Hoje acordei com uma notícia-sensação. Pelos vistos, o Papa vai dizer ou disse, pela primeira vez, que o preservativo pode ser um mal menor. Transcrevo:
Pela primeira vez um papa, Bento XVI, admitiu a utilização "em certos casos" do preservativo "para reduzir os riscos de contaminação" do vírus da SIDA, segundo um livro de entrevistas que será publicado terça-feira.
Segundo a AFP, à questão "A Igreja Católica não é fundamentalmente contra a utilização de preservativos?", o líder da Igreja Católica respondeu: "Em alguns casos, quando a intenção é de reduzir o risco de contaminação, isso poderá ser um primeiro passo para preparar o caminho para uma sexualidade mais humana". (DN)
Pensei que a notícia trazia alguma novidade. Mas a novidade que a notícia me trouxe foi a comunicação social achar que era uma novidade. De facto a doutrina moral da Igreja tem dito, através dos seus "catedráticos", que o "preservativo" pode ser algo necessário numa relação matrimonial onde o bem maior da saúde de um dos parceiros esteja em causa. Recordo-me de o ouvir no meu tempo de estudante. Já lá vai algum tempo. Porém, quando o assunto vem à baila, há sempre quem destaque o aspecto negativo das afirmações ou não queira reflectir o essencial das mesmas. Por isso, achei interessante saber a opinião dos meus "penitentes". O que pensamos nós disto? Desta vez, coloco a reflexão em duas questões:
1. "Para ti, o preservativo é..."
2. "Para ti, o preservativo tem a ver com..."
A primeira pergunta serve para tratar o assunto em geral, e a segunda em particular.
Podem expor aqui as vossas opiniões, razões, argumentos, acrescentos ou emendas.
16 comentários:
Olá, caros amigos
Informo tb que vou estar ausente parte desta semana. Vou de "retiro". Sabem o que é, não? Vou, tipo, encher o meu "copo da espiritualidade" para poder dar de beber a quem precisar.
Por isso é natural que os comentários não sejam facilmente publicados.
Abraço amigo
1. "Para ti, o preservativo é..." uma forma de protecção contra doenças sexualmente transmissíveis e também protege contra uma gravidez não desejada.
2. "Para ti, o preservativo tem a ver com..." a existência de uma consciência moral porque envolve não só a própria pessoa mas a(s) outra(s) também.
É como eu digo...
Antigamente, Deus me livre entrar com uma criança não-baptizada na igreja, era simplesmente expulsa!
Agora ninguém liga...
Antes, usar o preservativo era altamente condenável, agora o Papa vem dizer o contrário...
Um dia pode ser que o celibato deixe de ser obrigatório, para passar a ser uma opção! ;) Assim como tantas outras coisas que precisam ser mudadas...!!!
Mas, sim senhor, estamos a evoluir!! Até dá gosto de ver!!
Que interesse especial em vir tão prontamente tirar valor e actualidade à opinião do Papa agora dada a conhecer?! Ou será a preocupação em empurrar para a frente aquilo que era um dos cravos da Igreja e da Moral Católica na vida das pessoas?
Aconselho a leitura deste blog que trancreve uma notícia do jornal Público do insuspeito jornalista António Marujo e um comentário claro e oportuno do autor do blog também ele padre.
http://jlrodrigues.blogspot.com/
Deixemo-nos de esperteza saloia: o Papa nunca tinha falado disto com tanta clareza. Fê-lo tarde, mas foi bom que o tivesse feito.
Pena é que não tome a dianteira em relação a outros problemas da Igreja e tenha que ir por arrasto. Ou será que já tomou e ninguém sabe, salvo um conjunto de iluminados?
