quarta-feira, março 14, 2007

Não emprestei o guarda-chuva, senhor padre

Chovia lá fora. Ventava. Ela tremia. Gaguejava. Soluçava. Digamos que chovia também. Senhor padre, preciso mesmo falar consigo. Nunca a tinha visto neste estado. Branca. Doente. Sentou-se ao meu lado. Segurei-lhe a mão esquerda com as minhas. Começaram também a tremer. Pensei o pior. Tropecei as palavras com um esforço de parecerem calmas: Diga, mas acalme-se. Precisava mesmo falar-lhe. Já tinha pensado ir ter consigo, mas temia incomodá-lo. Não sabia se tinha tempo. Lá está mais uma vez a minha desdita. A de muitos. Aconteceu há dias. Chovia imenso. Como hoje. Estava à janela. Tem esse hábito, que eu sei. Sabe sempre a que horas me deito! Uma moça corria por causa da chuva. Estava completamente molhada. Os cabelos pingavam. De repente viu-me e gritou por um guarda-chuva: Tem um guarda-chuva que me empreste? A casa dela ficava longe. Disse-lhe sem pensar que não. No outro segundo arrependi-me e gritei-lhe que sim. Corri à porta. Já ia longe. Berrei, mas a chuva não permitiu que me ouvisse. Voltei para casa com o coração a tremer. Até lá tinha vários, e ela devolvia-mo depressa. Como fui capaz! E repetia estas palavras muitas vezes. Segurava a cabeça com as mãos. Chorava. Eu disse que de facto tinha errado. Mas que agora devia ficar em paz. Não mereço perdão. Merece sim. Toda a gente merece. E continuava aos soluços. Precisava desabafar consigo. Precisava ficar em paz. Ajude-me. Como é que fui capaz de fazer uma coisa destas?! Quem conhece esta senhora sabe que está sempre disposta a ajudar, a dar de si. Não tinha muito sentido ter acontecido. Mas acontece a todos. Até aos mais santos e mais perfeitos. Todos fraquejamos. A moça já estava seca. Agora restava que esta ficasse em paz. Dei-lhe mais umas palavras de conforto. Não chegou. Levantámo-nos. Ainda tremia. Dei-lhe um abraço apertado. Tem 72 anos, minha gente! Apertou-se ainda mais ao meu coração. Quase um minuto sem palavras. No segundo minuto já não tremia tanto.
No outro dia falou para mim do abraço de Deus. E já não é a primeira vez que me falam deste abraço.

17 comentários:

Dulce disse...

Que lindo texto!
A mim também me acontece, fazer coisas que me envergonham muito, porque me mostram uma face de mim que eu não quero. Mas tenho. Todos temos.

Anónimo disse...

Pedi ajuda e...

Anonymous said...

"Confessionário!
Preciso da tua ajuda!
Vivo de algum tempo para cá um grande dilema.
Como é que eu me posso confessar se sei que depois disso não vou conseguir emendar-me?
Como é que é possível que pensamentos sejam pecados? (e desejos... fantasias)
Isto para mim é muito complicado.
Sempre fui uma pessoa certinha, com tudo o que é preciso para ser feliz. Vida familiar estável, filhos, e agora conheci uma pessoa que ocupa os meus pensamentos, se apoderou de mim como uma doença.
É uma coisa que não quero mas que vou alimentando. Amo a minha família acima de tudo, por nada do mundo lhe causaria qualquer dano, mas sinto necessidade de contactar de perto com a pessoa que ocupa a minha mente ao ponto de não afastar esses pensamentos, pelo contrário, penso nela deliberadamente e desejo estar junto dela, olhá-la, falar-lhe...
Ajuda-me!
A minha razão diz-me que isto não é bom, mas o coração não vê.

Como posso confessar-me?"

10 Março, 2007 11:56


A resposta:

Confessionário said...
"Caro anónimo ou anónimo de 10 às 11,56h, deixo a sugestão: abeira-te do confessionário (de prefrência alguém amigo ou que saibas que pode ajudar-te) e pode ser que, pelo menos, recebas ajuda nesta tua dificuldade... ao menos isso... para que algo possa aparecer como luz para desenvencilhar isso!

Aliás, é uma das vantagens da Confissão: poder ajudar com uma palavra de atenção, de escuta e de aconselhamento! "

11 Março, 2007 23:28

De novo:

