quinta-feira, outubro 29, 2015

A Instituição do padre Zé

O padre Zé, chamemos-lhe assim para pensar que é cá dos nossos, está um pouco desanimado com o seu sacerdócio. Quase tudo o que o rodeia na paróquia onde é pároco lhe soa a desilusão ou lhe cheira a bafio. A sua paróquia é habitada por gente com idade avançada. Não tem catequese organizada. Tem muitas tradições ritualistas e culturais que, diz, não têm um mínimo de fé. O padre Zé veio da Polónia, de um país que ainda é maioritariamente católico, mas católico de cristandade, onde o padre é o quase centro e as pessoas vivem à volta da paróquia, como se aí estivesse quase toda a sua identidade. Não vou dizer o que penso deste tipo de igreja, pois não a admiro muito. De qualquer forma, hoje preocupei-me com o padre Zé e é dele que quero falar. 
É que agora está num país claramente laico e avesso à Igreja. Um país que não quer muito com a fé, e só vai querendo alguma coisa com a Igreja em termos de instituição. Desabafava ele há dias que um par de noivos queria falar com ele. O padre Zé imaginou que pretendiam casar, e tinha razão. Mas não vinham propriamente marcar o casamento. Vinham falar com ele para saber o que era necessário para alugar a Igreja. O padre Zé não teve coragem de perguntar-lhes se era ou não com padre incluído. Mas saiu a chorar da pequena reunião, cansado de estar numa Igreja que apenas é mais uma instituição.

5 comentários:

Paulina Ramos disse...

Boa tarde,
Um retrato fiel de tantas paróquias do nosso Portugal, penso eu, pelo menos é-o da paroquia onde estou inserida.
A pequena ou grande diferença é que o padre lá da paróquia, não sairia a chorar da dita reunião, mais depressa sairia a "vociferar" após fazer sair à velocidade da luz, quem o abordasse dessa forma e para tal fim, sugerindo com ar brincalhão e tom severo "Não querem também que eu me levante para vocês se sentarem..."
Ele é daquelas pessoas a quem a vida já ensinou muito e por muito que se esforce não deixa o que tem a dizer em mãos alheias.
Estas cenas vistas de perto serão uma tragédia, como foi para o teu padre Zé, vistas com alguma distância são verdadeiramente uma comédia.
"Não vou dizer o que penso deste tipo de igreja, pois não a admiro muito."
Eu também não gosto lá muito, parece-me que cada vez estou mais distante dela.
Muito boa esta tua partilha, faz-nos pensar a nossa postura como cristãos como membros da igreja católica.

eueu479 disse...

Tal como o Padre Zé anda desanimado com o seu sacerdócio, tantos outros cristãos, paroquianos, andam desanimados com o pároco que tem, com o trabalho não reconhecido que fazem dentro da paróquia que os viu nascer e crescer. No entanto, fazê-mo-lo por nós, pelos paroquianos ou pároco, ou por Ele, por Jesus??
Questiono-me:
Não estarão também os párocos um pedaço "desapoiados" pelos colegas, paroquianos e até mesmo pelo seu Bispo??
Afinal, de quem é a culpa de cada vez mais ser-mos desacreditados na Fé e nos sacramentos? Nossa? Dos que acompanham? Ou será da própria estrutura laical que não se adaptou aos tempos que vivemos de modo a poder também dar mais com menos em vez de dar menos com mais?

Anónimo disse...

O padre Zé que me perdoe, mas fria e objectivamente, faltou-lhe a coragem e a visão. Tivesse ele recebido uma preparação mais consentânea que encararia o pedido de informação como uma magnífica oportunidade de negócio para si e para a sua igreja. Estivesse eu assim tão cansada de estar como está o padre Zé que teria logo proposto aos noivos o trespasse e voltaria feliz para a minha terra natal. Nem que tivesse de ir pregar num contentor. A Igreja tem as infra-estruturas, pessoal técnico habilitado, uma carteira de clientes envelhecida, despesas de manutenção, há que rentabilizar. Falta-lhe acima de tudo vocação empresarial. Talvez sem igrejas, pastor e ovelhas descubram em comunidade.

Emmanuel disse...

Faz falta à Igreja voltar ao espírito de sacralização: pegar no mundo e sacralizá-lo e, nesse processo, não se deixar mundanizar... andar no fio da navalha. Mas isso foi o que a Igreja Católica fez com sucesso ao longo de dois mil anos e espero que venha a fazer com sucesso até ao fim dos tempos.

Confessionário disse...

Caro amigo Emmanuel, Sacralizar o mundo não é clericalizá-lo, certo?
É que duranto dois mil anos vivemos a Igreja demasiado clericalizada e essa foi uma das causas que originou estes problemas que hoje vivemos!