Ola Sr. Padre, desejo que o seu copo fique bem cheiinho, que este povo anda todo muito sedento e fartam-se de abanar os copos, e tentar misturar veneno,
Bom retiro
rezo pelo bem do mesmo
bp
Caros, amigos,
Ainda antes de entrar em Retiro, e depois de rezar o "assunto", achei que devia ser mais preciso na minha abordagem e apresentação da sondagem. Peço desculpa aos que já tinham lido ou comentado. Mas fiz algumas alterações.
Agradeço ao António Cerca a sugestão que deixa. Já li.
Para mim o preservativo é... uma forma de respeitar a nossa vida e a vida do outro no sentido em que, através do uso do preservativo respeito:
- a minha saúde e a saúde daqueles que se relacionam comigo.
- respeito a opção de quererem ou não uma intimidade total;
- protejo-me (e protejo o outro) de uma gravidez não desejada.
Para mim o preservativo tem a ver com... Respeito, escolha e liberdade. Mas também têm a ver, em algumas circunstãncias, com aquilo que o padre refere algures como "o mau uso do amor". Se o uso do preservativo nos torna egoístas, libertinos, desleais...
Se serve para nos servirmos dos outros como consumidores de prazer numa lógica de "usa e deita fora"...
Se serve para impor distâncias numa relação negando o direito do outro à maternidade ou à paternidade...
Se serve para nos desvincularmos do amor...
Abraço
Zu
Ao olhar para as opções de voto nesta sondagem,apetecia dizer que é um mal maior.E seria,se vivesse-mos num mundo ideal,onde a prostituicão e a sida fossem coisas de filmes de qualidade duvidosa.Mas nao é assim.A realidade encarrega-se a toda a hora de nos mostrar o contrario.Nao encaro as palavras do Papa como um"se não os podes vencer junta-te a eles"no sentido de se muitos o fazem,entao passa a ser licito.Na sociedade actual ha muitos comportamentos que achamos naturais mas que de sobrenatural não têm nada,mas concordo que a medida talvez peque por tardia.Ou talvez não.Não sabemos todos nós cristaõs que a nossa noção de tempo não é a mesma de Deus?Maria Ana.
Olá, gostei de ver o blog, está muito interessante.
Em relação a sondagem, tem boas perguntas, no entanto, com a variedade de respostas, tão verdadeiras e não podendo escolher todas, acho que (talvez) se podesse escolher mais do que uma, para ficar uma resposta mais real das nossas opiniões (talvez noutras sondagens...).
É só uma ideia.
mas mesmo assim está muito "fixe".
Melhores Cumprimentos
Ricardo C.
Olá Conf.
Antes de mais quero dar os parabéns por este actual e pertinente blogue.
Quanto a esta questão do preservativo e á sondagem levantada pelo Sr. Padre também é importante. Para mim o preservativo é um mal menor, pois está na consciência de cada um a forma como utiliza os métodos contraceptivos. E o fim para que os "consome". Infelizmente a nossa sociedade está a atravessar um período em que as relações sexuais estão completamente banalizadas e, faz-se apenas sexo por fazer, para garantir os prazeres sexuais, esquecendo a verdadeira essência, o amor entre duas pessoas que se unem.
Vejo que esta nova afirmação do Papa Bento XVI em relação aos preservativos como normal, pois o vírus do HIV está a propagar-se de forma galopante.
Desejo-lhe um óptimo retiro e que regresse com o copo cheio de espiritualidade para nos continuar a iluminar e nos guiar através deste óptimo blogue.
A madre superiora fala para as suas 100 freiras:
- Esta noite, aqui no convento, cometeu-se um grave pecado!
99 freiras:
- Oh, não...
1 freira:
- Ihihihihih...
A madre superiora:
- Foi encontrado um preservativo!
99 freiras:
- Oh, não...
1 freira:
- Ihihihihih...
A madre superiora:
- E estava usado!
99 freiras:
- Oh, não...
1 freira:
- Ihihihihih...
A madre superiora:
- E estava furado!
1 freira:
- Oh, não...
99 freiras:
- Ihihihihih...
