segunda-feira, março 16, 2015

Os Joaquins que comem peixe às sextas-feiras

Estava no super-mercado quando surgiu à porta o Joaquim, nome fictício de um pai de família com os seus trinta e poucos anos. Foi uma destas sextas-feiras de quaresma, próximo da hora de almoço. Uma das sextas-feiras do ano em que a Igreja nos convida a fazer alguma abstinência. Bom dia a todos os presentes, cumprimentou o Joaquim. Bom dia para aqui e para ali. Bom dia, senhor padre. Cá venho comprar um peixinho que hoje não se come carne, e sorria como se procurasse a minha aprovação. Convém referir que o Joaquim não vai à missa e não creio que vá à missa do Domingo de Páscoa como também não foi na quarta-feira de cinzas. O Joaquim não é má pessoa. Conheço-o do café, onde nos encontramos quando eu saio da missa e ele está lá a beber uns copos. Ainda há dias o convidara a confessar-se, pois deslocara-me lá à terra para as confissões quaresmais. Disse na altura, com ar de gozo, que essas coisas não eram para ele. Mas comprou o peixinho porque nestes dias não se pode comer carne, não é senhor padre! É, Joaquim, nestes dias não se pode comer carne porque os bons cristãos devem fazer abstinência! Não é preciso contar-vos o que falámos depois. Nem falar-vos destas coisa das carnes e dos peixes nas sextas-feiras da quaresma. Deixem-me rezar pelos Joaquins cumpridores da abstinência, mesmo sem saber porquê. Ou deixem-me rezar apenas por mim, que também não sei o porquê destas coisas.

21 comentários:

A Gaja disse...

Bem, ao menos ainda vai cumprindo a tradição... sim, vamos chamar isto tradição, como se o peixe não fosse um alimento bem mais caro que a carne no geral...

Já eu, menina de família católica ultra conservadora bracarense, após de ter sido arrastada pelo velho tio padre a confessar-me todos os anos na quaresma, virei mesmo costas a tais rituais...

Anónimo disse...

Boa tarde!

"deixem-me rezar apenas por mim, que também não sei o porquê destas coisas."

Não creio que não saibas o porquê dessas coisas que quando seguidas à risca parecem loucura.

Sorri espontaneamente pois tenho debaixo do mesmo teto uma situação semelhante, tem uma espiritualidade muito própria e até curiosa, mas quanto ao comer carne à sexta nem pensar, prefere um saboroso prato de peixe.



Anónimo disse...

16/MARÇO/2015 -17:21

Assim como uns jaquinzinhos com molho de escabeche?

Anónimo disse...

16 março, 2015 20:34
já se comiam... mas ficam para sexta!
ahahahahah

Anónimo disse...

"deixem-me rezar apenas por mim, que também não sei o porquê destas coisas."

Tenho assistido às últimas eucaristias de domingo e a vários encontros de quaresma que a paróquia tem promovido. O tema da abstinência à sexta-feira acaba sempre por surgir... Embora o Pe. não contrarie a abstinência da carne, parece-me pouco convicto. Como se tentasse explicar, ainda que de forma tímida, que o problema não está bem na carne... não é bem uma coisa de "barriga" mas mais de espírito... Chega até a ser sugerido outros tipo de abstinência como o café ou algo que faça sentido enquanto sacrifício.

Não são poucas as casa que conheço onde se cumpre com rigor a regra da abstinência da carne, sem saberem bem porquê. Parece-me mais uma daquelas regras que se institucionalizou, se enraizou enquanto tradição e se cumpre sem lhe ser dado qualquer sentido espiritualmente útil.

Parece-me bem encontrar padres, que embora com muito cuidado, questionem estas regras ou melhor a "forma" como as pessoas as cumprem, procurando "sacudir-nos" no sentido de ser dada ênfase não à regra mas ao sentido com que é cumprida.

Ainda assim e enquanto cristã não consigo encontrar sentido neste tipo de abstinência num dia particular... Como tal e para já não a cumpro.

Anónimo disse...

E não lhe ocorreu que o "Jaquim" estaria apenas e só a ser irónico porque o encontrou no dito establecimento comercial?

Confessionário disse...

17 março, 2015 14:26
suponho que não, exactamente porque comprou o peixe.

Anónimo disse...

E daí?! Foi provavelmente o que a "Jaquina" lhe pediu para ir comprar, independentede ser sexta-feira, quaresma ou outra coisa qualquer! Ia comprar peixe, encontrou-o lá, mandou a piada para ver o que o Sr. Padre dizia...

Anónimo disse...

Comprar peixe à sexta-feira não significa que é feito para cumprir a abstinência... De facto o "Jaquim" poderia a estar a ser irónico...o que deitava um pouco abaixo estas reflexões...

