terça-feira, fevereiro 21, 2006

Que é preciso para ajudar os pobres desta terra, padre?

Estava a chegar quando ele chegou. Descapotável vermelho. Roupas de marca. Padre, quer vir tomar um café. Eu pago. Como se pagar fosse só apenas para quem ostenta dinheiro. Parecia um gesto de poder, mas quis antes pensar que era um gesto de carinho. Acedi. Entrámos no café. Umas conversas do tipo superficial. Eu faço isto, eu tenho aquilo, eu compro aqueloutro. Um rapaz de Eucaristia. Quase sempre. Fez-me lembrar o “jovem rico”. Estava quase para me afastar, quando lançou o assunto. Padre, que é preciso para ajudar os pobres desta terra? Sabe, tenho pensado nisto. Há por aí muita gente no álcool, na droga. Pessoal sem emprego. Velhotes. Eu gostava de ajudar. Perfeito. O “jovem rico do evangelho”. Quanto de ti estás disposto a entregar?, perguntei. Estava a pensar numas centenas de euros, respondeu. O Centro podia aplicar. Ou o padre entregava como quisesse. Não vi inconveniente na proposta. Tomara que mais gente as lançasse. Mas num repente, acrescentei: Porque não te entregas tu? Porque não te dedicas a esta gente? Engasgou-se um bocado enorme. Quase engolia de um trago o resto do café já frio. Ó padre, não tenho vida para isso. O senhor sabe. Mas o padre tem. Lá vinha outra vez a história dos leigos e dos padres, da diferença. A questão não está na disponibilidade, mas na atitude. Cada um faz na sua medida. Aliás, se a tua for essa, óptimo. Mas é mais fácil dar do que temos do que dar o que somos. Ele entendeu. Digo-o, porque fixou bem os olhos nos meus. Bebi mais um gole. Tempo suficiente para ele acrescentar. O padre deixou-me a pensar. Há dias aprendi consigo na missa que o mal não está no ter, mas sim no como usar o que se tem. Que o mal não está na riqueza, mas no não desprendimento. E agora diz mais isso. Neste ponto da conversa calou-me. Tinha a sua razão. Mas eu também tinha. Ele teve de sair. Pediu desculpas.
Já na despedida. Vou pensar no teu caso, disse. E ele respondeu que ia também pensar no meu.

16 comentários:

maria disse...

Como me soube bem ler isto!!!!
É preciso ousar e tu fizeste-o. Não aceitaste passivo as migalhas que queriam dar.
Homem valente. Padre confiante.

Mil abraços

1gota disse...

O ter dado o primeiro passo monetário é um bom sinal de algum despreendimento.
Mas o facto de ter ficado a pensar na sua própria entrega ainda foi o mais importante...

Outro ponto que me tocou foi o convite para o café, um acto carinhoso a meu ver. Era muito bom que todos os leigos conseguissem falar e ver o padre como um amigo com o qual se toma café.
Mas também é preciso de padres como o deste confissionário que se disponibilizam a tal.

Carla Santos Alves disse...

Olá amigo!

Que belo exemplo!
às vezes até basta termos um pouco do nosso tempo para ouvir alguém que precisa de desabafar!

E de facto se os que têm dinheiro se preocupassem com os mais necessitados...não acho que se deva dar por dar...par desenrascar no momento, mas criar meios de apoio e ajuda !

Espero que este homem de descapotável vermelho tenha um bom coração e de facto, já que quer ajudar que crie meios de resposta para os que mais precisam!

Bjs
Carla

xana disse...

vais ver..
não tarda e ele voltará
para te dizer:
"Padre, o que posso eu
então fazer?"
Para me entregar com
o meu ser?!"

E..
quando isso acontecer,
Conta-nos de novo..
vamos todos
gostar tanto
de saber..

Inda vai acontecer..
Ai..vais ver!

Anónimo disse...