Que parvoíce!Tanta coisa por causa de um bocado de látex.Quem inventou o primeiro preservativo foi um frade com a tripa de uma cabra.
lá está ele inventou-o porque?Por causa de bebes indesejados e das doenças sexuais transmissíveis!
Que remédio teve o Papa em admitir o preservativo.
Já devia de ter admitido há mais tempo,ou melhor nunca devia de ter sido proibido.
da agência Católica Ecclesia:
Preservativo: Vaticano descarta revolução
Comunicado reage a interpretações sobre as afirmações de Bento XVI publicadas em livro-entrevista
As palavras de Bento XVI sobre o uso do preservativo em situações pontuais não devem ser vistas como uma “reviravolta revolucionária”, disse este Domingo o porta-voz do Vaticano.
O padre Federico Lombardi reagiu em comunicado a “interpretações dadas às palavras do Papa” a este respeito no livro-entrevista de Peter Seewald, “Luz do Mundo”, que vai ser apresentado à imprensa no dia 23 de Novembro.
Segundo o director da sala de imprensa da Santa Sé, “o Papa toma em consideração uma situação excepcional na qual o exercício da sexualidade representa um verdadeiro risco para a vida do outro”.
Num excerto da obra publicado antecipadamente pelo jornal do Vaticano, «L’Osservatore Romano», Bento XVI afirma que pode haver casos pontuais, “justificados”, em que admite o caso do preservativo.
Para o porta-voz do Vaticano, “o Papa não justifica moralmente o exercício desordenado da sexualidade, mas defende que o uso do preservativo para diminuir o perigo de contágio é «um primeiro acto de responsabilidade», «um primeiro passo na estrada para uma sexualidade mais humana», mais do que o não fazer uso do mesmo expondo o outro a um risco de vida”.
O padre Lombardi acrescenta que “numerosos teólogos e personalidades de renome sustentaram e sustentam posições análogas”.
“É verdade, contudo, que não as tínhamos ainda escutado com tanta clareza da boca do Papa, ainda que numa forma coloquial e não magisterial”, precisa, frisando que “Bento XVI dá assim, corajosamente, um importante contributo de clarificação e aprofundamento sobre uma questão longamente discutida”.
O director da sala de imprensa da Santa Sé fala num “contributo original” de Bento XVI que ajuda a refutar “uma via ilusória, como a «confiança no preservativo», rumo a um “exercício mais humano e responsável da sexualidade.
No final do capítulo 10 do livro, Bento XVI responde a duas perguntas sobre a luta contra a SIDA e o uso de preservativos, que retomam a discussão que se seguiu às suas palavras sobre o tema, no início da sua viagem a África, em 2009.
O Papa reafirma que “a Igreja, naturalmente, não considera os preservativos como a solução autêntica e moral” do problema da SIDA.
No seu comunicado, o padre Federico Lombardi precisa que Bento XVI “não muda ou reforma o ensinamento da Igreja, mas reafirma-o na perspectiva do valor e da dignidade da sexualidade humana como expressão de amor e responsabilidade”.
Sobre as declarações de 2009, a caminho dos Camarões, o director da sala de imprensa da Santa Sé sublinha que as mesmas não eram uma tomada de posição “sobre o problema dos preservativos em geral”, mas uma afirmação de que o problema da SIDA não se resolve “apenas com a distribuição” dos mesmos.
“O Papa observa que também no âmbito não eclesial se desenvolveu uma consciência análoga, como na chamada teoria Abc (Abstinence – Be Faithful – Condom), na qual os dois primeiros elementos (abstinência e fidelidade) são muito mais determinantes e fundamentais para a luta contra a Sida e o preservativo aparece em último lugar, como escapatória, quando faltam os outros dois”, acrescenta.