Anónimo disse...

"Ainda assim e enquanto cristã não consigo encontrar sentido neste tipo de abstinência num dia particular... Como tal e para já não a cumpro."
Pertinente esta observação.
No que me diz respeito nem cumpro nem deixo de cumprir não como carne propositadamente só porque a igreja o desaconselha, se se proporcionar e as circunstâncias assim o ditarem como-a sem hesitar.
Mas coabito com alguém, como disse anteriormente, que já chegou ao ridículo de começar a "mastigar" a carne e logo de seguida porque se lembrou que era 6ª feira, deitou no prato.

Compreendo ou acho que compreendo a "indicação" da igreja que nem sempre foi uma mera indicação e muito menos bem intencionada.

Atualmente os padres devem andar completamente baralhados sem saber muito bem como explicar às pessoas que o que antigamente era um pecado grave hoje não é bem assim!

Há três ou quatro dias atrás explicava ao padre responsável lá pela paróquia onde moro que não me sentia muito motivada a continuar a viver a fé naquela comunidade e que isso seria motivo suficientemente e válido para renunciar aos cargos pelos quais me responsabilizei.
Não sei rezar, não sei cantar logo não sou um bom exemplo.

Aquele homem com os seus "adoráveis" 72 anos disse agarrando as minhas mãos com muita força... "Isso já não é pecado" e sorriu, sem me permitir dizer o que quer que fosse continuou "a sua vida é ela toda uma belíssima oração."
Desta vez sorrimos os dois, eu sentia-me ridícula, ele, a avaliar pela expressão, sentiu-se satisfeito por me ter deixado sem saber o que dizer.

JS disse...

Não deixa de ser curioso verificar, na nossa sociedade, a desvalorização ou desprezo por certas interdições alimentares assumidas com motivação religiosa, e, ao mesmo tempo, ver malta a embarcar, em nome da saúde, da moda ou da ecologia, em dietas alimentares das mais rigorosas e absurdas que se possam imaginar, e a tornarem-se vítimas de transtornos alimentares perigosíssimos. E com que fanatismo defendem a sua "causa"...

JS disse...

Jejum e abstinência significam, no fundo, a mesma coisa; mas convencionou-se usar "jejum" referido à quantidade de alimentos a (não) consumir, enquanto "abstinência"tem como referência a qualidade/tipo de alimentos a (não)consumir.

A prática é transversal a todas as religiões, com as especificidades próprias de cada uma. No catolicismo, a prática actual regulamentada apresenta-se numa versão muito mitigada, quase simólica, quando comparada com outros tempos.

Quanto ao sentido do abster-se de comer carne, é possível encontrar variadas justificações, mas elaboradas a posteriori e nem sempre correctamente formuladas. Não deve admirar, pois, a última frase do post.

Anónimo disse...

E se o problema fosse só o comer ou não carne às sextas feiras da quaresma...
Aqui na paróquia ainda se vai mantendo a tradição da visita pascal ou como lhe chamam noutros sítios "o Compasso".
Como o padre é já de idade avançada optou-se há uns anos a esta parte por o mesmo ser feito por leigos.
Pois pasme-se há pessoas que frequentam a igreja todos os domingos e outros que a frequentam quando lhes dá jeito, que deixaram de abrir as portas de suas casas porque Cristo não lhes é trazido pelo Padre.
E há dias uma olhou-me verdadeiramente escandalizada quando eu dizia que, nem que Cristo viesse até mim pelas mãos do maior assassino, nem assim eu lhe fecharia a porta.
Mas entende-se que assim seja, uma vez que já há muito lhe fecharam as portas do coração.

Anónimo disse...

E também há aqueles que deixam de comer carne...e comem lagosta.
Numa cajadada matam dois coelhos.
Consolam a alma e o corpo.

Confessionário disse...

18 março, 2015 10:28
gostei muito de ler

18 março, 2015 10:31
fartei-me de rir

Bruno disse...