Falso moralismo?
Não obrigado.
Repare que Homens a querer oferecer dinheiro para ajudar os pobres são poucos...afinal a Igreja não tem grandes templos, grandes monumentos, impetosos edificios, o vaticano é só riqueza...com o dinheiro de quem? o dinheiro dos, maioritariamente, pobres que dão, inconscientemente, milhoes e milhoes de "moedas" para os bolsos dos "maiorais" e para a construcção de monstruosos edificios...
Aquele homem QUERIA ajudar...actualmente é raro...

Desculpem a discórdia...é apenas a minha opinião, não censuro ninguém.

Abraços a todos

Anónimo disse...

Não vou comentá-lo.
Direi apenas de mim. Dinheiro não costumo dar que tenho pouco, mas se me pedem não recuso. De mim dou a doçura :)

Confessionário disse...

Simnão, mais uma vez refuto a tua forma de pensar, e respeitosamente te esclareço: neste post o que se trata de discutir é o dar algo que é nosso ou dar o que somos! O problema é que muitas pessoas sossegam a sua consciência dando ou partilhando um pouco do que lhes sobra. Isso não é nem caridade, nem solidariedade. Não se resolve o problema e as dificuldades das pessoas: apenas se atrasam...
É bom partilhar do nosso, mas não chega! Foi o que Jesus ensinou.

Mais uma vez, porque confundes a Igreja com o vaticano?! O dinheiro dos meus paroquianos não vai para o Vaticano, e o que as pessoas partilham não chega para culmatar todas as dificuldades que exitem na paróquia, quer humanas, materiais ou espirituais...

Um abraço...

Henrique Santos disse...

Realmente é bem mais difícil doar-mo-nos a uma causa do que contribuir com o que se tem para ela... Dá que pensar...
Mas aqui encontro motivos para estudar diversos aspectos que nos passam tantas vezes ao lado...
Obrigada. Um abraço, Ricky

Anónimo disse...

as vezes vale mais um sorriso, um carinho, uma atenção do que muitos euros... e a satisfação de nos darmos é bastante superior à de dar o que temos

Avozinha disse...

Esperemos que ele não faça como o da Bíblia. O problema desse também era mias como encontrar a vida eterna...

Anónimo disse...

quem dera conseguir dar sempre o que sou... rezarei por isso... por todos...

abracinho

Maffa disse...

Cada vez mais acho que a esmola seja grande ou pequena é uma forma de tranquilizar a consciência.

Claro que dar é sempre importante e muitas organizaçoes que fazem muita coisa boa vivem destes donativos de pessoas generosas.
Mas e que tal uma pessoa transformar os seus objectivos em ser útil e em dar-se em toda a sua vida.
Em vez de escolher aquele emprego que dá muita dinheiro e assegura o futuro, porque nao arriscar naquele projecto um pouco duvidoso mas que ajuda a sociedade a transformar-se e tem sim relevância para mudar o mundo em que vivemos?!
O nosso trabalho é a nossa vida, e os donativos apenas um extra...

simples peregrino disse...

padre...é bem verdade...
é mais fácil darmos daquilo que nos sobra...do que darmos aquilo que podemos...sim porque ás vezes bastava queremos...

Cláudia Rocha Gonçalves disse...

"Vou pensar no teu caso, disse. E ele respondeu que ia também pensar no meu."

e porque não pensarmos todos em nos darmos a algum projecto, entregarmo-nos como se fosse para nós?!?!

todos ficaremos a ganhar...

mi disse...

não seremos todos nós "jovens ricos"?!

"vende tudo o que tens e dá aos pobres"

o jovem rico não conseguiu dar...
e ficou imensamente triste...
e nunca mais se fala dele nos evangelhos...

e nós?!

Luís Monteiro disse...

Como estudante de medicina sei bem que a dificuldade não está em ter um TC (por exº)topo de gama, ou ainda saber o artigo científico mais recente. O dificil e raro é permanecer para alám das horas marcadas, saber praticar a caridade (repetida na encíclica Deus carita est)no momento certo, com quem precisa.
A dificuldade, hoje é estar aqui e agora.