O livro “Luz do mundo. O Papa, a Igreja e os sinais dos tempos” resulta de uma conversa entre Bento XVI e Seewald - que já por duas vezes tinha entrevistado Joseph Ratzinger, ainda cardeal - na residência pontifícia de Castel Gandolfo, perto de Roma, entre os dias 26 e 31 de Julho.
Ao longo de 18 capítulos, o Papa aborda várias das questões mais inquietantes para a Igreja e a humanidade de hoje. A edição portuguesa deve estar disponível dentro de aproximadamente duas semanas.
A Lucerna, marca da Principia Editora vai estar no Vaticano na próxima Terça-feira para a apresentação mundial do livro e entregará ao Papa a edição em português.
O título deste livro foi escrito à mão pelo próprio Papa.
Da agência católica Ecclesia:
Autor de entrevista a Bento XVI considera «ridículo» centrar livro na questão do preservativo
Obra quer ser resposta às perguntas que o mundo coloca ao Papa, assegura o Vaticano
O jornalista alemão Peter Seewald, autor do recente livro-entrevista «Luz do Mundo», a Bento XVI, considerou “ridículo” o destaque dado às declarações do Papa sobre o uso do preservativo.
“O Papa lança um apelo a toda a humanidade, o nosso mundo afunda-se e metade dos jornalistas só se interessam pelo tema do preservativo”, lamentou Seewald no lançamento da obra, no Vaticano, esta Terça-feira.
No encontro com os jornalistas estava também o padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, para quem a mensagem de Bento XVI a respeito é que “é necessário evitar fazer correr um grave risco à vida do outro”.
O Papa, acrescentou, sabia que a admissão do uso do preservativo em casos pontuais iria gerar “muitos comentários”, mas falou “porque julgou que a questão era importante para hoje”.
O director da sala de imprensa da Santa Sé afirmou que a entrevista quer “responder, numa linguagem simples e informal, às questões que as pessoas querem colocar” a Bento XVI.
“O livro nasce de uma intenção pastoral, simples, de resposta às questões do mundo”, acrescentou o padre Lombardi.
A conversa entre Bento XVI e Seewald - que já por duas vezes tinha entrevistado Joseph Ratzinger, ainda cardeal – decorreu na residência pontifícia de Castel Gandolfo, perto de Roma, entre os dias 26 e 31 de Julho.
As duas anteriores entrevistas a Seewald - que em várias ocasiões afirmou que o Papa é o responsável pela sua conversão - tornarem-se os «best-sellers» "Deus e o mundo" (2001) e "O Sal da Terra" (1997).
O livro "Luz do Mundo - O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos" vai ter uma primeira edição de 50 mil exemplares em italiano e70 mil em alemão.
A passagem do livro em que o Papa fala do preservativo:
«[…] Em África, Vossa Santidade afirmou que a doutrina tradicional da Igreja tinha revelado ser o caminho mais seguro para conter a propagação da sida. Os críticos, provenientes também da Igreja, dizem, pelo contrário, que é uma loucura proibir a utilização de preservativos a uma população ameaçada pela sida.
Em termos jornalísticos, a viagem a África foi totalmente ofuscada por uma única frase. Perguntaram-me porque é que, no domínio da sida, a Igreja Católica assume uma posição irrealista e sem efeito – uma pergunta que considerei realmente provocatória, porque ela faz mais do que todos os outros. E mantenho o que disse. Faz mais porque é a única instituição que está muito próxima e muito concretamente junto das pessoas, agindo preventivamente, educando, ajudando, aconselhando, acompanhando. Faz mais porque trata como mais ninguém tantos doentes com sida e, em especial, crianças doentes com sida. Pude visitar uma dessas unidades hospitalares e falar com os doentes.
Essa foi a verdadeira resposta: a Igreja faz mais do que os outros porque não se limita a falar da tribuna que é o jornal, mas ajuda as irmãs e os irmãos no terreno. Não tinha, nesse contexto, dado a minha opinião em geral quanto à questão dos preservativos, mas apenas dito – e foi isso que provocou um grande escândalo – que não se pode resolver o problema com a distribuição de preservativos. É preciso fazer muito mais. Temos de estar próximos das pessoas, orientá-las, ajudá-las; e isso quer antes, quer depois de uma doença.
