhecimento e a decisão edificante autêntica… É interpelante pensar que os dois filhos estão dissipados: um porque se dissipou num lance autónomo, e o outro, porque ainda não se reuniu como subjectividade separada, como sujeito de si. Para renunciar a si (como ego fechado) é preciso primeiro ter-se… E pronto… Bom dia!... Ou será já Boa tarde!... ;)

Vítor Mácula disse...

Ah, quanto à tua história, não me dá elementos para comentá-la :P... Rezarei por ambos.

Realço o pertinente ponto de, se partirmos duma estrutura geral objectiva para nos darmos com os outros, não os estarmos a respeitar enquanto pessoas distintas e diferentes... Não nos relacionarmos concreta e realmente com os outros enquanto pessoas, mas sim com a nossa própria ideologia (moral ou outra) através delas, isto é, usarmo-las para nosso proveito e confirmação ideológica... E isto não vale apenas para pais e filhos, evidentemente ;)

Mas claro, falar é fácil... (Bolas, que hoje estou falador... Bla bla bla... e abraço!)

Anónimo disse...

Acredito que seja complicado para um pai quando sente necessidade de "destinguir" dois filhos e estes nao o entendem. Contudo, também se torna complicado para os filhos quando nao devidamente esclarecido pelos pais da sua decisao... Esta história faz-me recordar uma bela e impressionante apresentaçao que me enviaram um dia por email "a caderneta vermelha" (conhecem?)... Penso que todos a deviam ler... Entenderiam muito do que já se disse!

Um abraço

Fatinha

Ps. Posso facultar a apresentaçao...

Confessionário disse...

Fatinha, podes facultar pelo meu mail?

Anónimo disse...

claro que sim...
durante o fim de semana enviarei!!! depois espero que a comente:-P

já agora, bom fim de semana!!

Fatinha

Barbara Lucas disse...

nossa.. como sempre, fantástico... adorei a definição de justiça: "A verdadeira justiça não é tratar todos por igual, mas dar a todos e cada um o que cada um precisa."
é bem assim mesmo.
Abraços peregrinos.

Anónimo disse...

Estou interessado nessa apresentação. Em particular para a disponibilizar para o forum do site www.paroquias.org

Em particular para o seu forum sobre catequese aonde disponibilizamos material para apoio à catequese:

http://www.paroquias.org/forum/list.php?7

Se alguem mo puder enviar ou colocar no site agradecia.

O meu email é subsub@sapo.pt

Camilo

Anónimo disse...

Não consigo comentar algo que não seja descrever emoções. "Coisas" já vistas por muitas paragens. E sempre a mesma frustração por conhecer e sentir as razões de ambos os intervenientes e não conseguir que as mesmas atravessem o éter da (in)comunicação.

Quem é pai ou mãe (porque foi filho(a) também), conhece primorosamente estes papéis e respectivas deixas...

Anónimo disse...

Um dos Evangelhos que ouço na missa e que tenho alguma dificuldade em compreender na sua totalidade é o do filho pródigo porque me coloco sempre do lado do filho mais velho. Ao ler as tuas palavras e ao verificar que mencionavas essa passagem bíblica redobrei a minha atenção ao texto escrito. E concordo totalmente com o que escreveste. Acho que tentarei nunca me esquecer dos exemplos que deste porque acho está muito bem explicado.

Anónimo disse...

Revi ontem o filme "A vida é bela". Também um tocante testemunho do que é o amor de um pai...

Andante disse...

Aqui foi relatada uma história de amor (do pai) e uma história de interesse (do filho).
Esta gestão de conflitos é uma tormenta, pois nos nossos dias ser filho (jovem,...) é uma exigência constante e dar muito pouco em troca.
Os pais (responsáveis,...)têm que estar sempre disponíveis, enquanto muitos deles, se não obtêm aquilo que querem, entram no campo da acusação, da chantagem afectiva e da gritaria.
Tudo o que estou a tentar dizer foi passado por mim no último fim-de-semana num encontro que pretendia ser retiro e, no meu ponto de vista, foi um falhanço.
Para eles a regra é não ter regras e boicotar tudo o que seja feito com honestidade e tendo em vista o crescimento interior, para o Pai, de cada um.

Beijos peregrinos

Andante disse...

Também gostava de ter acesso a esse diaporama.