Padre, pensei muito antes de escrever este mail. Ainda agora não sei se não me estarei a expôr demasiado, o que não queria. ( Isto era suposto ser por email, mas não fui capaz)
Quem sabe se não o conheço ou se não me conhece?
Diz-me para me confessar com alguém amigo, mas para mim é mais fácil falar um assunto delicado destes com alguém que não me conheça. Temo julgamentos.Não sei por que me está acontecer isto. Ou se calhar até sei. Tenho contado muito comigo e pouco com Deus. E depois não me consigo controlar. O meu marido não tem sido penalizado com esta situação, pelo contrário o meu carinho e atenção para com ele redobraram, só que muitas vezes, mentalmente, não é com ele que estou. E isso faz-me sentir muito culpada.
Sei que vou ter que conviver, pelo menos, mais algum tempo com aquele que me perturba. Só queria ter forças para lhe resistir até lá. Depois talvez possa esquecer. Mas ao mesmo tempo não é isso que desejo. Entre nós vai-se estabelecendo uma relação de amizade que poderá perdurar para além disso se ambos o alimentarmos. Eu gostaria que fosse só uma verdadeira amizade, mas da minha parte a atracção física que sinto por ele é grande. E isso está a fazer-me muito mal. É como uma droga em relação à qual se cria dependência e depois só com ajuda nos podemos livrar dela.
Para já, nesta Páscoa, só queria um pouco de paz na consciência.
Como obtê-la?

Anónimo disse...

quase sempre amo os textos deste blog, quantos ensinamentos na simplicidade de algumas linhas, esse em especial me comoveu.Sâo as
frawuzas do nosso humano. Todos vivemos alguma situaçâo parecida.
um grande abraço amigo Padre.

Sílvia disse...

Isto sim é um momento de confissão... isto sim é um momento de encontro com Deus e com o seu amor.

Elsa Sequeira disse...

Querido Amigo!

Pois é, ás vezes vivemos assim situações, que nos fazem parar, chorar, pensar...coisas que nem têm razão de ser, ou de proceder...coisas tão simples...

Quanto ao facto de teres feito cessar as lágrimas e a agitação da senhora, sei que é assim, já transformaste muitas vezes as minhas em sorrisos, já mudaste o ritmo do meu pensamento, já me disseste palavras que naquele momento, simplesmente mudaram tudo e me mostraste a outra face de inúmeras situações!
Obrigado Bombeiro!! (Ahahah!!)

Quanto aos abraços de Deus, já recebi alguns...de outros braços, de outros corações...eu ainda não tenho 72 anos...mas...achas que também me podes dar o teu abraço...de Deus? Eu quero, Amigo!

Continua a transformar...a transformar-nos... e a perfumar tudo e todos com o odor de Cristo!
Muita força para ti!
Beijinhos

Confessionário disse...

Amiga anónima, não te deixes abater, nem faças disso a tua vida. Ela tem mais coisas, como afirmas. Já pensaste nisso apenas como uma atração?! Todos temos dessas coisas, atrações. O amor é muito mais que isso. Só quando fores livre dela (a atração), poderás perceber o que significa para ti. Desprendidos vemos com mais luz... é apenas uma suigestão amiga. de facto, por mail era melhor... fic outra sugestão.

PDivulg disse...

Quando puderes gostava de ter a tua opinião aqui http://pdivulg.blogs.sapo.pt/38375.html#comentarios Obrigado.

Hadassah disse...

muito boa escolha ... a música do Héber.

Anónimo disse...

credo!...setente e dois anos!?...a idade de afonso henriques. e da sexualidade dela...qé k dizes?...
Rosa

Maria João disse...

Às vezes acontece. São palavras e gestos que saem sem pensarmos.

É horrível, principalmente para a pessoa que está a precisar de ajuda. Mas, lá está, não somos perfeitos e DEus perdoa-nos e pede para nos perdoarmos a nós próprios. Aconteceu! Vamos ver se dá para remediar e vamos aprender com o erro que cometemos.

Jorge Oliveira disse...

Bom post,
"Um abraço pode muito" em seus efeitos.
Abraços

Carla Santos Alves disse...

Deus sabe tudo!
Esse abraço...foi o abraço de Deus!

Bjs

Carla

Confessionário disse...

Rosa, não digo nada, que não conheço!

Postdivulg, já lá fui. É complicado comentar. Eu acredito na verdadeira Igreja de Deus... e há coisas que têm a sua pertinência nesse texto (ainda nao li, por isso não posso comentar com verdade). Algumas.

anamaria disse...

Este caso da senhora arrependida tocou-me especialmente... Num tempo em que a consciência parece não existir, alguém sofre tão profundamente por um acto que me parece quase inconsciente, irreflectido...

Anónimo disse...

Também quero .... um abraçinho de Deus ... o teu abraçinho ... mas estou tão longe...pena!

Um beijinho para ti

Maria joão

PDivulg disse...

Obrigado.

Anónimo disse...

Quantas vezes nos sentimos assim!

Por coisas comesinhas, simples gestos em que podiamos ajudar os outros e não o fazemos.

Mas logo nos arrependemos e voltamos atrás.
Umas vezes ainda conseguimos remediar; outras já não.

Resta-nos apenas o arrependimento e o propósito de emenda (e é porisso que me aborrece confessar-me, porque vivo sempre neste vai-e-vem).

Mas o arrependimento, se por um lado nos magoa, por outro, nos liberta, nos fortalece e nos ajuda a tolerar melhor as fraquezas dos outros (que às vezes é difícil).

É no arrependimento, e não no pecado que cometemos, que cada um de nós revela a sua verdadeira essência.

Gosto dessa senhora.