Efectivamente, acontece que, onde quer que alguém queira obter preservativos, eles existem. Só que isso, por si só, não resolve o assunto. Tem de se fazer mais. Desenvolveu-se entretanto, precisamente no domínio secular, a chamada teoria ABC, que defende “Abstinence – Be faithful – Condom” (“Abstinência – Fidelidade – Preservativo”), sendo que o preservativo só deve ser entendido como uma alternativa quando os outros dois não resultam. Ou seja, a mera fixação no preservativo significa uma banalização da sexualidade, e é precisamente esse o motivo perigoso pelo qual tantas pessoas já não encontram na sexualidade a expressão do seu amor, mas antes e apenas uma espécie de droga que administram a si próprias. É por isso que o combate contra a banalização da sexualidade também faz parte da luta para que ela seja valorizada positivamente e o seu efeito positivo se possa desenvolver no todo do ser pessoa.
Pode haver casos pontuais, justificados, como por exemplo a utilização do preservativo por um prostituto, em que a utilização do preservativo possa ser um primeiro passo para a moralização, uma primeira parcela de responsabilidade para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer. Não é, contudo, a forma apropriada para controlar o mal causado pela infecção por HIV. Essa tem, realmente, de residir na humanização da sexualidade.
Quer isso dizer que, em princípio, a Igreja Católica não é contra a utilização de preservativos?
É evidente que ela não a considera uma solução verdadeira e moral. Num ou noutro caso, embora seja utilizado para diminuir o risco de contágio, o preservativo pode ser um primeiro passo na direcção de uma sexualidade vivida de outro modo, mais humana.»
In Bento XVI, Luz do Mundo – O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos – Uma conversa com Peter Seewald, Lucerna, 2010
Vejo que já outros colocaram aqui artigos retirados da "agência ecclesia" relacionados com este tema.
Hoje saiu mais um artigo muito interessante.
Para contribuir um pouco mais para a reflexão, faço ctrl+C/ctrl+V deste artigo do teólogo Jorge Teixeira da Cunha:
Parte I
Bento XVI e a Moral. O que é Novo nas Palavras do Papa?
Jorge Teixeira da Cunha
Correram o mundo as declarações de Bento XVI a respeito do uso lícito do preservativo. Qual a razão porque tiveram tanto efeito? Tanto quanto sabemos, o que foi dito é que o uso de um preservativo profilático “pode ser admitido em certos casos”, uma vez que isso “pode ser um primeiro passo na humanização” da pessoa e da sua sexualidade. Parece pouco, mas esta afirmação é muito significativa. Vamos pôr em evidência o que nos parece mais importante.
1. A Pessoa e os seus Actos
O que, em primeiro lugar, reflectem as afirmações do Papa é a necessidade de ter em conta a pessoa para avaliar os seus actos. Esta matéria tem sido objecto de um grande debate, no contexto da teologia moral do último meio século. Não vamos expor as coisas muito técnicas deste assunto, mas mostrar a sua relevância para que o nosso pensamento moral seja mais adjacente à realidade do que vivemos como sujeitos responsáveis. Pode pensar-se a moral como um juízo sobre a bondade ou maldade dos actos humanos, tendo em conta a sua conformidade ou disformidade com a regra da razão humana e da lei de Deus. Colocar a questão desta maneira não é incorrecto. O seu problema é o simplismo. De facto, não se pode avaliar a qualidade moral dos actos de uma pessoa sem estarmos de posse de outros elementos do seu contexto de vida, das suas crenças, dos seus desejos, dos seus sofrimentos, da sua história. Por isso, a maioria dos teólogos morais de hoje pensa que é necessário, para julgar moralmente, ter em conta, além dos comportamentos, também a atitude da pessoa. Alguns ainda preferem chamar opção fundamental a isto que chamo atitude. Claro que estas duas grandezas não são separadas na pessoa concreta. Trata-se uma distinção destinada a compreender. A animosidade contra esta distinção vem do eventual perigo de relativismo pois, alguns pensam que, com base na atitude boa, podem ser admitidos muitos comportamentos maus. Mais importante do que isso é, a nosso ver, a maior adjacência à realidade da pessoa e do seu viver concreto. Parece que Jesus nos ensinou uma moral que tem em conta este modo de pensar quando nos disse que o que está “no segredo” e que somente Deus vê é mais decisivo para a nossa bondade do que o que fazemos “na praça pública”. Quando Bento XVI distingue entre “a humanização da pessoa” e o “uso casuístico” de um objecto está a admitir esta distinção.