Tentando ser irónico com algumas das coisas que já por aqui foram ditas. Para muitas pessoas hoje em dia, a tradição de não comer carne é apenas isso (mesmo eu acabei por ganhar esse hábito e, por vezes acaba por ser um pouco mais difícil de manter, sobretudo quando se come fora de casa e se prefere o prato de carne).
Curiosamente, a razão porque se optava pelo peixe era precisamente (como já foi dito em vários comentários que acontece nos dias de hoje) por ser mais caro que a carne. Ou pelo menos sempre ouvi isso. Porque sendo mais caro, as pessoas não teriam tanta disponibilidade para o adquirir (ou seja, e aqui a ironia, quem está a comer lagosta até cumpre melhor a penitência porque de facto "economiza" menos). No entanto, hoje em dia fala-se mais na abstinência com o sentido de renúncia e muitas vezes os padres sugerem que esse dinheiro da renúncia seja doado para caridade.
Quanto ao comentário do compasso, pergunto-me se o problema estará na "fé" que essas pessoas têm em Cristo, ou na "fé" que têm no padre (do mesmo modo há pessoas que se recusam a comungar pelas mãos de um ministro extraordinário da comunhão). Ou seja, ainda existe, em muitas pessoas, a visão de que o padre é "mais" que os outros e que só ele é que tem "direitos" sobre Jesus (que está algures num patamar entre os céus e a terra). Não percebem que somos todos evangelizadores, e sacerdotes pelo Batismo, e que Deus está presente em cada um de nós quando é anunciado.

JS disse...

A ver se nos entendemos, pessoal: a abstinência não tem nada que ver com peixe, e seus possíveis significados. A Igreja não manda comer peixe, não recomenda pescado, não tem cotas em frotas de pesca nem banca na lota de Leixões.
O princípio é: não comer carne. É aí que está a tónica da coisa.

Também não tem nada que ver com o preço da carne ou do peixe (embora valha a pena ter isso em conta, por causa de uma outra prática em foco na Quaresma: o exercício da caridade).

JS disse...

Quanto ao compasso pascal, é preciso não espiritualizar demasiado a coisa. O costume nasceu como forma de o pároco poder visitar os seus paroquianos, de levar cumprimentos de boas festas, aproveitando para uma bênção anual das casas e das famílias, e recolhendo as ofertas das pessoas para o seu (dele) sustento.
Foram-se criando em muitas paróquias tradições bem arreigadas, que são sobejamente conhecidas. Há também toda uma história de competição e de rivalidades, sobretudo no que dizia respeito aos limites (fronteiras) de cada paróquia, que continuam entranhadas na memória do povo.

Tratava-se, pois, de um acto societário, de manifestação e reforço da identidade comunitária: entrava em cada casa o padre (o abade, o prior) da paróquia; entrava a cruz da paróquia, por norma preciosa, escapada à gatunagem das invasões francesas, ou refeita a partir da vara que se tinha conseguido esconder; entrava a caldeira da paróquia, também preciosa, usada nos momentos mais importantes, ou então aquela mais simples que acompanhava todos os mortos da paróquia até ao campo santo. E entrava os familiares, próximos ou distantes, a vizinhança, a petizada atrás das amêndoas...
Com o tempo, as coisas foram mudando, e muito se foi perdendo. Alguns não conseguiram nem conseguem ultrapassar a desilusão e a revolta.

JS disse...

Algumas dicas para captar ou recuperar o sentido da abstinência alimentar:

- em primeiro lugar, a abstinência que verdadeiramente importa: abster-se do pecado, abster-se de praticar o mal. É por isso que faz falta a ascese e faz falta a penitência.

- em segundo lugar, não separar jejum e abstinência: assim, esta ficará melhor enquadrada e orientada.

- em terceiro lugar, não perder de vista a tríade "jejum-oração-esmola": os três pilares têm de ser conjugados numa correcta caminhada quaresmal.

- por fim, não se contentar com os mínimos. Uma experiência que chega do estrangeiro: "uma semana de jejum". Dentro da comunidade é proposta uma data e as pessoas são convidadas a inscreverem-se. Comprometem-se a fazer jejum durante essa semana e a reunirem-se ao fim de cada dia para uma catequese bíblica e a preparação de uma actividade que permita recolha de fundos para os projectos sinalizados pela diocese, ou outros.

Anónimo disse...

JS.
Se no Compasso se vir somente o acessório então sim, em casa entra a caldeira, a cruz,o padre,os familiares, os vizinhos e tudo mais.
Mas quando Cristo é o centro da nossa existência, não podemos deixar de considerar essa "Visita" muito especial.
Quando o compasso chega à minha porta não vejo nada do resto.
Simplesmente abro o meu melhor sorriso e digo interiormente:
Sê bem vindo Senhor,a minha casa.
Venha Ele pelas mãos de quem vier.

E agora um aparte para não nos afastarmos do tema.
Ainda bem que a Páscoa é sempre ao domingo.Não fosse Ele perguntar o que é que há pro almoço? Sendo carne estava tramada.

JS disse...

Caro anónimo/a de 18 março, 2015 14:49

Se fosses a levar a tua lógica até ao fim, concluirias que afinal, o compasso é que é acessório... tal como a tua casa.

Mas compreendo-te. E compreendo que não compreendas o outro lado de que falava. Quase de certeza não te foi dado viver ou experimentar essa dimensão comunitarista, que já parece coisa de um passado longínquo.