LPS
Parte II
2. Moralidade da Atitude e do Comportamento
A avaliação moral da atitude e do comportamento necessita ser vista de forma diferenciada. Se olharmos bem, as atitudes são mais difíceis de apreender. No íntimo apenas Deus vê. De facto, podemos descrever, podemos aproximar-nos dos gestos de uma pessoa, mas chegar à verdade do coração não é fácil. Da atitude é que diz o Evangelho “Não julgueis, para não serdes julgados…”. As atitudes mostram-se na imparcialidade da pessoa, no seu esforço continuado por ser justo, ser casto, ser fiel, enfim, dos diversos âmbitos em que decorre a nossa vida. Os comportamentos, por outro lado, são mais acessíveis ao juízo, mas colocam em causa a necessidade de muitos mais utensílios de conhecimento. Para ajuizar âmbitos como a bioética ou a sexualidade temos de ter ou buscar conhecimentos científicos. É que o juízo moral sobre os comportamentos implica a avaliação de bens ou valores chamados “não morais”, como é o caso da vida física, dos valores da economia, ou outros. Este juízo complexo pode ter de recorrer a uma avaliação das consequências previsíveis de decidir deste modo ou daquele e esta avaliação tem também relevo moral. Neste âmbito, nem tudo é evidente independentemente da realidade empírica. Para chegar à conclusão que chegou, foi precisamente um juízo deste género o que fez Bento XVI. Quando ele fala de “humanização da pessoa”, move-se no âmbito da atitude. Quando se trata de admitir “em algumas circunstâncias” o uso do profilático, está afazer um juízo sobre comportamentos visíveis e concretos. E aqui está visível que os riscos, as consequências para vida e saúda das outros pessoas, que são valores não morais, têm relevo moral para ajuizar em favor da admissão da licitude moral.
3. Um Gesto Corajoso
Ao admitir o uso casuístico do preservativo, Bento XVI dá um pequeno passo cheio de significado. Não é de supor que o não tenha ponderado muito bem, que o não tenha sofrido, e que não queira fornecer uma orientação à teologia moral. Se é certo que a preocupação dos teólogos e das pessoas que desconfiam do recurso à atitude e ao juízo teleológico em matéria do sexto mandamento não deixa de ser uma preocupação de apreciar pelo seu zelo e rigor no cumprimentos a vontade divina, não deixa de ser verdade que Deus nosso Senhor quer salvar as pessoas pela conversão do coração e não pela integridade da conformação com a lei. Parece não haver dúvida que este foi um combate de Jesus contra aquilo que os Evangelhos chamam “farisaísmo”. Por isso, a nosso ver, Bento XVI não faz um gesto a pender perigosamente para o lado dos direitos do sujeito, mas faz um gesto de pastor, como é esperado de um Papa, a consolar os errantes e a chamá-los ao bom caminho da conversão.
Jorge Teixeira da Cunha
Jorge Teixeira da Cunha | 2010-11-30 | 10:56:47 | 6419 Caracteres |
LPS
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